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JUSTIN LANE/EPA

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Novas regras chegam para defender os investidores. Até da subida do preço do pão

O novo pacote legislativo, conhecido por DMIF II, quer proteger os investidores e dar transparência aos mercados, mas influencia desde o modo como se aconselham produtos até ao preço das mercadorias.

“É a maior revisão dos mercados financeiros numa década”, avisou Steven Maijoor, o presidente da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados, à revista Bloomberg Markets. Porém, a maioria dos portugueses apenas sentirá essa revisão de uma maneira: quando, ao visitarem um balcão de um banco, forem alvo de recomendações de investimento, receberão um resumo escrito do que foi dito.

Maijoor, que lidera o órgão da União Europeia (UE) que procura a proteção dos investidores e a estabilidade dos mercados financeiros, gostaria que os portugueses e os outros europeus sentissem mais a reformulação da Diretiva relativa aos Mercados de Instrumentos Financeiros, conhecida por DMIF II, cujo entrada em vigor está agendada para 3 de janeiro de 2018. “Numa família típica na UE, há muito a tendência para poupar através de depósitos. Não é uma situação desejável; resulta, no longo prazo, em rentabilidades muito baixas. Se quisermos rentabilidades decentes nos investimentos, temos de participar nos mercados de capitais”, explicou.

O resumo escrito das recomendações — se fornecidas pelo telefone, haverá uma gravação — é a ponta de um icebergue que está prestes a inundar o oceano dos investimentos. A DMIF II e todo o pacote legislativo que a acompanha — a DMIF II é escoltada pelo Regulamento relativo aos Mercados de Instrumentos Financeiros (RMIF) e por dezenas de outras normas — têm um âmbito muito mais vasto.

Terramoto na gestão de ativos

Além da ata das recomendações recebidas — que, quando entrar em vigor, deverá ser exigido pelo cliente caso o colaborador do banco não o forneça por sua iniciativa —, a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados e as várias entidades reguladoras nacionais, como a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), estão a introduzir o conceito de governação dos produtos, em que as empresas que produzem e distribuem instrumentos financeiros e depósitos estruturados têm de atuar em função dos melhores interesses dos clientes.

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Quem monta um produto de investimento tem de decidir a quem é digirido e quem o comercializa tem de confirmar que quem o adquire está no mercado-alvo. Se houver um desequilíbrio — por exemplo, apenas consumidores mais seniores subscrevem instrumentos desenhados para jovens —, é necessária a intervenção das empresas para o corrigir.

A banca está, naturalmente, em ebulição com as mudanças do pacote da DMIF II — um tsunami regulatório, segundo Luís Barbosa, consultor da PwC. Em 2011, o comité de deputados do Parlamento Europeu que avançou com a proposta estimou um custo de até 732 milhões de euros para a banca europeia se preparar para a diretiva, acrescidos de até 586 milhões de euros por ano. No máximo, a norma representaria 0,15% dos gastos operacionais da indústria bancária da União Europeia.

“Não é pelos custos [da DMIF II] que os bancos vão deixar de ter atividade.”
Miguel Gomes da Silva, diretor da sala de mercado do Montepio

“Não é pelos custos [da DMIF II] que os bancos vão deixar de ter atividade”, calcula Miguel Gomes da Silva, diretor da sala de mercados do Montepio. “Há é uma dificuldade técnica de implementação, para a qual nem os próprios reguladores estão preparados”, acrescenta.

“A CMVM tem consciência dos enormes impactos operacionais, em procedimentos, a nível de organização, que a DMIF II trará aos vários agentes de mercado. Estes têm vindo a preparar-se e a apresentar planos que refletem os ajustamentos necessários e que a CMVM acompanha e analisa”, indica fonte oficial do supervisor português.

A vida dos colaboradores dos bancos e de outras empresas financeiras está a ser abalada. Só o Santander Totta já deu formação a quatro mil colaboradores, o que incluiu conhecimentos sobre macroeconomia, mercados financeiros e gestão de carteiras, mas também normas de conduta na prestação de serviços de investimento.

O próprio supervisor tem vindo a reforçar a sua equipa. “A aplicação da DMIF II terá implicações muito alargadas, não só nas áreas de supervisão, mas também de tecnologias, e a CMVM continua a tentar ajustar o quadro de pessoal às necessidades efetivas, dentro dos constrangimentos existentes”, diz fonte oficial.

Deixará de haver prémios para os funcionários bancários que vendam massivamente apenas um produto de investimento a todos os clientes. Pelas novas regras, as instituições financeiras terão de garantir que as remunerações e as avaliações de desempenho dos seus funcionários não sejam contrárias aos interesses dos clientes. Isto quer dizer que essas remunerações e avaliações só serão válidas se o produto recomendado for o que melhor satisfizer as necessidades do cliente.

A maior parte das mudanças legislativas acontecerá longe da vista dos investidores, mas poderá haver efeitos colaterais. Raul Afonso, diretor de investimentos da Multi Family Wealth, uma recente gestora de fortunas britânica cujos 20 milhões de euros sob gestão são maioritariamente de investidores portugueses, acredita que a separação prevista entre a execução de ordens de bolsa e os relatórios de análise de investimentos (conhecidos por research) pode prejudicar a bolsa portuguesa.

O research pago à parte “afeta especialmente os mercados mais pequenos, como é o caso do português”.
Raul Afonso, diretor de investimentos da Multi Family Wealth

Até agora, a maioria dos corretores oferecia aos seus clientes um pacote de serviços, que incluía não são a execução das ordens de bolsa como também o research ou o acesso aos analistas que assinam essas notas de avaliação. Com as novas regras, esse research tem de ser contabilizado à parte. Raul Afonso diz que a DMIF II traz mais transparência, mas “cria um efeito perverso que afeta especialmente os mercados com menor liquidez”. A separação do research “pode levar a que cada vez mais os bancos internacionais racionem os custos com estes serviços, começando por deixar de seguir as empresas com menor dimensão, o que afeta especialmente os mercados mais pequenos, como é o caso do português”. Isso significaria que, no futuro, poderá haver menos olhos a seguir a bolsa portuguesa, o que reduziria eventualmente o volume de negócios na Euronext lisboeta.

Comissões a deslizar e produtos a desaparecer

Os reguladores europeus dos mercados financeiros acreditam que as novidades legislativas conduzirão a custos mais baixos para os investidores. “Eu esperaria que houvesse uma redução adicional nas comissões”, afirmou Steven Maijoor, o líder da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados, à Bloomberg Markets. “O custo típico dos fundos de investimento na UE é mais elevado do que nos EUA”, exemplifica.

A redução progressiva das comissões dos fundos tradicionais poderia ajudar a inverter a perda de negócio que a indústria da gestão de ativos está a sentir na União Europeia, em especial para os fundos de índice e para os fundos cotados, que são normalmente mais baratos. (Maijoor é um adepto de ambos: todo os seus investimentos financeiros pessoais são nessa área, de acordo com a sua declaração anual de interesses.)

Embora a DMIF II não proíba produtos de investimento, alguns irão desaparecer ou, pelo menos, serão menos frequentes. Em consequência das novas normas, o Banco Comercial Português (BCP) já avisou os investidores que avançará para o reembolso antecipado sobre uma série de certificados sobre mercadorias. Esses certificados são produtos financeiros complexos que procuram refletir o comportamento dessas mercadorias, como o trigo e a prata.

Um dos objetivos da nova legislação é limitar a especulação sobre as mercadorias, uma prática que pode resultar no aumento dos preços dos produtos básicos, como o pão. Em antecipação à entrada em vigor da DMIF II, a Euronext Lisbon, que cota os certificados do BCP, aprovou novas regras que forçam a redução de títulos que usam derivados sobre mercadorias, conduzindo o BCP à liquidação dos certificados.

Europa alinhada e atrasada

O pacote legislativo da DMIF II é para ser aplicado pelas 28 nações da UE. É, aliás, um passo crucial em direção ao mercado de capitais unificado. “A construção de uma União dos Mercados de Capitais até 2019 para todos os membros da UE 28 e maximizar os benefícios dos mercados de capitais e das instituições financeiras não bancárias para o resto da economia, em particular para as PME”, é uma das responsabilidades do vice-presidente da Comissão Europeia Valdis Dombrovskis.

O alinhamento das regras prometida pela DMIF II é a razão por que os clientes portugueses da corretora holandesa Degiro foram avisados de que terão de fornecer mais informação pessoal para poderem continuar a aceder às suas contas de investimento. “Faz parte do conceito de ‘conhece o teu cliente’, que é agora um exigência europeia”, explica Gert Jan Holstege, diretor de operações da Degiro em Sófia, na Bulgária.

Antes, era possível abrir conta na Degiro apenas preenchendo um formulário e fazendo uma transferência bancária de um banco português. A partir de agora, os novos clientes têm de fornecer uma cópia do passaporte ou indicar o número de contribuinte. Os antigos clientes também o terão de fazer se quiserem continuar a aceder às suas contas a partir do dia 3 de janeiro. “Os dados serão usados para o reporte de transações quando a Degiro tem de incluir o número de contribuinte ou o número de passaporte”, explica Holstege. A Degiro reporta ao supervisor holandês, a Autoriteit Financiële Markten.

Luis Rivera, fundador da ETFmatic, a primeira gestora robótica de patrimónios a operar em Portugal, também exige agora aos seus clientes a confirmação da nacionalidade e um número de identificação, que pode ser o do passaporte. Se os clientes não fornecerem esses dados, “as suas contas ficaram em pausa, por isso não poderemos comprar ou vender fundos cotados em seu nome”, explica Rivera.

Embora a Degiro se tenha antecipado à entrada em vigor da DMIF II, os Países Baixos são um dos doze estados-membros da UE que ainda não tomaram qualquer iniciativa para transpor a diretiva europeia, segundo a Comissão Europeia. Portugal está no grupo de seis nações que transpuseram parcialmente a norma. O Reino Unido, onde tem sede a ETFmatic, já transpôs a diretiva na totalidade, apesar de estar a negociar a saída da União Europeia.

A data-limite de transposição da DMIF II era a 3 de julho de 2017, depois de se ter adiado em um ano a entrada em vigor (algo defendido pela Comissão Europeia, mas criticado pelo Parlamento Europeu). Além dos países atrasados estarem em risco de processos de infração, é natural que o pacote legislativo não veja a luz do dia em toda a Europa no dia 3 de janeiro de 2018.

“Concluiu-se a fragilidade do edifício legal no âmbito da regulação e supervisão do setor bancário e da atividade de intermediação financeira”.
Grupo Parlamentar do Partido Socialista

Em Portugal, são várias as iniciativas na Assembleia da República, maioritariamente do Partido Socialista, para transpor as normas europeias para a lei portuguesa. A Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, a unidade do Parlamento a quem compete apreciar iniciativas europeias sobre mercados de capitais e supervisão de instituições financeiras, tem agora uma série de projetos de lei que tem de avaliar na especialidade. Muitas dessas propostas preveem que a CMVM tenha seis meses para aprovar regulamentos adicionais.

Miguel Gomes da Silva, do Montepio, defende que “o excesso de regulação na Europa face aos EUA pode causar uma perda de competitividade dos mercados europeus face aos americanos”. “Estamos a retirar flexibilidade ao mercado com excesso de regulamentação”, o que pode significar “menos investidores, menos liquidez e, do ponto de vista da economia, as empresas têm menos uma fonte de financiamento, o mercado de capitais”, avisa Gomes da Silva.

Todavia, não será apenas em Portugal e no resto da UE que se sentirá o impacto da DMIF II a partir de 2018. Os supervisores dos mercados de capitais noutras nações estão a analisar o pacote legislativo europeu, em particular a norte-americana Securities and Exchange Commission, que já lançou medidas para facilitar aos intermediários dos EUA a implementação da DMIF II. “Não me surpreendiria se [a DMIF II] se tornasse no modelo usado fora da UE”, afirmou Steven Maijoor, da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados.

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