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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

Líderes da missão dos Emirados a Marte: "Se me dissessem há 7 anos que estaríamos ao lado da China e EUA não acreditaria"

Emirados estão a caminho de Marte para celebrar 50 anos de vida. Líderes da missão querem impulsionar a economia com ciência "única" e inspirar a juventude a não escolher "grupos errados".

Os Emirados Árabes Unidos estão a preparar uma festa de aniversário de outro mundo. Literalmente. Após 14 anos dedicado a nada mais senão ao desenvolvimento de satélites para observação do planeta Terra, lançaram na madrugada de segunda-feira uma sonda que deve chegar a Marte mesmo a tempo de celebrar o meio século que levam de independência do Reino Unido.

Pela frente há, no entanto, uma viagem de 493,5 milhões de quilómetros a alta velocidade: 34 mil quilómetros por hora. De resto, os Emirados não escondem que esta missão serve precisamente para acelerar a fundo a economia do país através da Ciência e Tecnologia. E todas as esperanças estão na juventude árabe, sobretudo nas mulheres, que representam 80% da equipa científica da missão.

Dois desses jovens são Omran Sharaf, diretor do projeto da missão a Marte, e Sarah Amiri, ministra das Ciências Avançadas e gestora do projeto. Ele com 36 anos, ela com 33, nenhum era vivo quando os Emirados Árabes Unidos se tornaram um país independente, em 1971. Mas é nas mãos deles que está a missão a Marte, a mais arrojada desta nação. Medo? Muito, confessam eles em entrevista ao Observador. Tanto medo quanto entusiasmo.

O que pretendem os Emirados alcançar com esta missão?
Omran Sharaf (OS) — Há uma série de objetivos que foram delineados pelo governo dos Emirados Árabes Unidos. O governo está a procurar uma grande mudança na mentalidade dos nossos jovens, quer encorajá-los a procurar carreiras nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Além disso, o governo também quer uma mudança disruptiva a acontecer ao longo de toda a missão em vários setores — desde o académico até ao industrial, económico e por aí adiante — para apoiar a criação de uma economia competitiva, inovadora e criativa. Isto é sobre o futuro da economia dos Emirados, sobre a criação de capacidade para ter um desenvolvimento sustentável e progresso.

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Omran Sharaf estudou engenharia eletrotécnica e políticas de ciência e tecnologia nos Estados Unidos e da Coreia do Sul

Siddharth Siva

E a data da chegada da missão não podia ser mais simbólica.
OS — Antes de 2 de dezembro de 2021 [data do 50º aniversário da independência dos Emirados Árabes Unidos do Reino Unido]. É uma mensagem para a juventude dos Emirados, mas também para toda a juventude árabe e por isso é que a sonda foi chamada “Hope” [em português, “Esperança”].

Que mensagem é essa?
OS — É uma mensagem para os jovens do mundo árabe de que, se um país tão jovem como os Emirados consegue alcançar o que alcançou em menos de 50 anos, eles podem concretizar muito mais. Dado o percurso histórico, a contribuição que os árabes deram no passado no que toca a produzir conhecimento, a contribuir para a humanidade e a construir a região, então pode fazer-se muito mais hoje em dia. É um exemplo que o governo dos Emirados quer dar aos outros países da região.

O que vão fazer de inovador?
OS — Há outro objetivo que é inventar um novo modelo de abordagem para realizar instrumentos espaciais e máquinas científicas. Isto não é sobre o espaço, é sobre o que está a acontecer aqui na Terra também. Tudo isto com um orçamento limitado e delineado em 2014.

Qual foi o orçamento?
OS — Vai ser anunciado mais tarde, mas é muito limitado. Basicamente a ideia sempre foi criar uma abordagem mais eficiente em termos de custos na realização de missões desta natureza; e concretizá-la numa janela temporal muito rigorosa. Tivemos seis anos para concretizar esta missão quando outros países tiveram dez a doze anos.

Já disseram que, nesta missão, a ciência tinha de ser “única”. O que significa isso?
OS — Que não podia ser algo que já tivesse sido feita antes. Tem de ser algo que traga novo conhecimento para a humanidade e que possa ser partilhada com o resto do mundo de forma transparente.

Pode elaborar?
OS — Uma das coisas que ficou delineada logo desde o início é que nós precisamente de construir esta missão, não comprá-la. Podemos aprender com os outros, podemos colaborar com os outros da mesma forma que já fizemos no passado — aliás, é também por isso que conseguimos concretizar a missão numa janela temporal tão apertada e com um orçamento tão limitado.

Quando falamos de ciência, quais são os objetivos?
Sarah Amiri (SA) — Há três. Um é mapear completamente o sistema meteorológico de Marte durante um ano marciano, que equivale a dois anos terrestres. Observamos todas as regiões de Marte durante todos os momentos do dia para compreender o que acontece do dia para a noite no que toca a mudanças no ciclo das poeiras, ciclo da água, a temperatura da superfície e da atmosfera; e como é que isso acontece de estação para estação e em cada uma delas.

O segundo objetivo é estudar a exosfera de Marte e focar principalmente na extensão do hidrogénio e oxigénio em direção ao espaço. E isso leva-nos ao nosso terceiro objetivo, que é criar uma ligação melhor entre as condições na baixa atmosfera de Marte e o que acontece às taxas de escape atmosférico. Isto dá-nos uma resposta sobre o que aconteceu à atmosfera de Marte e que papel teve o sistema atmosférico do planeta na perda de hidrogénio e oxigénio para o espaço.

Sarah bint Yousef Al Amiri é ministra das Ciências Avançadas desde 2017.

Siddharth Siva

Mas o que torna esta missão diferente de tudo o que os outros países já fizeram?
OS — É diferente na forma como foi executada e realizada. Este é provavelmente o primeiro caso em que se vê um país com esta abordagem de colaboração internacional.

Como assim?
OS — Normalmente, e especialmente quando se trata da sua primeira missão de exploração espacial, os países tendem a focar-se na capacidade interna e a construir as coisas de raiz. Connosco, o governo não quis esse tipo de abordagem. Quis que fossemos proativos, que colaborássemos e aprendêssemos com outros; e que tivéssemos contribuições significativas através de colaborações. Basicamente, em vez de construirmos tudo de raiz, procurámos criar colaborações por todo o mundo.

No que é que se traduziram essas colaborações?
OS — Em vez de construirmos os laboratórios completos de que precisávamos para testar os nossos veículos espaciais, arrendávamo-los noutras partes do mundo para fazer os testes. Em vez de construir uma rede completa de antenas de exploração do espaço profundo para esta missão, decidimos usar redes que já existiam e ligá-las às nossas salas de controlo no Dubai. Isto é sobre ser eficiente e eficaz.

Então não estamos perante uma demonstração tecnológica?
OS — Não, isto é sobre ciência. É uma missão científica com objetivos científicos que estão a ser perseguidos através de normas e processos específicos.

SA — Para alcançarmos a tal natureza “única” que queríamos para esta missão tivemos de explorar os corpos de conhecimento que há por aí e que lançaram perguntas científicas, mas não havia missões espaciais para encontrar as respostas. Em ciência, quanto mais se explora um tópico em particular, mais questões surgem e mais investigações são necessárias. Cada resposta a uma pergunta abre uma série de outras questões e investigações que precisam de ser concretizadas. No caso de Marte, foi claro para nós que havia uma lacuna no conhecimento do ciclo completo dos sistemas meteorológicos.

E quanto ao escape atmosférico? Esse é um tema que já foi abordado no passado.
SA — Essas missões exploraram o papel do espaço em esvaziar a atmosfera de Marte, não olharam particularmente para o papel da baixa atmosfera marciana e do sistema meteorológico na perda de hidrogénio e oxigénio na exosfera e no ritmo a que isso acontece. Esta é uma lacuna no conhecimento.

Como é que isso se faz?
SA — Usamos três instrumentos que trabalham em conjunto. Observamos a baixa atmosfera com um espectómetro infravermelho e com um sensor de imagem que também tem frequências infravermelhas. Depois olhamos para a alta atmosfera com um um espectómetro ultravioleta. Como queremos relacionar os dados da baixa atmosfera com a alta, era importante que todos os instrumentos estivessem no mesmo painel para poderem fazer estas observações ao longo da mesma janela temporal. Isso facilita a correlação entre os dados. Mas fazemos isto de forma diferente do que foi feito noutras missões.

A sonda "Hope" passa por alguns testes no Dubai.

Siddharth Siva

Em que medida?
SA — As outras missões costumam observar a totalidade de Marte de uma vez só. Outra abordagem é observar um lado do planeta que se veria em vários momentos do dia, mas isso só nos dá dados do lado em análise. A inovação da sonda dos Emirados é que permite olhar para o planeta quando se está a 20 mil quilómetros a distância — esse é o ponto mais próximo — como se não se movesse em relação à sonda, mas em momentos diferentes do dia.

É geoestacionário.
SA — Nessa fase, é. Depois vai-se afastando de Marte e, quanto mais se afasta, o planeta parece girar cada vez mais rápido em relação à sonda. Isso permite obter informações de vários momentos do dia em várias localizações. Faz-se isto três vezes ao longo da semana, o que permite mapear completamente todas as localizações de Marte em todos os momentos do dia. A cada dez dias temos uma cobertura total do planeta em todas as localizações e em todas as alturas do dia. Faz-se isso ao longo de todo o dia para cobrir todas as estações de Marte.

Isso pode ser-nos útil na Terra?
SA — Sim. Compreender a perda de atmosfera e as alterações climáticas em Marte, que é um familiar próximo o suficiente da Terra, permite-nos saber mais sobre como é que esses sistemas planetários evoluem ao longo do tempo.

Há pouco disseram que o nome da sonda é uma mensagem para todos os jovens árabes, que agora estão de olho em vós. Não era esse um peso nos ombros que dispensavam perante uma missão com tantos desafios científicos e tecnológicos?
OS — Não porque esse tem sido parte do objetivo desde o primeiro dia. Mesmo antes de o nome da missão ser anunciado, o governo disse que queriam inspirar a nossa juventude através dela. Que queria mudar mentalidades para recordá-los que no passado, quando costumávamos cria conhecimento na região, quando costumávamos conviver mais com pessoas com experiências e crenças diferentes, estávamos na verdade a desenvolver mais a região. A partir do momento em que paramos de aceitar a diferença, paramos de produzir conhecimento e só andamos para trás. Estamos a falar de uma região que tem muitos jovens, com potencial e capacidade. Infelizmente, nos últimos anos muitos deles têm saído dela, ora porque não têm oportunidades suficientes, ora porque são forçados a sair. Isso não é bom para nós e não ajuda a estabilizar a região. Ainda por cima, muitos destes jovens estão a juntar-se aos grupos errados e a agir da forma errada. Por isso queremos mostrar, através desta missão, como os países podem erguer as suas nações e projetar os seus futuros em investir os recursos e conhecimentos da forma correta através da ciência e da tecnologia.

A própria equipa da missão é muito jovem. Qual é a vantagem desse sangue novo?
OS — Com a juventude vem a criatividade, com a juventude vem a inovação. E combinando toda essa juventude com a experiência cria-se algo único, algo mais inteligente e capaz. Algo novo.

SA — É que nós somos uma nação jovem. Para nós foi um momento poderoso quando a liderança dos Emirados Árabes Unidos confiou uma missão tão complexa, com os riscos que tem associados, a uma equipa jovem. Para o governo nós estamos num percurso de desenvolvimento, especialmente no que toca à Ciência e Tecnologia. A única forma de acelerar isso é fazer parte do processo. Trabalhamos com especialistas neste campo, trabalhamos com pessoas com décadas de experiência em desenhar estas missões. E isso era necessário porque nunca tínhamos feito nada tão complexo, mas tem sido uma oportunidade de aprendizagem enorme para toda a gente.

Esse trabalho com gente mais experiente traz desafios, não?
OS — Os engenheiros que conhecemos e que tinham décadas de experiência em construir estes instrumentos queriam algo fresco e novo, queriam uma nova abordagem. Combinar essas novas ideias com a experiência resultou numa nova forma de fazer coisas.

SA — Isso e o facto de terem histórias diferentes das nossas. Trabalhámos com pessoas que tinham mais anos de experiência do que eu tenho de vida. Perguntei a um desses engenheiros porque é que ele nos levava a sério. E ele respondeu: “Vocês têm uma perspetiva nova e com uma razão diferente de fazer coisas”. Isto deu uma oportunidade a toda a gente que trabalhar com pessoas com quem tipicamente não trabalhamos e de trabalhar numa missão que é apenas o enviar de uma máquina para Marte. Tem sido uma experiência única para toda a gente.

Tudo isto num país que até agora não tinha uma divisão para exploração espacial.
SA — Sim, é um dos impactos que a missão já está a ter nos Emirados Árabes Unidos. A missão permitiu desenvolver o conjunto de habilidades da equipa e o aumento do apetite por risco. Isto é cinco vezes mais complexo do que as missões de exploração da Terra através de satélites em que temos participado. Além disso, temos programas educacionais no coração desta missão por causa dos objetivos para inspirar a juventude no país. Esses programas permitem inspirar os estudantes a integrar em cursos superiores, estudar as ciências naturais e dar bolsas de estudo nesse sentido.

Quão nervosos estão?
SA — Muitos nervosos. Tenho sentimentos contraditórios neste momento. É um tempo incrível para estar nesta missão, ao fim de seis anos de trabalho. Sinto Apreensão, nervosismo…

OS — …entusiasmo, mas ao mesmo tempo aterrorizados!

Lançamento da missão dos Emirados para Marte.

Marte não é um lugar fácil. O que pode correr mal e como é que se estão a preparar para isso?
OS — Há muita coisa que pode correr mal. Um pequeno erro pode condenar o trabalho de seis anos, a missão fica fracassada. Se se vai demasiado rápido passa-se Marte, se se vai demasiado devagar despenhamo-nos nele. Depois da viagem até lá, nos últimos 30 minutos a sonda precisa de estar no lugar certo, à velocidade certa no tempo certo. Tudo isto é desafiante. Até o anúncio de uma descoberta — que é uma exigência do governo — nos deixa nervosos!

Falaram sobre formatar a economia do país em função das ciências e tecnologia. Podia ser a biologia, a geologia ou qualquer outra área. Porque é que o espaço ocupa um lugar tão central nesses planos?
OS — O interesse na exploração espacial é que um tipo de setor que requer que pessoas de diferentes áreas trabalhem juntas para concretizar uma missão. Precisamos de engenheiros eletrotécnicos, engenheiros mecânicos, cientistas, físicos, matemáticos… Todos a trabalharem juntos. Se falarmos de produzir capacidades em várias disciplinas, o espaço é uma das melhores áreas para isso.

Outro motivo é que o espaço inspira as pessoas e traz um grande nível de desafio para as equipas. Os protocolos nos trabalhos espaciais são os melhores: temos os protocolos comerciais, os industriais e depois os espaciais. Por isso, desenvolver as capacidades dentro da área espacial também cria uma mensagem do nível de recursos e capacidade que os Emirados têm no que toca à nossa filosofia e indústria. Se falamos de uma economia avançada, o espaço faz sentido.

SA — Um dos nossos principais objetivos era aumentar a capacidade dentro do país. Isto não é sobre estar sentada numa cadeira à secretária a ler documentos, é sobre concretizar as coisas e experimentar essas coisas. E o espaço permite isso mesmo: responsabilidade e desenvolver uma série de ferramentas.

Esta missão governamental chega numa altura em que a exploração espacial tem estado cada vez mais nas mãos de empresas privadas, como a SpaceX ou a Blue Origin. De quem é o futuro agora?
SA — O setor privada e as empresas de que falou são financiadas pelo governo através de programas específicos. Tipicamente, tudo o que envolve um alto risco em ciência e tecnologia precisa de algum tipo de apoio governamental ou então não se torna económico. É assim que se torna a inovação uma coisa que não é apenas sobre crescimento incremental — se a exploração espacial ficasse na mão dos privados era isso que ia acontecer —, mas sobre grandes passos de crescimento e desenvolvimento.

Partem para Marte numa altura em que a China e os Estados Unidos se preparam para fazer o mesmo. É uma corrida, isto a que estamos a assistir?
SA — Uma corrida? Não, não é uma corrida. Sempre tivemos os nossos próprios objetivos para desenvolver esta missão e agora não estamos no mesmo sítio em que estávamos há seis anos quando a preparação da sonda Hope começou, em termos de capacidades e inspiração. Se me perguntasse há sete ou oito anos se acreditava que os Emirados estariam ao lado da China e Estados Unidos a caminho de Marte, eu diria que provavelmente não. Mas estou muito feliz que tenhamos liderança que esteja a pensar mais à frente.

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