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Portugal é exemplo europeu no que toca a vacinas

O país tem altas taxas de vacinação e é uma referência no que toca à compra internacional de vacinas, um mercado onde a procura supera a oferta.

Portugal tem das mais altas taxas de cobertura vacinal em todo o mundo e é também o país da União Europeia (UE) com maior percentagem da população (cerca de 95%) a confiar nas vacinas, segundo um estudo da Comissão Europeia. Para estes bons resultados contribuem vários fatores, como a eficácia na implementação e gestão do Programa Nacional de Vacinação (PNV) e a qualidade da comunicação entre os vários interlocutores responsáveis por trazer as vacinas até ao cidadão comum. São pelo menos 10 as instituições que têm de se articular, num sistema burocrático apoiado por uma plataforma digital que abrange todas as fases do processo, desde a aquisição das vacinas até ao registo vacinal individual, passando pela avaliação de stocks por parte das instituições de saúde. Este é um setor onde Portugal dá cartas e é exemplo internacional de boas práticas. Vamos perceber porquê.

Produzir vacinas é caro e complexo

Uma vacina é uma substância que possui a capacidade de imunizar o organismo contra uma doença infeciosa. Trata-se de um produto biológico altamente complexo, tanto no que toca aos componentes como à tecnologia necessária ao seu desenvolvimento. Entre pesquisa, desenvolvimento, fabrico e estudos clínicos, uma nova vacina pode levar uma década ou mais até ver a luz do dia. 70% do tempo de produção é dedicado ao controlo de qualidade. Os ensaios clínicos levam anos e nem todos chegam à meta da aprovação final para comercialização (a taxa de sucesso ronda os 20%, segundo um estudo de 2016).

Curiosidades das vacinas

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– Por ser material biológico (vivo), os microorganismos das vacinas podem reagir de forma ligeiramente diferente de um dia para o outro, mesmo garantindo os mesmos parâmetros controlados na produção.

– Durante todo o processo de produção é preciso controlar fatores como níveis de oxigénio, concentrações de nitrogénio e temperatura.

– É vital manter a cadeira de frio todo o tempo.

– As vacinas são produzidas a partir de microoganismos vivos, mas têm de ser estéreis.

– O prazo de validade começa a contar a partir do final da formulação. Quanto mais longo for este tempo, menos tempo haverá até poder ser comercializada.

E há desafios científicos, como o prazo de validade, particularmente curto comparativamente com outros medicamentos (1 a 3 anos, no máximo), a necessidade de manter uma cadeia constante de frio com uma temperatura entre os 2º e 8º até à administração, ou ainda a necessidade de desenvolver novas vacinas em pouco tempo para novos agentes patogénicos em circulação. No caso das vacinas contra a gripe, que são atualizadas todos os anos com antigénios para novas estirpes, existe o desafio de completar o ciclo de produção até meados do ano para as vacinas estarem disponíveis no início do outono.

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A vacina da gripe demora, em média, 6 meses para ser produzida

Tudo isto faz das vacinas produtos dispendiosos, com custos estimados na ordem do bilião de euros ou mais.  Ao mesmo tempo, a indústria é constantemente desafiada a desenvolver produtos de alta qualidade a um custo o mais baixo possível e no mais curto espaço de tempo possível.

A competição internacional pelas vacinas é real

O mercado das vacinas tem vindo a crescer (valia 24 milhões de dólares em 2013, segundo a ONU, estimando-se que possa chegar aos 100 biliões em 2028), mas este é um campo onde a procura supera frequentemente a oferta. Uma das razões para isto acontecer é o número limitado de laboratórios produtores — 80% das vacinas são fornecidas por 5 laboratórios, segundo a OMS —, mas há outros fatores: a partir do momento em que saem do laboratório, as vacinas têm um período de validade curto (em média 3 anos) comparativamente ao longo tempo de aprovação até chegarem ao mercado. Isto dificulta o processo de compra por parte dos governos, que têm de competir entre si e com as Organizações Não-Governamentais (ONG) para conseguir os lotes necessários em tempo útil para as suas populações.

A complexidade do processo biotecnológico do ciclo de produção de uma vacina pode levar entre 6 a 36 meses. Este facto, aliado ao elevado número de testes durante o período de controlo de qualidade e ao restrito número de produtores mundiais, pode atrasar a chegada das vacinas ao mercado e é uma das causas da escassez de vacinas relativamente à procura

Além de competitivo, é um mercado burocrático: os princípios da segurança e transparência obrigam as instituições a obedecer a uma complexa teia de leis e regulamentos que facilmente podem tornar o processo ainda mais lento do que o desejável. Para a vacina da gripe estar disponível em setembro, por exemplo, o processo de aquisição deve começar por volta de maio. Navegar estas condicionantes para, de forma regular, conseguir abastecer os serviços de saúde e farmácias, bem como conseguir antever e prevenir situações de rutura ou emergência, requer planeamento atempado, técnica e algum “jogo de cintura”.

Vacinas à lupa

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Para criar uma vacina é preciso desenvolver em laboratório um antigénio, isto é, uma substância capaz de estimular o sistema imunitário a produzir anticorpos — mas incapaz de provocar a doença, claro. Os antigénios são geralmente elaborados a partir dos micro-organismos que provocam a doença — tipicamente vírus ou bactérias — ou de substâncias quimicamente semelhantes. Há três tipos principais:

  1. Vacinas criadas a partir de vírus ou bactérias vivos atenuados (é o caso da vacina da febre amarela, a da varicela-zoster ou da vacina oral contra o vírus da poliomielite);
  2. Vacinas fabricada a partir de vírus ou bactérias mortos ou inativados. Dentro destas, os micro-organismos podem ser usados inteiros (hepatite A) ou fracionados (como a vacina conjugada antipneumocócica, contra a gripe, ou as toxoides contra o tétano e difteria);
  3. Vacinas genéticas, em que o antigénio é produzido por outros microrganismos (como leveduras). É o caso da vacina contra a hepatite B e o HPV.

A criação de uma vacina implica muito tempo de pesquisa e desenvolvimento, num processo que pode levar 12 anos. São feitos muitos testes e ensaios clínicos até que seja comprovada a sua eficácia e segurança. Os resultados dos ensaios clínicos são avaliados pela Agência Europeia de Medicamentos, e a Comissão Europeia emite uma autorização de colocação do mercado. Só depois a vacina começa a ser fabricada em escala pelos laboratórios.

O tempo de produção de uma vacina ronda os 24 meses, em média. São 5 os passos principais:

Passo 1
Receção da matéria-prima Todos os materiais que vão fazer parte da vacina têm de ser examinados à chegada ao laboratório, para avaliar a sua conformidade com os critérios de qualidade e segurança pré-definidos.

Passo 2
Produção do concentrado de antigénio  O primeiro passo para criar qualquer tipo de vacina é cultivar os micro-organismos que dão origem à doença em laboratório. Podem ser vírus, bactérias ou culturas de células com genes de micro-organismos.

Geralmente, os vírus são cultivados em células primárias de embrião de galinha ou a partir de ovos fertilizados, ou ainda de linhagens contínuas de células. As bactérias são cultivadas em bio-reatores que usam um meio de cultura que otimiza a sua produção. As proteínas recombinantes (frações vírus, bactérias ou material celular) podem ser cultivadas em leveduras, bactérias ou culturas celulares.

Assim que é gerado, o antigénio precisa de ser isolado das células onde foi cultivado, um processo de purificação. Nalguns casos, ele precisa também de ser inativado e pode ser conjugado com outros. Em algumas vacinas pode chegar a haver 9 antigénios presentes numa dose da vacina (é o caso, por exemplo, da vacina hexavalente). O passo 1 e 2 podem levar até 2 anos.

Passo 3
Formulação Só depois a vacina é formulada pela adição de estabilizadores e conservantes, e por vezes adjuvantes. De forma genérica, os estabilizadores são usados para manter a efetividade da vacina durante o armazenamento, os conservantes previnem a contaminação e permitem o uso de frascos multidose e os adjuvantes aumentam a resposta imune. É a partir desta fase, que pode levar de 6 a 10 meses que se começa a contar o prazo de validade das vacinas. Mas a vacina ainda pode levar um ano a sair da fábrica.

Passo 4
Enchimento e embalamento De seguida as vacinas são inseridas em seringas ou frascos que permitam a sua administração, e embaladas, tendo de ser conservadas numa cadeia de frio que garanta a sua estabilidade até chegar aos utentes dos centros de saúde. Aqui termina a fase de produção, que leva, em média, 24 meses. 70% deste tempo é dedicado ao controlo de qualidade, que é efetuado entre cada uma das etapas. Para um único lote de uma vacina combinada, por exemplo uma vacina hexavalente, pode chegar a haver mais de 1200 testes de qualidade ao longo do ciclo de produção.

Passo 5
Entrada no mercado Depois de confirmar que a vacina foi fabricada e testada de acordo com os procedimentos corretos, o Infarmed dá a autorização final para a sua distribuição.

Centralização, o 1.º segredo do sucesso do sistema de compras português

Se fosse cada entidade a proceder individualmente à compra das vacinas, a burocracia seria multiplicada e as instituições sairiam do seu foco de atuação para negociar preços com os laboratórios, ficando as pequenas em desvantagem. O segredo do sistema português é a centralização de todo o processo de aquisição nas mãos da SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde), entidade responsável pela Central de Compras do SNS. Esta solução garante equidade no acesso às vacinas, bem como poupar tempo e dinheiro ao ganhar escala nas aquisições. Números divulgados no Relatório de Aferição de Poupanças de 2018 demonstram que com as compras centralizadas de bens e serviços na área da saúde, a SPMS alcançou uma poupança global na ordem dos 132,2 milhões de euros para o Ministério da Saúde. No que toca às vacinas, o ano passado, a poupança foi de 4 milhões de euros, segundo declarações do vogal-executivo da SMPS, Artur Mimoso, na conferência Vacinas: inovar, financiar, prevenir.

Na prática: o percurso burocrático das vacinas no território nacional

Assim que o Infarmed recebe e valida os pedidos de autorização de entrada no mercado português, informa a DGS e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) de que novas vacinas estão disponíveis. O Programa Nacional de Vacinação define as vacinas consideradas essenciais e que são administradas de forma gratuita pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), seguindo um calendário definido e orientações técnicas estabelecidas.

As vacinas existentes atualmente destinam-se a prevenir infeções causadas por cerca de 25 microrganismos, mas a combinação de vários agentes e formulações diferentes para várias faixas etárias fazem com que sejam muitas mais no mercado

Estas vacinas devem ser adquiridas periodicamente, em coordenação com as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e os agrupamentos de centros de saúde e hospitais. As ARS fazem o pedido online no site.  A verba é libertada pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), e quem concretiza a compra de todas as vacinas é a SPMS. Cabe-lhe procurar no mercado a melhor oferta e assegurar que os pedidos são feitos atempadamente aos laboratórios para que contando como o processo de aquisição, as vacinas cheguem aos serviços de saúde em tempo útil. Para agilizar o processo, há contratos públicos de aprovisionamento feitos previamente com alguns fornecedores.

Plataformas digitais, o 2.º segredo do sucesso na compra de vacinas

Toda a comunicação entre os diferentes intervenientes no processo de aquisição de vacinas é feita através de plataformas digitais, que permitem o acesso partilhado e a monitorização em tempo real de todas as fases do processo. No início do processo, está a Rede Informática da Saúde (RIS) — rede privada multimédia do Ministério da Saúde que interliga as redes locais dos seus serviços e permite o registo centralizado das vacinas em tempo real, assim como a monitorização da vacinação e dos stocks de vacinas por parte das Administrações Regionais de Saúde (ARS), agrupamentos de centros de saúde e hospitais.

O cidadão já pode consultar o boletim de vacinas através do E-boletim no portal SNS na web

O processo de compra propriamente dito é feito através da plataforma digital SIGAS – Sistema Integrado de Gestão de Aquisições da Saúde e do Catálogo de Aprovisionamento Público de Saúde. Na primeira, os serviços locais inscrevem os pedidos, após validação da DGS. O Catálogo tem a informação das vacinas que estão disponíveis para compra ao abrigo dos acordos-quadro celebrados entre laboratórios e SPMS.

O SIGAS foi distinguido com o prémio para melhor projeto na Administração Pública Digital pela ACEPI – Associação da Economia Digital

Além de permitirem agilizar os processos, as plataformas digitais emprestam maior transparência aos procedimentos de contratação pública, que ficam mais visíveis, garantindo-se maior controlo de eventuais conflitos de interesses e mitigando o risco de corrupção e infrações.

Acordos-quadro e divisão em lotes, o 3.º segredo do sucesso

Desde 2015 que a SPMS agrega os pedidos de todas as vacinas e efetua as compras de forma centralizada ao abrigo de acordos-quadro (AQ). Estes acordos, válidos por 3 anos, são celebrados entre a SPMS e vários fornecedores, na sequência de concursos públicos, e definem previamente as condições de futuras aquisições (por exemplo, os requisitos mínimos dos bens e o preço máximo a praticar). A principal vantagem deste sistema é assegurar previamente a existência de vários fornecedores, o que dá segurança no abastecimento e permite conseguir preços mais baixos. Depois de ser selecionado por concurso público, cada fornecedor passa a ter as suas vacinas adjudicadas no Catálogo (eletrónico) de Aprovisionamento Público de Saúde. Sempre que as entidades ativam pedidos no SIGAS, a SPMS envia, através da plataforma, convites à apresentação de propostas a todos os fornecedores contratados. A escolha é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa.

Outra inovação consiste na divisão das adjudicações das vacinas por lotes. Isto é, em vez de se propor aos fornecedores a aquisição de um número elevado de vacinas, divide-se o pedido em lotes mais pequenos. Isto incentiva a participação dos laboratórios, que, dado o elevado volume de procura, podem não conseguir responder a pedidos elevados em tempo útil, assegurando-se, assim, a aquisição das vacinas eventualmente a fornecedores diferentes. Previne-se, desta forma, que os concursos fiquem desertos, e que se fique sem fornecimento de vacinas, ou que haja apenas um fornecedor, o que poderia eventualmente elevar o preço e aumentar a incerteza quanto ao abastecimento.

Boas práticas premiadas na Europa

Portugal é percecionado a nível europeu como uma referência a nível da digitalização de processos, seja ao nível da prescrição eletrónica, do agendamento de consultas médicas e desmaterialização do boletim de vacinas, como no que toca à compra de vacinas. A compra centralizada de vacinas por uma única entidade permite diminuir a burocracia e otimizar a compra no mercado, assim como as adjudicações de vacinas em lotes mais pequenos, práticas que têm sido reconhecidas com diversos prémios.

A SPMS recebeu uma menção honrosa pelo projeto Catálogo Público da Saúde, na categoria de “Desenvolvimento do Ambiente Empresarial”, nos Prémios Europeus de Promoção Empresarial/European Enterprise Promotion Awards 2016

Na 8.ª edição dos Prémios Saúde Sustentável, em 2019, os Sistemas de Informação desenvolvidos pela SPMS foram distinguidos como exemplares no âmbito da transição digital da saúde a nível internacional. A SPMS também recebeu dois prémios European Enterprise Promotion Awards, uma iniciativa da Comissão Europeia, coordenada em Portugal pelo IAPMEI, que distinguiram o Catálogo de Compras da Saúde e a App MySNS Carteira, que reúne a informação de saúde do cidadão numa aplicação para smartphone.

O futuro: cooperação internacional para gestão de stocks de vacinas

Os atuais instrumentos de saúde da UE não permitem a aquisição de vacinas de rotina a nível da UE, mas a instituição incentiva a exploração de métodos de colaboração entre os Estados-Membros através, por exemplo, do intercâmbio mútuo de excedentes, bem como a possibilidade de desenvolver um plano para a eventual constituição de uma reserva a nível da UE.

O serviço do Registo Centralizado de Vacinas vai ser expandido de forma a incluir a informação de privados e convencionados

Enquanto isso não acontece, “Portugal estuda a possibilidade de fazer uma união ibérica na compra de vacinas, ou pelo menos com algumas províncias de Espanha. Uma forma de aumentar a escala e possibilitar a redução do preço dos medicamentos para ambos os países”, explica Artur Mimoso, vogal-executivo da SPMS. Esta ideia pode ser alargada ao espaço europeu, já que a “SPMS pertence a uma rede internacional de centrais de compras que junta países como Alemanha, Itália, Bélgica e França, e fomenta a cooperação e a partilha de métodos inovadores”, refere o dirigente da SPMS.

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