Independentemente de quem ganhar a 30 de janeiro, o novo Governo que sair dessas eleições terá de passar pelo menos a primeira metade do seu mandato a reduzir a despesa pública permanente (em função do PIB). O alerta é de Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, que esta sexta-feira redobrou os avisos sobre a necessidade de baixar o endividamento para níveis mais “sustentáveis” e alertou, também, que uma subida mais rápida do salário mínimo pode agravar os riscos de inflação, embora esta continue a ser menos preocupante em Portugal do que para outros países da zona euro.

O governador do Banco de Portugal afirmou que o Estado tem “dois a três anos” para fazer uma “transição” após o esforço feito pelas contas públicas para atenuar o impacto económico da pandemia, um esforço que significou mais despesa e mais dívida. A despesa pública permanente, em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), aumentou nos últimos anos, “em grande medida porque o PIB caiu”, admitiu Mário Centeno, acrescentando que isso “significa que quando olhamos para estes indicadores numa perspetiva plurianual nós devemos entender que à medida que a economia recupera estes indicadores devem também, eles próprios, corrigir“.

Por outras palavras, “seria errado, a meu ver, que fizéssemos crescer esta despesa – agora que o PIB está a recuperar – ao mesmo ritmo que o PIB recupera. Precisamente porque não a fizemos cair – e bem – quando o PIB caiu“, notou o governador do Banco de Portugal na apresentação do Boletim Económico de dezembro, um relatório que manteve a previsão de um crescimento económico de 4,8% em 2021 e fez uma pequena revisão em alta da projeção para 2022: para 5,8%.

Economia portuguesa vai crescer em 2022 mais do que o previsto: 5,8%, antecipa o Banco de Portugal

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Banco de Portugal tinha divulgado a 6 de outubro a última edição do Boletim Económico mas, por ser perto da apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2022 (que viria a ser chumbada), esse documento não continha previsões atualizadas para a economia no próximo ano. Nessa altura, continuou, portanto, a valer a estimativa de um crescimento de 5,6% (para 2022) que tinha sido feita em junho. Desta vez, porém, mesmo não havendo novo Orçamento do Estado aprovado, o Banco de Portugal emitiu novas projeções que se baseiam em “hipóteses de finanças públicas [que] assumem, no essencial, um cenário de políticas invariantes”.

Previsão de crescimento de 5,8% em 2022, mais otimista que o Governo

Mostrar Esconder

As previsões divulgadas pelo Banco de Portugal para 2022 igualam as mais otimistas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que também aponta para um crescimento económico de 5,8%, e superam as do Governo, que espera 5,5%.

A Comissão Europeia aponta para um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 5,3% e o Conselho das Finanças Públicas (CFP) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) são as entidades mais pessimistas, esperando uma subida de 5,1% face a 2021.

E são projeções que também não incorporam qualquer tipo de “risco político”, confirmou Mário Centeno, questionado pelos jornalistas sobre a importância das eleições legislativas antecipadas marcadas para 30 de janeiro. Momentos depois da conferência de imprensa de Centeno, o seu sucessor no Ministério das Finanças, João Leão, partiu das previsões do Banco de Portugal para asseverar que “a atual situação política de eleições antecipadas não colocou nem coloca em causa a confiança das diversas instituições no desempenho da economia portuguesa”.

Depois destes dois anos de “crescimento forte” (2021 e 2022, que vêm na sequência da “quebra histórica” de 8,4% em 2020), as previsões do Banco de Portugal apontam que o ritmo de expansão será mais moderado em 2023 e 2024 (3,1% e 2,0%), o que torna ainda mais necessário controlar o endividamento.

“Nós prevemos que no final do horizonte de projeção (2024) a dívida portuguesa possa estar, em percentagem do PIB, em níveis semelhantes aos de 2019”, diz Mário Centeno, argumentando que isso é uma “condição sine qua non para que a dívida pública portuguesa permaneça sustentável“. A única forma de se chegar a 2024 com esses níveis mais “sustentáveis” na dívida pública é fazer uma “correção” na despesa pública que, para o governador, tem de ser feita em “dois a três anos”.

Os avisos de Centeno, a dias do Orçamento. Despesa pública tem de baixar (e o “contributo” dos juros será cada vez menor)

Já na apresentação do Boletim Económico de outubro, Mário Centeno tinha lembrado que Portugal tem “um peso da despesa – retirando todos os efeitos das medidas Covid, one-offs [impactos não-recorrentes] e tudo o que é financiado por fundos europeus – um rácio da despesa primária corrente, face ao PIB que será, no final deste ano, 1,8 pontos percentuais superior ao de 2019”. Por outras palavras, mesmo sem contar com as medidas que foram lançadas especificamente para o combate ao impacto da pandemia, a despesa do Estado passou a ter um peso maior na atividade económica nacional – agora, diz Centeno, tem de ser feito o movimento inverso.

“Vaga após vaga” da pandemia, o impacto económico tem sido menor

Como é habitual, as projeções do Banco de Portugal para a economia são acauteladas com um conjunto de riscos positivos e negativos: um dos riscos negativos para a atividade económica está relacionado com um potencial “agravamento da pandemia”. Mário Centeno pareceu, contudo, relativamente otimista acerca do impacto económico da nova vaga da Covid-19, em que a nova variante Ómicron pode ter uma expansão rápida.

Ao contrário de outros eventos semelhantes organizados pelo Banco de Portugal, desta vez já não se falou da posição cimeira do país no que diz respeito à vacinação. Ainda assim, Mário Centeno notou que, a cada nova vaga, as pessoas e os agentes económicos “aprenderam a lidar” com os picos de propagação do novo coronavírus, o que leva a crer que qualquer aperto das restrições terá um efeito de “curto prazo” e não se antecipa que seja “mais gravoso” do que anteriores picos, mesmo para os setores mais afetados como a restauração e a hotelaria, por exemplo.

Fonte: Banco de Portugal, Boletim Económico de dezembro

Por outro lado, também há riscos positivos para as previsões económicas, ou seja, o crescimento pode ser ainda mais fulgurante do que se projeta nesta fase. E uma das possíveis razões para isso está ligada à “utilização de parte da riqueza acumulada pelas famílias durante a pandemia“. No Boletim Económico, o Banco de Portugal inclui uma caixa onde revela aquilo que fizeram com o dinheiro as famílias que pouparam mais do que o habitual graças à pandemia.

Em 2020, segundo o inquérito realizado, exatamente dois terços (66%) das famílias aplicaram estas poupanças em depósitos, produtos de aforro do Estado (certificados de Aforro/Tesouro) ou numerário. De resto, 18% aplicaram em outros ativos financeiros e 14% em ativos reais – ou seja, casas e outros ativos imobiliários, grosso modo. Ainda, 16% utilizaram a poupança adicional para fazer amortizações extraordinárias de dívida.

Essa poupança adicional representa uma das maiores incógnitas para a economia nos próximos anos. A forma como for utilizada poderá determinar boa parte da evolução do consumo privado, uma componente importante do cálculo do PIB. E também poderá ter impacto na inflação, que tem sido “tema quente” nos mercados financeiros nos últimos meses e que superou os 5% na zona euro em novembro, duas vezes e meia o objetivo (de médio prazo) do Banco Central Europeu (BCE).

Tal como fez o BCE na quinta-feira, o Banco de Portugal também duplicou a projeção de inflação no próximo ano mas no caso de Portugal isso significa uma revisão de 0,9% para 1,8%, ou seja, ainda abaixo do que se considera uma taxa de inflação desejável e não excessiva. Na zona euro, significou passar de 1,7% para 3,2% – o que, mesmo assim, não levou o BCE a tomar qualquer medida no sentido de apertar a política monetária (pelo contrário), “uma boa decisão e uma boa notícia“, comentou Mário Centeno.

BCE duplica inflação prevista em 2022, de 1,7% (estimados em setembro) para 3,2%. Mas continua a garantir que inflação é “transitória”

No que diz respeito aos riscos de inflação, referidos do Boletim Económico do Banco de Portugal, estes são ambos no sentido de a taxa subir mais do que o previsto. Pode haver uma “maior transmissão dos custos de produção aos preços no consumidor” e, por outro lado, maiores “pressões sobre os salários” (no sentido de eles subirem mais do que o previsto, na negociação laboral, devido às expectativas de inflação).

Mário Centeno afirmou na conferência de imprensa que “a inflação em Portugal tem tido uma trajetória mais tímida do que na área do euro”. “Ainda assim os preços deverão crescer mais em 2022 do que o que cresceram em 2021”, afirmou o governador do Banco de Portugal, acrescentando que “devemos ter, obviamente, alguma preocupação sempre, com essa dimensão, porque sabemos quão negativo é para a atividade económica e para as famílias” haver inflação acima de 2%.

Neste ponto, “é evidente que os salários são sempre uma fonte de preocupação no sentido da dinâmica que possam incutir aos preços”. Mas “nós não vemos essa dinâmica a acontecer nem na área do euro nem em Portugal“, assegurou Centeno. “Porém, como é função de qualquer banco central é importante sinalizar as possíveis fontes de pressão dessa ordem e a evolução no salário mínimo pode ter um negativo nesse sentido“, afirmou, a respeito do facto de no Boletim Económico estar escrito que “eventuais aumentos do salário mínimo [em Portugal] em 2023-24 constituem também um risco em alta para a inflação“.

Outros salários, preços e isenção de IRS. Os efeitos automáticos e os potenciais da subida do ordenado mínimo