Flavia Micilotta, que é, desde dezembro, a diretora executiva da Eurosif, uma organização de promoção da sustentabilidade e do investimento socialmente responsável, quer os portugueses a pensar no tema. Na segunda-feira passada, tentou convencer investidores profissionais num evento promovido pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios, pela Caixagest e pela BCSD Portugal.

No dia seguinte, Micilotta subiu ao auditório da Euronext Lisbon para falar aos responsáveis de empresas emitentes, uma plateia que, segunda a diretora, é mais difícil de convencer. Minutos antes, o Observador falou com a especialista em investimentos sustentáveis.

Antes de mais, o que é o investimento socialmente responsável (ISR)?

O ISR é um movimento que começou há muitos anos. Estamos a falar de organizações religiosas que começaram nos EUA. Os Quakers começaram a levantar dúvidas sobre empresas que investiam em setores que não eram considerados éticos. Podemos dizer que o ISR foi conceptualizado como um movimento ético. Com o passar dos anos, este desejo de não investir em alguns setores passou, também, para a procura de ter um impacto social positivo. Hoje, a evolução levou também às questões ambientais. Com os eventos mais recentes, como a COP 21 [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015], o ambiente está a ganhar tração. Agora, os investidores não estão apenas satisfeitos com os seus investimentos serem éticos ou terem um impacto social positivo, mas querem promover soluções para as mudanças climáticas.

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Mas porque deverão preocupar-se?

O sistema económico em que vivemos tem a visão curta. Temos passado por vários ciclos de crises financeiras. Isto deixa os investidores a perguntar se poderemos ter algo mais sustentável. Deveremos procurar o lucro a qualquer custo? Só deveremos considerar os ganhos financeiros? Ou, talvez, com o colapso de empresas a que assistimos, começando com a Enron, em 2001, estamos potencialmente a não ver a maior parte da história, que é como as empresas conseguem gerar valor sustentável no longo prazo. É por isso que elementos sociais, ambientais e de governo societário estão a ganhar protagonismo.

Flavia Micilotta, à esquerda, foi convidada pela presidente da Euronext Lisbon, Isabel Ucha, para simbolicamente tocar o sino da bolsa na terça-feira.

O que faz a Eurosif?

A Eurosif é a organização europeia que promove o investimento responsável pela Europa. Representamos os nossos membros, que compõem uma rede direta de organizações espalhadas pela Europa, em Espanha, Itália, Reino Unido, França, Alemanha, Suécia, Áustria, Suíça…

E Portugal?

Ainda não. Talvez em breve.

Deveria haver uma organização portuguesa?

Daria uma grande ajuda a todos os que estiverem interessados em ISR. O que a Eurosif faz é promover os interesses dos seus membros ao nível europeu. Fazemo-lo essencialmente através da defesa de legislação e da sensibilização. A defesa de legislação é maioritariamente junto de reguladores europeus.

Podemos dizer que fazem lóbi?

Sim, podemos dizer. Somos conselheiros dos reguladores europeus quando precisam compreender o que é o ISR e quando precisam de incluir critérios ambientais e de governo das sociedades na legislação que aprovam.

Caixa lança primeiro fundo português de ISR

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A Caixagest, a sociedade gestora de fundos da Caixa Geral de Depósitos, está a preparar um fundo de investimento socialmente responsável, o primeiro produto do género gerido em Portugal. Será um fundo que combina obrigações e ações de empresas inseridas em índices compostos por companhias sustentáveis do ponto de vista ambiental, social e de governo. O objetivo é captar 30 milhões de euros, segundo a presidente da Caixagest, Filomena Oliveira, citada pelo Jornal de Negócios.

Depois do evento de ontem [segunda-feira], parece-lhe que os investidores profissionais portugueses estão interessados e recetivos aos ISR?

Sim, estão recetivos. O ISR e a responsabilidade social das empresas interessam sempre às pessoas. É um tópico interessante. Hoje, os consumidores querem saber o que compram, porque não devem comprar alguns produtos. Partir daqui até ao próximo passo, deixar as instituições financeiras florescer este tipo de investimentos, é outro assunto. Tenho esperança.

Hoje [terça-feira] a sua apresentação será diferente?

Será. A audiência não é a mesma. Ontem tivemos, essencialmente, investidores e fundos de pensões. Hoje, falaremos para empresas: gestores, diretores financeiros e responsáveis pela relação com os investidores. É interessante, porque os responsáveis pela relação com os investidores são a ponte entre a empresa e os diferentes investidores. Passam informação. Mas, historicamente, nunca acreditaram no ISR.

Porque diz isso?

Porque, tipicamente, os analistas com quem os responsáveis pela relação com os investidores falam são analistas puramente financeiros, como os das agências de notação de crédito. As perguntas que recebem são focadas em números. Os números dos lucros, não se preocupando com os ganhos triplos da revolução do ISR: pessoas, planeta e lucros. Foi assim que comecei a minha carreira. Depois de ser uma analista de ISR para uma agência – via o desempenho das empresas de acordo com critérios éticos, sociais e de governo –, fui para uma instituição financeira na qual trabalhei em responsabilidade social empresarial dentro de um gabinete de relações com investidores. É por isso que sei que tradicionalmente estes gabinetes não estão muito interessados no ISR.

BMO gere o melhor fundo

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Há 14 fundos de investimento socialmente responsável disponíveis aos aforradores portugueses, mas o F&C Responsible Global Equity é a melhor opção, segundo a última análise anual do Observador.

A BMO, uma unidade do Bank of Montreal, a sociedade gestora responsável pelo fundo, investe mais de metade da carteira nos Estados Unidos da América, em empresas como Apple, CVS Health e Mastercard. No último trimestre, os gestores contactaram diretamente 17 empresas para aumentarem as boas práticas ambientais.

Qual a proporção da gestão de ativos que tem preocupações de ISR?

A nível global, são 21 biliões de dólares norte-americanos [18 biliões de euros] em ativos sob gestão. Na Europa, são mais de 50% dos ativos sob gestão. Os investidores considerados são os que implementam estratégias de ISR na gestão de ativos. A Eurosif não define o que é o ISR; falamos sobre estratégias. Por exemplo, estratégias por exclusão: ter a certeza que não se inclui na carteira empresas que investem em setores como o do tabaco ou da energia nuclear. Depois temos a análise baseada em normas, que garante que as empresas na carteira não violam padrões internacionais, das Nações Unidas ou da OCDE, por exemplo. Temos também a integração ASG: basicamente, contam-se todas as empresas do universo, mas apenas se selecionam as que têm as melhores classificações ambientais, sociais e de governo societário.

É preferível um fundo de ISR inclusivo, como o Caixagest Energias Renováveis, que investe em projetos de energias renováveis, a outro, como o fundo de pensões da Noruega, que exclui empresas de acordo com as recomendações de um conselho de ética?

São duas abordagens válidas. O que a Eurosif defende é que o ISR se torne convencional. Todos os ativos sob gestão deveriam ter critérios mínimos de ISR.

Então não têm preferência?

Não temos.

Segurança Social sem critérios de ISR

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Tudo indica que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, uma carteira pública de investimento que procura acumular o equivalente a dois anos de pensões do sistema de segurança social, não segue critérios de investimento socialmente responsável. O relatório do fundo de 2014, publicado em outubro passado, revela aplicações em ações de empresas excluídas pelo fundo de pensões do governo norueguês:

  • Airbus: produção de armas nuclares;
  • British American Tobacco: produção de tabaco;
  • Imperial Tobacco: produção de tabaco;
  • Rio Tinto: danos ambientais graves;
  • Vedanta Resources: danos ambientais gravem.

Em Portugal temos o FEFSS [Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social], que é uma carteira pública para garantir pensões futuras, que, tudo indica, não segue critérios de ISR. No seu património encontram-se títulos como a Airbus, que produz armamento nuclear, e a Rio Tinto, que provoca destruição ambiental grave, de acordo com a lista de exclusões do fundo norueguês. O Governo não deveria dar o exemplo?

O Governo pode ter um papel muito importante. Acredito no poder da regulação e da legislação. Para coisas como essa, é importante transmitir a mensagem certa. Os países mais avançados são os nórdicos, porque, há muito tempo, decidiram ao nível governamental incluir estratégias como a análise baseada em normas. Isso criou uma onda positiva que influenciou os gestores e os detentores de ativos. Ajudaria se os políticos provassem o que dizem com ações e decidissem aplicar os capitais de um certo modo. De certeza que encorajaria o mercado a ir no sentido certo.

Que podemos fazer, como portugueses, para levar o Governo nesse sentido?

Se a revolução do ISR não vem de cima, então tem de vir de baixo. É para isso que as organizações nacionais que participam na Eurosif trabalham. Tentam fazer lóbi junto dos governos para serem mais orientados para o ISR. Isso funciona em países como a França, que agora está na linha da frente do ISR, onde o Governo lançou o seu próprio selo de ISR [para produtos financeiros], depois de várias entidades privadas terem desenvolvidos os seus, e criou nova legislação, como a da transição energética, que obriga todos os investidores a reportar como integram critérios ambientais, sociais e de governo das sociedades nas suas carteiras e o impacto que as alterações climáticas têm também nas suas carteiras.

Do ponto de vista do investidor, pode haver um problema com o ISR: retornos inferiores. No ano passado, os professores Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton, da London Business School, escreveram que “investimentos em ações, indústrias e países sem ética têm tendido a ter desempenhos superiores”.

Não concordo.

Investidores não ganham menos?

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Embora haja estudos de longo prazo que mostram que as ações “pecaminosas” rendem mais, como o Observador relatou em julho passado, Flavia Micilotta baseia-se noutros estudos que comparam fundos de ISR com os restantes fundos. Um dos que usa como referência foi publicado em 2012 pelo RBC Global Asset Management. Depois de compilarem décadas de estudos na área, os autores concluem que “o investimento socialmente responsável não resulta em rentabilidades mais baixas das aplicações”.

Há outros estudos semelhantes que apontam para um rendimento inferior em três pontos percentuais por ano em análises de mais de 80 anos.

Tenho estudos que dizem o oposto. O que temos visto são estudos que comparam fundos de ISR com fundos que não o são. Os fundos de ISR não têm desempenhos melhores, mas estão em linha. Inicialmente, os investidores estavam inclinados a pensar que o ISR os levaria a pensar menos em lucros. Mas não é verdade.

Então diz que os lucros serão equivalentes?

Estou a dizer que o que os estudos mais recentes mostram é que, quando comparamos fundos, o desempenho é igual ou próximo. Estou mais inclinada a acreditar, como mostram outros estudos, que os fundos de ISR têm desempenhos superiores. Depois da crise financeira, os investidores ficaram mais interessados em investimentos sustentáveis.

Os preços dos ativos socialmente responsáveis estão a subir porque há mais procura?

Sim, mas também porque são menos arriscados. De facto, atraem investidores mais focados no longo prazo.

Resumindo, os ISR têm o mesmo desempenho e menos risco.

Estamos a falar no longo prazo.