O tempo está a correr e para Pedro Sánchez é “a hora do compromisso, da generosidade, da política e da liderança”. Momentos após o Rei Felipe VI ter anunciado que o PSOE terá uma oportunidade para formar governo, o líder dos socialistas salientou, numa conferência de imprensa, que queria deixar para trás uma “sociedade fragmentada” e sonhava com uma “sociedade de convivência” em Espanha. O chefe de governo em funções tentava mandar uma mensagem às forças independentistas da Catalunha: a amnistia (palavra que evitou usar) para os organizadores do referendo pela autodeterminação da região em 2017 pode ser uma realidade, sob a condição de aqueles partidos apoiarem a sua investidura.
Enfatizando que quer construir uma “maioria progressista” para avançar com os “direitos sociais e civis”, Pedro Sánchez quis esbater as diferenças com os seus possíveis parceiros. Porém, quando questionado pelos jornalistas, o líder socialista teve de reconhecer que se opõe à realização de um novo referendo para a independência da Catalunha, ambicionando a “convivência” pacífica entre todos os espanhóis.
Com a esperança de conseguir formar as bases para um mandato estável e assombrado pela possibilidade de haver novas eleições, Pedro Sánchez está refém de obter um voto a favor de pelo menos um dos partidos independentistas catalães, que exigem — em teoria — não só a amnistia, como também o referendo. E isto leva a que o atual chefe de governo espanhol acabe por se enredar no clima de competição entre os dois partidos catalães com presença no Congresso dos Deputados: a Esquerda Republicana Catalã (ERC) e o Juntos pela Catalunha, este último liderado pelo eurodeputado Carles Puigdemont.
“A investidura de Sánchez já há muito que se transformou num lugar de competição entre os representantes mais relevantes do independentismo catalão”, confirma, em declarações ao Observador, Santiago Delgado Fernández, professor de Ciência Política na Universidade de Granada, que acrescenta que as “desavenças entre as duas formações não são nenhuma novidade”.
Quer a Esquerda Republicana Catalã, quer o Juntos pela Catalunha querem liderar o movimento independentista da região e vão transformar a investidura numa arena para tentarem consolidar essa posição. Para conseguir formar governo, Pedro Sánchez vai ter de ultrapassar todas as divergências catalãs — e fazer com que dois partidos aparentemente rivais se unam. E não é apenas na Catalunha. Os dois partidos nacionalistas bascos — o Partido Nacionalista Basco (PNV) e o Eh Bildu — presentes no Congresso dos Deputados mantêm igualmente uma animosidade entre si.
Sánchez joga com os independentismos (e espera que não se virem contra ele)
Ao Observador, Francisco Ramón Villaplana Jiménez, doutorado em Ciência Política pela Universidade de Múrcia, descreve que, nas próximas semanas, as negociações entre Pedro Sánchez e os partidos independentistas “vão ser uma relação de colaboração tensa e delicada”, com prováveis trocas de posições.
Por exemplo, na sexta-feira, o parlamento catalão, devido aos votos da ERC e do Juntos pela Catalunha, aprovou uma resolução que obriga a uma discussão das possíveis bases para um referendo em troca de um eventual apoio à investidura de Pedro Sánchez. Foi um inevitável aumento de tensão com os socialistas; mas, dias a seguir, a Esquerda Republicana veio baixar o tom e esclarecer que o partido exige somente que se discutam os moldes em que se poderá votar num possível referendo.
Ainda que estas mensagens ressoem toda a Espanha, o objetivo dos independentistas tem um cariz mais regional e partidário do que propriamente global. E a resolução aprovada pelo parlamento catalão é um exemplo disso, nota Santiago Delgado Fernández: “A recente moção conjunta, em que ambos [os partidos] pedem a necessidade de um referendo para apoiarem uma possível investidura de Sánchez, é apenas um mecanismo para que nenhum dos dois possa sair a ganhar ou perder [deste processo]”, evitando-se igualmente uma possível troca de opinião à “última hora”.
Funciona, portanto, como um pacto de não agressão entre dois partidos aparentemente rivais, para garantirem que nenhum sai demasiado beneficiado da investidura. Isto não quer dizer, ainda assim, que a ERC e o Juntos pela Catalunha não continuem a rivalizar um com o outro. Continuam a fazê-lo — mas à porta fechada e longe dos socialistas.
Embora a rivalidade e as jogadas dos dois partidos em termos regionais tornem mais complicada uma investidura de Pedro Sánchez, o socialista possui um trunfo: o facto de nenhum dos dois partidos querer novas eleições. “As duas formações ficaram muito debilitadas em relação aos socialistas na Catalunha, o que dá uma vantagem ao PSOE nas negociações”, clarifica Francisco Ramón Villaplana Jiménez.
Os resultados das eleições legislativas mostram isso mesmo. No dia 23 de julho de 2023, o Partido Socialista da Catalunha (PSC) venceu as eleições na região, obtendo cerca dos 36% dos votos, seguindo-se o Sumar com 15% e o PP com 14%. A ERC ficou em quarto com 12% e o Juntos em quinto com 10%. Há quatro anos, os resultados tinham sido muito diferentes: ainda que o PSC tenha vencido as eleições com 22%, a Esquerda Republicana ficou muito próxima, em segundo, com 21% das intenções de votos, enquanto o partido de Puigdemont obteve 12%.
Com o receio de que os resultados possam ser ainda piores numas futuras eleições, Francisco Ramón Villaplana Jiménez considera que o PSOE e os partidos catalães “estão condenados a entenderem-se para evitar uma repetição eleitoral que nenhum deseja”. “É por isso que as negociações estão a realizar-se de uma forma muito discreta, principalmente por parte do PSOE”, nota o especialista.
Não se querendo canibalizar e temendo um desaire eleitoral, a Esquerda Republicana Catalã e o Juntos pela Catalunha parecem estar dependentes do PSOE. Como escreve o El País, o PSOE pode igualmente responsabilizar aqueles dois partidos por uma investidura falhada de Pedro Sánchez — e isso pode ter efeitos ainda mais nefastos numa nova possível ida às urnas.
Mesmo assim, a situação pode não ser assim tão líquida. Alguns dirigentes socialistas ouvidos pelo El País lembram que o Juntos e a ERC não tomam decisões baseadas apenas na razão e na estratégia política, agindo de forma impulsiva, o que complica a formação de compromissos políticos. Para além disso, entre algumas fações dos independentistas, não existe o receio de umas novas eleições, recordando que mantêm uma base eleitoral forte na Catalunha.
Mais a norte, no País Basco, a situação também é delicada, mas menos dramática. O PNV e Bildu têm uma “rivalidade” e a “situação é complicada entre as duas formações políticas”, refere Francisco Ramón Villaplana Jiménez. Mesmo assim, os dois partidos, que já apoiaram o último governo de Pedro Sánchez, não deverão levantar grandes dificuldades para a aprovação uma investidura do socialista. O desenrolar do mandato é outra história.
A investidura de Feijóo deu tempo aos independentistas, mas será suficiente?
Os dois especialistas ouvidos pelo Observador coincidem na ideia de que a investidura falhada do líder do Partido Popular (PP), Alberto Núñez Feijóo, pode ter acabado por ajudar a criar as bases para uma aliança entre o PSOE e todas as forças independentistas. “Ofereceu-lhes um tempo muito valioso para avançar com tranquilidade nas negociações até agora”, indica Francisco Ramón Villaplana Jiménez.
“O PSOE tem mantido conversas com os partidos independentistas catalães desde, praticamente, o dia depois de se conhecerem os resultados eleitorais”, diz o professor universitário da Universidade de Granada, ao mesmo tempo que, sublinha Santiago Delgado Fernández, aquelas forças partidárias “empregaram aquele tempo para lançar mensagens radicais (como a amnistia e autodeterminação)”.
Ainda que os socialistas tenham inicialmente pedido ao Rei Felipe VI que “propusesse Sánchez para a investidura”, cedo mudaram a tática. “Com rapidez, entenderam que a melhor estratégia era deixar o candidato do PP bater-se com a realidade de que era incapaz de levar avante a sua investidura”, explica Santiago Delgado Fernández.
Enquanto os populares tentavam reunir apoios para uma investidura que parecia falhada desde o dia em que o Rei propôs o nome de Alberto Núñez Feijóo para formar governo, os socialistas ganhavam tempo para convencer os independentistas.
Um desses exemplo ocorreu em Bruxelas, quando, no início de setembro, a líder do Sumar, Yolanda Díaz, teve um “encontro frutífero” com o líder do Juntos pela Catalunha. “A democracia consiste no diálogo entre posições diferentes”, sublinharam os dois partidos na altura, para logo concordarem que é necessário “explorar as soluções democráticas do conflito político” que atualmente vigora na Catalunha.
Mesmo com meses de avanço, não é claro que Pedro Sánchez consiga ter sucesso na sua investidura, avançando com a amnistia e travando a fundo nas aspirações de um referendo. “Os independentistas terão de deixar algumas das suas grandes reivindicações pelo caminho. Os socialistas, pelo contrário, promoverão a necessidade dar um passo mais em frente por aquilo que denominam de ‘normalização política’ na Catalunha, através da aprovação, depois da investidura, da lei da amnistia”, conjetura Santiago Delgado Fernández.
“Vendo as coisas, as cedências dos socialistas virão do lado da amnistia. As dos independentistas concentrar-se-ão no adiamento do referendo”, prossegue o professor universitário. Só este caminho, frisa, assegura que os dois lados cheguem ao “único ponto de encontro possível”.