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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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NBC: "Quero ser um segundo Luther King na luta pela igualdade, pela justiça e pela compreensão mútua"

Finalista do Festival da Canção e o mais votado da segunda semifinal, viajou com o Observador por Torres Vedras. Cantou "Igual a Ti", "Sobe, Sobe, Balão Sobe" e Bob Marley e está confiante.

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NBC cresceu no concelho de Torres Vedras e foi aí que ganhou o gosto pela música. Tudo começou na escola, a ouvir Michael Jackson e a cantar Bob Marley. O rap entrou-lhe na dieta musical sobretudo através do irmão, Black Mastah, com quem formou o grupo Filhos D1 Deus Menor ainda nos anos 1990, mas o hip-hop foi apenas o ponto de partida: “Uma pessoa que ouve fado, música de Cabo Verde e de São Tomé, músicas das Antilhas, música britânica e norte-americana — por exemplo blues — não pode fazer só rap”, diz hoje.

Vencedor da segunda semifinal do Festival da Canção — dos quatro concorrentes apurados foi o mais votado pelo público e o segundo mais votado pelo júri (depois de Surma) –, o cantor e compositor que tem como nome de batismo Timóteo Deus Santos viajou à boleia do Observador precisamente pelo concelho de Torres Vedras, onde ainda vive, na véspera de rumar a Portimão.

Nesta entrevista sobre rodas (‘carpool’) que antecede a final do Festival da Canção, que se realiza este sábado, 2 de março, NBC falou do significado de uma canção que tem “questões políticas”, da importância que teve para si o convite da RTP para compor (“foi quase como saber a notícia do nascimento de um filho”), da vontade de que as pessoas conheçam o trabalho musical que tem “vindo a fazer” desde a década de 1990, do “sentimento” que tenta transmitir “a toda a gente” quando canta e do mediatismo de alguns concorrentes como Conan Osiris e Surma.

Revelou ainda que a sua máscara de Carnaval “clássica” é “a de chinesa” — é com ela que costuma ir ao Carnaval de Torres –, quis lembrar que Salvador Sobral “não ganhou por acaso”, defendeu o primado da qualidade musical sobre outros artifícios e apontou: “Quero ser um segundo Luther King na luta pela igualdade, pela justiça e pela compreensão mútua”.

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[Veja aqui um ‘best of’ em vídeo da entrevista ‘carpool’ de NBC ao Observador:]

“Foi quase como saber a notícia do nascimento de um filho”

Escrever um tema como estes para o Festival da Canção foi instintivo? Fazia sentido abordar este tema da igualdade até por questões de atualidade?
Foi uma coincidência. É um sentimento que já está dentro de mim há algum tempo. Escrevi o tema antes do que se passou no Bairro da Jamaica, por exemplo. O facto de aquilo ter acontecido foi uma consequência de percebermos que alguma coisa está errada, creio. Mas falar sobre os problemas e os erros que vão acontecendo na sociedade é uma coisa que faço desde sempre. Para mim, é óbvio e claro que se não falarmos desses problemas com um sentido apaziguador é difícil conseguirmos chegar a um consenso e a um bom senso.

Temos de ter bom senso de compreender que em nenhum tipo de luta existe um lado sem culpas, os dois lados têm responsabilidades por uma luta estar a acontecer. O que temos é de nos colocar numa mesa e dizer: eu tenho estas coisas em mim para dizer, estas coisas que sinto que não estão bem. É preciso falar sobre elas para que a outra pessoa nos compreenda. Mesmo que o outro não nos compreenda corretamente, a única forma de mudar o mundo ou explicar as coisas será sempre através de uma boa argumentação. Acredito muito na boa argumentação, sempre acreditei desde criança, talvez pela forma como os meus pais falavam em casa. Não me lembro de ouvir os meus pais discutir, exatamente porque o meu pai tinha uma abordagem muito interessante aos assuntos, gostava sempre de explicar o seu ponto de vista de uma forma educada.

"Falamos de canções de amor mas esquecemo-nos de falar do que é também importante para nós enquanto seres humanos, que é aquilo que somos uns com os outros além das relações amorosas entre duas pessoas."

Hoje isso é menos comum?
O que vejo hoje em dia é que cada um faz-se valer de si e dos seus argumentos e quer lutar tendo isso como base, mas depois não quer ouvir os outros. Esse para mim é um dos grandes males da nossa sociedade. Este tema “Igual a Ti” estar no Festival da Canção pode vir de alguma forma colmatar um espaço que está em aberto: falamos de canções de amor mas esquecemo-nos de falar do que é também importante para nós enquanto seres humanos, que é aquilo que somos uns com os outros além das relações amorosas entre duas pessoas. As pessoas às vezes dizem “amo esta pessoa” ou “amo aquela” mas depois nem sempre é assim.

Onde é que estava quando recebeu o convite para compor para o Festival da Canção?
Estava em casa e a ideia de que isso pudesse ser uma realidade estava distante. Na altura já estava a construir o meu próximo disco, andava a escrever e compor muito. A minha manager ligou-me a dizer que o Festival da Canção tinha-me convidado a participar como compositor. Para mim foi muito mais relevante terem-me convidado como compositor do que o teria sido se tivesse sido convidado como cantor. O convite significa que o trabalho que fiz ao longo de todos estes anos é tido em conta. Em certas alturas até podemos achar que ninguém vê aquilo que fazemos, mas afinal as pessoas veem — e ao verem, valorizam.

Foi quase como se tivesse sabido da notícia do nascimento de um filho. É um bocado isso porque o Festival da Canção é mesmo muito importante para mim. A “canção” é uma coisa que para mim tem muito peso e o festival sempre teve muito peso. Receber a notícia fez-me lembrar aquela expressão do Neil Armstrong: “Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade”. O que é que isso quer dizer? Quer dizer que tenho aqui uma plataforma gigante e mundial para dizer alguma coisa.

Isso impõe logo uma grande responsabilidade, não?
Claro. O que é que eu vou fazer com esta plataforma, com este espaço? Vou brincar com ele ou vou fazer jus ao trabalho que fiz durante este tempo todo? Não quis fugir àquilo que sou enquanto pessoa. Isso para mim era importante.

"Gostava que tivessem noção do trabalho que tenho vindo a desenvolver ao longo destes anos. Queria ser eu a cantar este tema e não tenho problema nenhum em ser avaliado por um júri. A minha vida sempre foi essa: o nosso público é o nosso júri."

Alguns compositores preferem não ser intérpretes, talvez para não se exporem. Tendo uma carreira consolidada, escolhem um intérprete mais jovem. Não foi o seu caso. Porquê?
Escrevi a canção para mim, para a cantar. A verdade é que também precisava que as pessoas soubessem qual é o meu trabalho [passado], gostava que tivessem noção do trabalho que tenho vindo a desenvolver ao longo destes anos. Queria ser eu a cantar este tema e não tenho problema nenhum em ser avaliado por um júri. A minha vida sempre foi essa: o nosso público é o nosso júri, se um concerto não nos correr bem teremos pessoas a dizer nas redes sociais que o concerto foi uma porcaria. Não tenho problemas com isso, nunca tive medo de ser avaliado porque estou completamente tranquilo com a minha consciência e com o meu trabalho, a ponto de me expor desta forma. Ver pessoas ligadas à música enviarem-me mensagens também é bom, porque para mim é importante ver que os meus pares entendem que esta canção valoriza a música e os artistas.

Pode revelar alguma dessas mensagens?
Sim. Estava a falar disto a pensar numa mensagem em específico, aliás: o pai de um músico que colabora comigo chamado Guilherme Salgueiro foi baterista dos Trovante, chama-se José Salgueiro. Enviou-me uma mensagem uma hora ou duas horas antes de subir ao palco e disse-me: obrigado pela canção que estás a apresentar, é um tema que valoriza a música e os músicos. Receber uma mensagem de uma pessoa que tem uma carreira tão grande na música portuguesa para mim tem significado. Eu ouvia-o quando era criança. A mensagem vir dele e não do filho quer dizer muita coisa para mim, sensibiliza-me bastante. Se não houvesse mais nenhum prémio, este já seria suficiente.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“Quando és normal és menos falado do que se fores mais excêntrico”

Com a experiência que tem, ainda se sentiu nervoso antes de cantar no palco do Festival da Canção, na sua semifinal?
Em todos os meus concertos e nesta atuação em específico, os meus nervos estão relacionados com o peso da responsabilidade. Sinto uma responsabilidade com a música que faço, o que às vezes causa-me preocupação. Subir a um palco para cantar coisas que têm um significado tão denso, como é o caso deste tema, faz-me sentir um peso de responsabilidade. É o peso de saber que tenho de dizer as coisas com um sentimento que tem de ficar para sempre, que quero que passe para as outras pessoas, para as crianças e para toda a gente. Quero que as pessoas olhem para mim e vejam que não estou a cantar aquilo só por cantar, essa foi sempre a ideia que norteou a minha música e é aquilo que vejo em músicos quando estão a cantar.

"As pessoas querem mais alguma coisa, querem alguém que fale por elas sobre coisas que elas sentem, através da música. Foi isso que senti ao receber 12 pontos do público: as pessoas ouviram-me e perceberam o que quis dizer."

Quem foi a primeira pessoa com quem falou assim que soube que era o concorrente mais votado da sua semifinal? E o que é que lhe passou pela cabeça?
O meu primeiro pensamento foi: a mensagem passou, as pessoas querem ouvir aquilo, identificam-se com esta verdade. As pessoas querem mais alguma coisa, querem alguém que fale por elas sobre coisas que elas sentem, através da música. Foi isso que senti ao receber 12 pontos do público: as pessoas ouviram-me e perceberam o que quis dizer. As primeiras pessoas foram a minha manager, que estava ao meu lado, e o Sir Scratch, que também estava ao meu lado e disse-me: eu ouvi a música e arrepiei-me. Também estava lá o David Pessoa. Reuni-me na green room com pessoas que são muito importantes para mim. Há muitos nervos naqueles momento, é uma altura em que todos procuramos um porto seguro e as minhas pessoas são o meu porto seguro.

Como é que a sua família acompanhou a atuação na semifinal?
O meu filho esteve lá. Chama-se Timóteo, também, tem 13 anos. As crianças com essa idade ainda não sabem dizer exatamente o que é que sentem, mas pelo menos o que a mãe dele diz é que ele estava nervoso e tremia a perna [risos], isso quer dizer alguma coisa.

O que é que tem feito nestes dias antes da final?
Há tanta coisa que se tem de preparar… temos um coro e temos de o preparar, temos de ter noção das afinações, temos de preparar tudo de modo a que em palco consiga transmitir a canção da melhor maneira possível. Talvez pensar em outra roupa, também. Há muitas coisas a ver, mas aquilo que é primordial e de que no fim do dia todos falamos é em elevar a canção, ela tem de valer por si. É a mais-valia que temos: estou convicto que temos uma boa canção. Quando isso acontece, não vale a pena pôr muito mais coisas em cima dela, porque às vezes ao pormos coisas a mais até a podemos estar a desvalorizar. Não é preciso acrescentar muito mais.

A competição com os outros concorrentes é saudável?
Quando olhamos para os nossos adversários, olhamos para eles como pessoas que têm grandes canções que movem as pessoas. Eu pelo menos sinto isso. Obviamente o Matay, por exemplo, tem uma grande canção, as pessoas gostam daquele tipo de canção e eu também. Tem uma grande orquestração, está muito bem feito, muito bonito e ele canta bem. Da minha semifinal gostava muito por exemplo da canção do Dan Riverman, adoro aquilo, acho que é um tema muito bonito e que ele tem uma voz muito bonita. Essa canção saindo com a pompa e circunstância de um “single” é muito forte.

"Quando és um indivíduo mais regular e mais dentro de um padrão normal, que não tenha excentricidade, obviamente que és muito menos falado do que se fores uma pessoa um bocadinho mais excêntrica. A minha excentricidade está dentro da minha cabeça. A minha música não tem de estar dentro de um padrão, nunca esteve."

Alguns candidatos foram mais polémicos, dividiram opiniões e também por causa disso tiveram um grande mediatismo. Notou isso, presumo?
Sim, claro, é normal. Também aconteceu isso com o Salvador Sobral. Esses mediatismos são interessantes. Sabemos que o mundo atual move-se por essas coisas, por esses mediatismos e por atenção a alguma excentricidade, seja da música ou da pessoa que a canta. Quando és um indivíduo mais regular e mais dentro de um padrão normal, que não tenha excentricidade, obviamente que és muito menos falado do que se fores uma pessoa um bocadinho mais excêntrica.

O Michael Jackson a par da sua música era falado também por ser uma pessoa excêntrica. O Prince era falado pela sua excentricidade, o James Brown a mesma coisa. Como vês, não é uma coisa de agora, são fatores que estão inerentes aos artistas quando eles estão no topo. Quando se é um artista como eu… eu não tenho na verdade nenhuma excentricidade a não ser mental, a minha excentricidade está dentro da minha cabeça. As pessoas que me seguem podem dizer: “Mas o NBC fazia músicas mais de um estilo e agora está a fazer isto”, mas a minha música não tem de estar dentro de um padrão, essa é a minha excentricidade. No rap, em que estive inserido inicialmente, nunca fui um artista padrão e nunca quis só fazer aquilo. Achava que não fazia sentido. Uma pessoa como eu que ouve fado, música de Cabo Verde e de São Tomé, música das Antilhas, música britânica e norte-americana — por exemplo blues — não pode só fazer rap.

Sentia isso mesmo na altura em que tinha o projeto Filhos D1 Deus Menor, com o seu irmão [Black Mastah]?
Mesmo nessa altura. Houve momentos em que senti, mesmo em concertos, que as pessoas tinham preconceito com o que fazia. Diziam: “esse gajo não faz rap”… senti isso muitas vezes. A minha excentricidade não tinha tanto a ver com a minha aparência física quanto com o que eu achava que a música deveria ser. O valor da música tem de ser mais aberto.

Como é que chegou ao hip-hop, numa fase inicial, e como é que foi mantendo o contacto com as pessoas desse movimento? As mais próximas estavam todas em Lisboa, a alguns quilómetros de distância…
Tínhamos que pegar no comboio e andar [sorri]. No início foi assim, não tinha carro, só tinha o comboio, tinha que me meter no comboio e por-me a andar. Essa era a única forma de estar em contacto com as pessoas, porque não havia internet. Tinha o meu irmão, que era um catalisador muito grande para o rap — era altamente viciado no hip-hop, até mais do que eu, adorava. Fomos conhecendo algumas pessoas e uma delas foi o Bomberjack, que tinha alguns familiares nos Estados Unidos e recebia de lá cassetes de vídeo com as canções que estavam a ‘bater’ lá — de Wu-Tang Clan e outros. Ele reproduzia as cassetes de vídeo, reproduzia e vendia. Foi assim que começámos a perceber o que havia de novo lá fora, que nos atualizámos face a um movimento sobre o qual não havia grande informação em Portugal [na primeira metade dos anos 1990].

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“A minha máscara de Carnaval clássica é a chinesa”:

Estudou em Torres Vedras, certo?
Estudei, estudei, aqui no liceu [Madeira Torres]. Joguei basquetebol na Física de Torres Vedras, também, onde o meu filho chegou a fazer karaté e natação. Foi aliás na Física que conheci uma pessoa importante para mim, o Sérgio Lopes, uma pessoa que tenho um prazer enorme de ter na minha vida. Ele foi inclusivamente o organizador de um espetáculo que fizemos no [Centro Cultural] Olga do Cadaval, em Sintra. Hoje em dia está envolvido na música e com os palcos, mas foi ele que me levou para a Física, começou a jogar basquetebol antes de mim. Éramos tão amigos que ele disse-me: vamos jogar também, vem jogar connosco.

"A escola foi o início do que sou como pessoa e como músico. Recordo-me perfeitamente dos primeiros momentos em que a música começou a fazer parte da minha vida e porque é que passou a fazer: foi aqui, a ouvir o Michael Jackson e o próprio rap. Lembro-me que cantava Bob Marley no pátio."

Que importância é que teve para si o liceu?
A escola foi o início do que sou como pessoa e como músico. Recordo-me perfeitamente dos primeiros momentos em que a música começou a fazer parte da minha vida e porque é que passou a fazer: foi aqui, a ouvir o Michael Jackson e o próprio rap. Lembro-me que cantava Bob Marley no pátio da escola… Sou muito feliz aqui em Torres Vedras. Sou muito querido aqui, as pessoas gostam de mim. Isso acontece porque também gosto delas e digo-lhes, porque passo tempo com elas.

Antes de ser músico profissional, trabalhou numa empresa da região chamada “Chagas”, certo?
Foi o primeiro sítio em que trabalhei.

Que idade tinha?
Comecei a trabalhar aqui aos 20 e tal anos. Trabalhei aqui 16 anos.

Em que é que trabalhava, exatamente?
Trabalhava em vendas. Vendia maioritariamente materiais para construção de casas, para clientes mais pequenos e para grandes clientes, também.

Torres Vedras é também conhecida pelo Carnaval. Ainda vai conseguir ir, depois da final do Festival da Canção, no domingo ou na segunda?
Não vai ser fácil… no domingo vou estar ainda a querer descomprimir, estar com a família. Vamos ver.

Costuma ir? Ou não é grande aficionado?
Vou! [risos] Não vou sempre mas costumo ir.

"Costumo ir ao Carnaval. A minha máscara clássica é de chinesa [risos]. Gosto muito, tenho um fato e tal. Só que às vezes ou está muito frio, ou não tenho cabeça, porque isto é começar às 21h e acabar ao meio-dia [risos], é um bocado duro. Mas gosto muito de ir sobretudo para estar com as pessoas."

Mascara-se e tudo?
Sim, sim. A minha máscara clássica é a chinesa [risos]. Gosto muito, tenho um fato e tal. Só que às vezes ou está muito frio, ou não tenho cabeça, porque isto é começar às 21h e acabar ao meio-dia [risos], é um bocado duro. Mas gosto muito de ir sobretudo para estar com as pessoas. É uma cidade pequena, enquanto há vida e saúde são sempre as mesmas pessoas que estão aqui e vamo-nos encontrando. No fundo o Carnaval é para nos encontrarmos e vivermos a cidade, apenas com uma perspetiva diferente em que cada um está com uma máscara, a querer ser uma pessoa diferente.

Foi aqui, em Torres Vedras, que viveu um episódio curioso, que contou num concerto há alguns anos. Uma senhora, salvo erro num autocarro, disse-lhe que devia participar no “Chuva de Estrelas” porque tinha talento.
Isso foi em 1994! Lembro-me perfeitamente desse dia, estava dentro de um autocarro. Já cantava na escola e estava com uma senhora que tinha um filho que eu conhecia. Ela sabia que eu cantava, encontrou-me no autocarro e disse-me: devias participar no “Chuva de Estrelas”, que era o programa [musical] que havia na altura. Disse-lhe que não queria.

O caminho era outro?
O meu caminho era outro. É exatamente isso. Sabia que ao participar no “Chuva de Estrelas”, querendo ou não ia estar sempre associado a uma música que não era a minha — e queria estar associado só e sempre à minha própria música.

JOÃO PEDRO CORREIA

Joao Pedro Correia

“Quero ser um segundo Luther King na luta pela igualdade, justiça e compreensão mútua”

Já falou anteriormente de como teve sempre uma relação forte com o Festival da Canção. E com a Eurovisão, qual é? É um veículo para mostrar ao mundo o que mostra em Portugal?
Tenho uma ligação forte com ambos os festivais. Lembro-me que gostava de ouvir canções de concorrentes de outros países que ganharam o Festival da Eurovisão. Recordo-me de ir à procura da tradução das letras para perceber o que as pessoas queriam dizer com as canções, mas a força que tinham via-se também pelo sentimento com que as pessoas que as cantavam. As canções têm sempre três eixos, sejam cantadas em que língua forem: melodia, voz e presença de palco.

"Até pode parecer perigoso dizer isto, mas quero ser um segundo Luther King na luta pela igualdade, justiça e compreensão mútua. Sejamos de onde formos, temos de aprender a lidar melhor com outras pessoas e a sermos menos depreciativos na forma de olharmos para os outros. Acho que é muito importante e acho que é a única forma de mudar o estado de coisas."

E se ganhar, já pensou no quanto a sua vida pode mudar?
Não pensei. Terei tempo para analisar e interiorizar o que poderá acontecer, mas se acontecer quero que as pessoas fiquem desde já a saber que eu irei ser quase um segundo… isto até pode parecer perigoso dizer, mas quero ser um segundo Luther King na luta pela igualdade, pela justiça e pela compreensão mútua. Sejamos de onde formos, temos mesmo de aprender a lidar melhor com outras pessoas e a sermos menos depreciativos com a forma como olhamos para os outros. Acho que é muito importante e acho que é a única forma de mudar o estado de coisas, porque estamos a chegar a um nível em que tudo é possível. Uma pessoa hoje pode dizer qualquer coisa que a outra pessoa que está numa posição inferior tem de aceitar — e não pode ser, não pode.

Recorda-se de algumas canções marcantes para si, entre aquelas que fazem parte da história do Festival da Canção?
A “Sobe, Sobe, Balão Sobe” é uma das canções de que gosto. A Manuela Bravo [que a cantou em 1979] esteve na RTP na segunda semifinal, até falei com ela e dei-lhe um beijinho. Há outras, claro: do José Cid [“Um Grande, Grande Amor”], do Carlos Paião [“Playback”], a “Tourada” [de Fernando Tordo], a “E Depois do Adeus” do Paulo de Carvalho e outras. Acho que a “Sempre, Há Sempre Alguém” também era do Festival da Canção, se não estou a confundir [n.d.r.: é mesmo, foi cantada por Nucha e representou Portugal na Eurovisão em 1990]. Havia também as canções da Dora e lembro-me da “Senhora do Mar” [cantada por Vânia Fernandes, em 2008]. Há um ano em que o Carlos do Carmo participou e cantou todas as canções do Festival da Canção daquele ano [risos], hoje era impensável.

Um homem, oito músicas e dois partidos: 1976 e as histórias do mais insólito Festival da Canção

O Festival da Canção quis sempre ser diferente, inovar, estar na crista da onda e trazer os melhores cantores e compositores. É algo que mexe comigo. Temos de pensar nisto: hoje estamos em 2019 e temos bons compositores e bons cantores em Portugal [e] naquela altura também tínhamos. O mundo era diferente? Era. Mas se um indivíduo como o Ary dos Santos, que era um dos melhores compositores de Portugal, é convidado pelo Festival da Canção e diz que sim, se aceita compor para cantores como o Carlos do Carmo, porque é que não havemos de ter atualmente compositores à mesma escala a participar no Festival da Canção.

O Salvador Sobral não ganhou por acaso, ganhou porque canta muito bem e tem uma super composição [de Luísa Sobral]. Aquilo é uma super canção, está super bem escrita, tem as palavras portuguesas todas colocadas minuciosamente no sítio certo. Se tivermos mais pessoas como o Salvador Sobral e outros compositores a querer fazer parte do Festival da Canção, é óbvio que o festival vai estar sempre no topo."

Foi uma coisa de que falou logo a seguir à sua semifinal, ainda nos estúdios da RTP. Disse que para o Festival da Canção ter impacto e ser bom, era preciso que os compositores portugueses o respeitassem e acarinhassem.
Claro. O Salvador Sobral não ganhou por acaso, as pessoas têm de pensar nisso. O Salvador Sobral ganhou porque canta muito bem e tem uma super composição [de Luísa Sobral]. Aquilo é uma super canção, está super bem escrita, tem as palavras portuguesas todas colocadas minuciosamente no sítio certo. É uma canção bonita. Se tivermos mais pessoas como o Salvador Sobral e outros compositores a querer fazer parte do Festival da Canção, é óbvio que o festival vai estar sempre no topo. Agora se as pessoas não quiserem…

NBC, muito obrigado por ter estado connosco.
Obrigado eu, obrigado pelo convite.

Matay, de Chelas para o Festival da Canção: “Pensei: bolas, porque não posso também licenciar-me, fugir à corrente?”

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