Será que o dinheiro físico, tal como o conhecemos, vai desaparecer um dia? A avaliar pela quantidade de vezes que procuramos – sem sucesso – moedas para pagar o estacionamento, quase que somos levados a dizer que sim. Mas é muito provável que a resposta não seja assim tão imediata, até porque há sempre franjas da população que não acedem facilmente à inovação, como refere, em entrevista, Juan José Llorente, Country Manager da Adyen para Portugal e Espanha.
O que veio para ficar, indiscutivelmente, nas suas palavras, é o “figital” – termo que resulta da junção das palavras físico e digital – que representa a jornada de compra de muitos consumidores em todo o mundo e que mais não é do que a fusão de todas as possibilidades de aquisição de bens ou serviços que estão, hoje, à nossa disposição. Por exemplo, é a possibilidade de optar pelo comércio eletrónico depois de ver um sofá presencialmente (ou optar por fazer exatamente o contrário), ou, estando na loja, seguir o QR Code para obter mais informações sobre o smartwatch que temos na mão naquele momento; é devolver na loja uma peça de roupa comprada através do telemóvel ou receber em casa uma belíssima secretária adquirida durante as férias num país estrangeiro.
Tudo isto é possível também graças às múltiplas formas de pagamento que os consumidores têm atualmente à sua disposição – desde o Multibanco aos cartões contactless, passando pelas carteiras digitais, como o MBWay, Apple Pay, Google Pay, entre outros – e cujo funcionamento é assegurado com total segurança por plataformas de pagamento como a Adyen.
O impulso da pandemia
Não fazemos ideia de quanto tempo teria de ter passado até se chegar ao ponto atual, no que toca à implementação do comércio online e da utilização de meios de pagamento digital, se não tivesse acontecido a pandemia de Covid-19. De facto, o impulso registado foi gigantesco e, só em Portugal, o valor do comércio eletrónico terá chegado perto dos 8 mil milhões de euros, em 2020, segundo dados da Associação da Economia Digital. Segundo a SIBS, nos dois anos de pandemia, as compras feitas através de cartão contactless registaram um crescimento exponencial, tendo as operações realizadas crescido 387% em número e 685% em valor, em comparação com indicadores anteriores à pandemia.
Estes números são confirmados pelo recente “Relatório Adyen sobre o Retalho 2021 – A metamorfose do retalho”, segundo o qual, desde a pandemia, 44% dos portugueses passaram a preferir pagar com cartão ou carteiras digitais em vez de dinheiro. Juan José Llorente reconhece que “foi a questão da saúde que o impulsionou”, mas não duvida que a “a utilização de cartões e de carteiras digitais manterá importância no futuro, devendo continuar a crescer pouco a pouco”.
No mesmo relatório, ficamos a saber, sem surpresa, que é entre a população mais jovem que o digital progride, com 86% dos participantes entre os 18 e os 39 anos de idade a assumirem que preferem usar cartões, enquanto 27% dos inquiridos nesta faixa etária nem sequer usam cartões físicos, optando antes por dispositivos móveis e/ou carteiras digitais. Ainda assim, o responsável da Adyen não acredita na substituição total do dinheiro físico.
“Vimos uma redução muito importante dos pagamentos efetuados com dinheiro físico, mas este não desapareceu”, sublinha, acrescentando que “este é também um assunto relacionado com a inclusão económica, já que nem todas as pessoas, de todas as faixas etárias, têm uma conta bancária”. Como exemplo, lembra que “os menores de idade têm limitações de acesso a cartões de crédito, além de que uma parte da população mais idosa tem dificuldade em fazer mudanças e passar a usar cartões”.
Faça-se a vontade do consumidor
Tendo em conta a diversidade de meios e pagamento disponíveis e, também, a evolução rápida que se verifica em direção ao digital, importa, pois, saber quais são as reais necessidades dos consumidores portugueses quando chega a hora de concretizar uma compra. A maioria dos inquiridos (64%) assume que quer ter a possibilidade de escolha entre vários métodos – aliás, 26% revelam ter já saído de um local sem comprar o que desejavam por não existir o seu método de pagamento preferido – e a boa notícia é que os retalhistas estão alinhados com esta vontade.
Com efeito, 75% consideram muito ou bastante relevante para o seu negócio assegurar que oferecem todas as opções de pagamento que os seus clientes queiram utilizar. Juan José Llorente encara este número como “um dado muito positivo”, porque “é o reconhecimento de que os pagamentos, tanto os efetuados nas lojas físicas como também, e até mais, no online, têm um impacto muito direto nas vendas”. Nas suas palavras, o alargamento dos métodos de pagamento é visto pelos retalhistas como “uma forma bastante simples de aceder a novos nichos de mercado e incrementar a conversão”.
Todavia, apesar deste reconhecimento, apenas 36% dos comerciantes têm uma estratégia digital formal e ativa em funcionamento. Para o Country Manager da Adyen, tal não é preocupante nem sinónimo de qualquer tipo de bloqueio, uma vez que, “durante pandemia, ficou clara a necessidade de adaptação”. Por esse motivo, julga que “é provável que, quando este Retail Report voltar a ser feito, aquele número terá aumentado muito, porque os retalhistas estão mais conscientes e terão tido tempo de estruturar de forma mais organizada [a estratégia de pagamentos digitais]”.
“Figital” amigo de Portugal
À medida que as estratégias digitais são implementadas, mais o consumidor tem a possibilidade de concretizar experiências de compra híbridas ou “figitais”. Isto é, nas quais tem a liberdade de decidir o contexto em que realizará cada passo da operação, por exemplo, ir à loja ver o produto pessoalmente (60% dos portugueses continuam a preferir lojas físicas), comprá-lo online, recebê-lo posteriormente em casa numa data determinada, além de ter ainda a possibilidade de fazer trocas ou devoluções em loja física, no caso de o pretender.
Juan José Llorente chama a esta tendência, de que vamos continuar a ouvir falar nos próximos anos, “comércio unificado” e admite que “Portugal tem uma posição muito interessante neste domínio”, desde logo porque “tem acesso aos mesmos prestadores de serviços tecnológicos de pagamentos e de logística que os grandes países europeus, mas é um mercado de tamanho um pouco mais reduzido e onde vemos que algumas empresas internacionais gostam de inovar”. Esta atração pelo nosso país prende-se, nas suas palavras, pelo facto de Portugal ser “um país relativamente aberto à inovação, onde há muito desenvolvimento tecnológico, que as pessoas buscam devido à qualidade de vida e onde o turismo é também importante, sendo que o turismo está aberto a métodos de pagamento digitais e a alguns destes novos conceitos como o ‘figital’”.
Por outro lado, os próprios portugueses são excelentes candidatos à adoção deste conceito híbrido. Prova disso mesmo é o facto de 36% dos inquiridos terem assegurado que o conforto da compra (onde está a loja, opções de entrega e devolução, etc.) é para eles mais importante que o preço dos artigos, o que reforça a relevância da experiência para os consumidores nacionais.
O que falta fazer?
Quanto à segurança, que costuma ser um tópico relevante quando o tema passa por pagamentos digitais ou através de cartões, o responsável lembra que ações como a Payment Services Directive 2, a diretiva europeia que regula os serviços de pagamento, veio colmatar algumas falhas no sentido de proteger o consumidor. “Houve um impacto [na adaptação], mas estamos a verificar que a fraude online diminuiu”. Mesmo assim, defende que a segurança das transações “continua a ser um elemento que não podemos esquecer”, chamando mesmo a atenção das empresas para os sistemas que utilizam, com vista a garantir a segurança das suas bases de dados.
Questionado sobre se Portugal está, ou não, preparado para a transformação digital, o responsável considera que “os portugueses estão prontos, alguns negócios também estão e outros deveriam estar e não estão”. Ainda assim, mostra-se “positivo”, assegurando que “hoje não é demasiado tarde” para quem ainda não apanhou o comboio da digitalização. “Logo que consigam têm de o fazer”, advertiu, reforçando que “os prestadores tecnológicos estão aí para tornarem cada vez mais fácil a digitalização das empresas”. “Há toda uma curva de aprendizagem, pelo que é importante fazê-lo quanto antes”, rematou.