“Quem disser que vai ser ministro, está a mentir. E quem aparecer no jornal, arrisca-se a ficar de fora.” Por estes dias, estas são as duas ideias mais repetidas a partir do núcleo duro de Luís Montenegro, e as duas obedecem ao padrão de comportamento do líder social-democrata e (presumivelmente) futuro primeiro-ministro: só ele sabe quem fará parte do XXIV Governo Constitucional e qualquer fuga de informação que venha a existir será sancionada. “Quem fala não sabe; quem sabe não fala”, resume ao Observador fonte social-democrata.
Há uma nota a reter: desde que é líder do PSD, Montenegro tem habituado os seus mais próximos a ouvir muito mas a decidir praticamente sozinho. Partilha muita informação, exige lealdade total e irrita-se com fugas de informação. Tudo o que possa ser avançado sobre o futuro governo resulta, por isso, das cumplicidades que foi criando e da leitura dos poucos sinais que o próprio foi transmitindo ao longo dos últimos meses e nas últimas semanas.
Montenegro tem feito sondagens informais, terá percebido eventuais disponibilidades e indisponibilidades, pediu algumas referências a gente com responsabilidade no partido – e fora dele –, mas, garantem várias fontes envolvidas no processo, ainda ninguém foi convidado para nada – até ser formalmente indigitado como primeiro-ministro, algo que só acontecerá depois de quarta-feira, o social-democrata nada fará nesse sentido.
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Fundamentalmente, por duas razões: além de querer evitar fugas de informação, e essa é a razão número um, Montenegro quer fazer valer o seu lado institucionalista. Os votos da emigração só estarão contados na quarta-feira, depois disso a palavra pertencerá a Marcelo Rebelo de Sousa e só aí o social-democrata terá a iniciativa de formar governo – e o Presidente da República será o primeiro a saber a composição do Executivo. Dito isto, não há ninguém no núcleo duro de Luís Montenegro que acredite que os votos da emigração venham a alterar coisa alguma ou que passe pela cabeça do Presidente da República indigitar outra pessoa que não o próprio Montenegro; mas todas as cautelas são poucas.
Está, por isso, tudo em aberto nessa frente. Coisa diferente é reabrir dossiês. Ao contrário do que sugeriu este domingo Luís Marques Mendes, insuspeito de nutrir qualquer antipatia por Luís Montenegro, a hipótese de incluir a Iniciativa Liberal no futuro governo deve estar mesmo descartada. Esta era, pelo menos, a convicção da generalidade dos membros da direção do PSD até à audiência de Luís Montenegro com Marcelo Rebelo de Sousa. Aos olhos da direção do PSD, tal como escreveu o Observador logo a 11 de março, só faria sentido dar pastas ministeriais a Rui Rocha se AD e IL tivessem, juntos, deputados suficientes para dispensar o Chega – algo que não se veio a verificar.
Além disso, deixaria o parceiro Nuno Melo numa situação delicada. Mais a mais, prolongar esse acordo para as europeias, como foi sugerido, seria impraticável – PSD e CDS já têm um acordo, os democratas-cristãos terão lugar a um eurodeputado, a IL teria de ter, pelo menos, direito a duas escolhas, e só estariam reservados quatro eurodeputados ao PSD, algo que é manifestamente pouco para as aspirações de Montenegro. Acresce ainda que a IL já escolheu um candidato para as europeias – João Cotrim Figueiredo – e não iria desconvidá-lo, naturalmente. Por tudo isto, esta hipótese é considerada “muito improvável” por elementos da direção do PSD.
A única certeza que vai sendo repetida por destacados dirigentes do PSD é que terá de ser um “governo de combate”, com mais políticos experimentados e menos tecnocratas. Montenegro vinha dando provas de querer alargar a equipa e incluir nela muitos independentes – foi isso que fez, por exemplo, nas listas de candidatos a deputados. Mas a perceção que existe é de que não é tempo para grandes experiências ou improvisos; quem integrar o governo, tem de estar preparado para o fazer desde o primeiro minuto e aguentar o impacto – do setor que tutelar, mas também da oposição à esquerda e à direita.
As escolhas (quase) certas de Montenegro
Apesar de todas as incógnitas, há nomes que dificilmente deixarão de fazer parte do próximo Governo. À cabeça, o de Hugo Soares, secretário-geral do PSD e braço direito de Luís Montenegro, que será uma peça fundamental no futuro Executivo. Atendendo à frágil arquitetura parlamentar que resultou das eleições legislativas de 10 de março, a Assembleia da República assumirá uma grande centralidade na próxima legislatura. Hugo Soares tem experiência acumulada – foi vice-presidente de Luís Montenegro na bancada parlamentar e sucedeu-lhe no cargo, ainda que por pouco tempo – foi afastado por Rui Rio. Na equipa de Luís Montenegro poderá ter o perfil certo para ser ministro dos Assuntos Parlamentares.
A mesma lógica vale para António Leitão Amaro, que terá seguramente lugar no próximo governo. O vice-presidente do PSD e antigo secretário de Estado da Administração Local assinou ou ajudou a assinar algumas das propostas mais relevantes dos sociais-democratas enquanto partido da oposição, na habitação, na reforma fiscal, na proposta de revisão constitucional e numa parte do programa emergência social. Teve também uma peça fundamental no desenho do programa eleitoral do PSD e deu a cara várias vezes pela defesa das ideias do partido. Tem transversalidade suficiente para ser ministro da Presidência.
Joaquim Miranda Sarmento é apontado como provável ministro das Finanças. Apesar de ter chegado à primeira liga como o “Centeno de Rui Rio”, o atual líder parlamentar do PSD colabora desde o início com Luís Montenegro, tendo sido o coordenador do programa eleitoral com que o presumível futuro primeiro-ministro se candidatou às diretas contra Jorge Moreira da Silva.
Depois disso, foi escolhido para presidir à bancada de deputados e teve uma papel determinante no desenho do programa eleitoral da Aliança Democrática – de recordar que Miranda Sarmento foi ainda assessor económico no segundo mandato presidencial de Aníbal Cavaco Silva, figura que exerce uma enorme influência sobre Montenegro. O nome de Paulo Macedo, que chegou a ser avançado na última semana, não terá o acolhimento de Montenegro.
Maiores dúvidas recaem sobre Paulo Rangel, primeiro vice-presidente do partido. Não que o ainda eurodeputado do PSD esteja descartado por Montenegro. Pelo contrário: Rangel está a ser apontado como possível escolha para comissário europeu – tese que foi ganhando força ao longo da campanha eleitoral. Rangel é reconhecido pelos pares na Europa, é um nome incontornável no Partido Popular Europeu e poderia ambicionar vir a ser até ser vice-presidente da Comissão Europeia. Em alternativa, pode ser opção para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, rumor que há muito ia correndo entre os responsáveis sociais-democratas. Só depois de Luís Montenegro e Paulo Rangel conversarem é que será possível definir que caminho trilharão ambos – e essa conversa ainda não terá acontecido.
Miguel Pinto Luz também deverá fazer parte do futuro Executivo. Nos últimos dias, o vice-presidente do PSD, que foi secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações no segundo e curtíssimo governo de Pedro Passos Coelho, tem sido apontado com insistência como futuro líder parlamentar social-democrata. No entanto, pelos motivos acima referidos – a vida parlamentar será central, é preciso experiência, agilidade e boas relações com todos os partidos –, Pinto Luz, que nunca foi deputado, não preencherá, à primeira vista, estes critérios.
O mais certo, por isso, é que o antigo número dois de Carlos Carreiras na Câmara Municipal de Cascais venha mesmo a integrar o Executivo da AD. Atendendo as pastas que foi assumindo em nome do PSD – foi ele o interlocutor nos processos do novo aeroporto ou da TAP, por exemplo – pode ser uma escolha para a pasta das Infraestruturas.
Há ainda o caso de Nuno Melo, que deverá, ao que tudo indica, ocupar mesmo um cargo ministerial. O líder do CDS tem sido apontado para a pasta da Defesa Nacional, mas importa recordar que o democrata-cristão tem aproveitado o lugar de eurodeputado para dar cartas na área da Agricultura. Além disso, seria uma forma de agarrar um tema que diz muito ao eleitorado do CDS e que poderia permitir ao partido reconciliar-se com bases importantes.
Pedro Reis, o antigo presidente da AICEP que Montenegro foi recuperar para ser coordenador do Movimento Acreditar, é apontado com insistência para a pasta da Economia. Depois, existem determinadas áreas onde parecem existir duas ou três opções em cima da mesa. A Saúde é uma delas: Luís Montenegro foi buscar Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos, como cabeça de lista da Aliança Democrática pelo círculo do Porto. Não seria pois de estranhar que fosse ele o escolhido para o Ministério, ainda que Ana Paula Martins, ex-presidente do conselho de administração do Hospital Santa Maria, antiga bastonária dos Farmacêuticos e terceira na lista de candidatos a deputados por Lisboa, tenha dado nas vistas e se afigure como uma possível escolha sólida.
De resto, algumas das escolhas para o Governo (e para o Conselho Estratégico Nacional do PSD, o laboratório do partido) poderão ter reflexo na futura composição do Governo. Raquel Brízida Castro, subdiretora da Faculdade de Direito de Lisboa, é coordenadora do CEN para a Justiça e pode assumir algum papel no futuro executivo. Rita Alarcão Júdice, coordena a área da Habitação e foi cabeça de lista por Coimbra.
Alexandre Homem Cristo deverá ter um lugar na Educação – ainda que possa não ter ainda a experiência política necessária para ser ministro. Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia do Porto (FEP), integrou a equipa coordenada por Leitão Amaro que preparou o programa de redução de carga fiscal e pode vir a ter uma participação nas Finanças.
Existem outros elementos da direção do PSD e do núcleo mais restrito de Luís Montenegro que, de acordo com os sinais que foram dando, deverão ficar fora de um futuro Executivo, como é o caso de Pedro Duarte, presidente do Conselho Estratégico Nacional do PSD, que, no passado, já deu sinais de querer ficar fora do executivo. Em entrevista ao Observador, José Matos Correia, antigo deputado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD, que, pela experiência que tem, poderia ser considerado para o Ministério da Justiça ou da Administração Interna, também já se autoexcluiu.