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O secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo, participa num almoço da Coligação Democrática Unitária (CDU) com reformados da vila de Pias, Serpa, 07 de fevereiro de 2024. NUNO VEIGA/LUSA
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Raimundo sucedeu a Jerónimo de Sousa em novembro de 2022

NUNO VEIGA/LUSA

Raimundo sucedeu a Jerónimo de Sousa em novembro de 2022

NUNO VEIGA/LUSA

Raimundo nos debates: a nova "tarefa" para a qual não tinha treino e a abertura q.b. a conversas com o PS

Disponibilidade para diálogos existe, mas comunistas não querem "condicionar-se" sobre a forma nem antes das eleições. Raimundo mostra-se como um português comum após fragilidade inicial nos debates.

A confissão é do próprio Paulo Raimundo: “Sempre fui mais de empurrar os outros para a frente do que propriamente de estar à frente, mas pronto, agora não pode ser assim”. Habituado a ser um homem de bastidores do PCP, como contou esta semana num programa da manhã, o sucessor de Jerónimo de Sousa foi atirado em tempo recorde e com pouco à vontade para a roda dos debates, “sem estar treinado” para isso, como se reconhece no partido. Ainda assim, o PCP acredita que a “progressão” do secretário-geral se começa a notar e que ainda vai a tempo de deixar mensagens políticas relevantes — nomeadamente quanto aos moldes em que poderá cooperar com uma governação do PS.

Assim que Paulo Raimundo começou a participar nos debates (já fez seis), multiplicaram-se os comentários que apontavam para uma falta de agilidade e de rapidez nas respostas, assim como para uma dificuldade de entrar no ritmo dos confrontos. E no partido admitem-se mesmo algumas fragilidades iniciais, embora apontando várias explicações, como o facto de Raimundo ter pouca experiência (o próprio disse ao Expresso: “Se perguntar, não acha que precisavam de mais tempo para afirmar publicamente o secretário-geral? Julgo que sim, é compreensível que assim fosse”). Mas a explicação, argumentam os comunistas, também estará na “autenticidade” de Raimundo por oposição aos líderes “de plástico” de outros partidos — e na grelha de análise dos comentadores, que são fortemente atacados no partido e no Jornal do Avante.

A primeira dificuldade é clara: Raimundo não tinha qualquer experiência de debate com outros partidos, nem de presença televisiva, antes de se tornar secretário-geral do PCP, em novembro de 2022. “As tarefas dele” — expressão que o PCP utiliza para todos os cargos e funções desempenhados no partido — “não o colocavam na situação de confrontar outras forças políticas”, justifica um camarada. “Teve aqui uma curva de aprendizagem muito difícil que se pensava que duraria mais três anos, antes de haver crise política. Não queria estar na pele dele…”.

O partido vai, ainda assim, vendo o copo meio cheio — há várias fontes e dirigentes que falam ao Observador numa participação “em crescendo” e numa evolução muito “positiva” contra adversários que, ao contrário de Raimundo, estão “treinados em retórica”.”Há uma progressão ao longo dos debates, do primeiro para os outros. Independentemente de algumas dificuldades formais que possa ter, embora isso seja discutível, há uma vantagem: Raimundo apresenta uma transparência e honestidade no que diz que as sofisticação e armadilhas dos outros acabam por iludir”, defende o jornalista e militante comunista Pedro Tadeu. Embora, como assume, o impacto eleitoral dessa postura seja difícil de medir.

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Os comunistas vão garantindo que os debates são sobretudo uma “performance” que o PCP diz rejeitar — mesmo que isso o prejudique na transmissão da sua mensagem. “O nosso trabalho não é fazer figuras de plástico que agradem às pessoas, não é encontrar um nicho e depois agradar-lhe. Desde que ele consiga explicar as propostas…”, atira uma fonte comunista já citada.

Depois existe a linha bem mais agressiva que o partido defende sobretudo para consumo interno, bem plasmada na edição do Jornal do Avante desta semana, que incluía quatro crónicas com referências críticas às avaliações feitas sobre os debates. Num deles, intitulado “Debates e circo mediático”, o dirigente Jorge Cordeiro criticava o “circo de comentadores dedicados a traduzir e interpretar” o conteúdo dos debates, que contrariam “evidências” mesmo quando estas “atrapalham o que está pré-sentenciado” (presumivelmente, uma derrota do PCP nos debates).

Carlos Gonçalves escrevia que a “central de contra-informação” está dedicada a “impedir o avanço do PCP” e a fazer “manipulação eleitoral”, mentindo sobre as posições do PCP, utilizando pivôs que são “meros provocadores contra os comunistas” e comentadores “ao serviço do PS, AD, Chega e IL, que visam condicionar, amedrontar e diminuir o PCP”. E num texto chamado “VAR ideológico”, Filipe Diniz critica os que tentam “formatar opinião” e “interferem diretamente na disputa política”.

Mesmo que o PCP tenha, como é habitual, queixas sobre o tratamento mediático que recebe, não falta quem no partido admita que a praia de Raimundo poderá passar mais por ambientes menos confrontativos — e que servem ao PCP para apresentar o novo líder como um português comum, um trabalhador que ganha pouco e que conhece os problemas do dia a dia, a imagem em que o Comité Central apostou quando decidiu fazer de um desconhecido o sucessor do carismático Jerónimo de Sousa.

É por isso que no PCP se vai apontando, até mais do que para debates, para a prestação de Raimundo no programa de Cristina Ferreira, esta semana. No programa, o secretário-geral comunista falou abertamente da família e das dificuldades atravessadas pelos pais, que o levaram às lágrimas; contou que ainda véspera fora “buscar uma bilha de gás” e que a partir do dia 15 de cada mês “já não vale a pena fazer contas”, porque o salário não estica; ou que “faz parte do clube” dos portugueses que ganham menos de mil euros brutos por mês.

A ideia era clara: Raimundo queria dizer que “não fala de cor dos problemas” e que “sabe como elas doem todos os dias nas costas”. Queria falar a um eleitorado potencialmente ressentido com as dificuldades que atravessa e com a perda de poder de compra que lhe dificulta o dia a dia e as compras do mês. E precisa mesmo de chegar a esse eleitorado, que na verdade pode nem o conhecer, uma vez que era uma figura totalmente desconhecida quando chegou à liderança do partido. De resto, o PCP divulgou este mês outdoors com a fotografia sorridente do secretário-geral, uma estratégia que, não sendo a prática mais comum no partido, “não é inédita”. “Neste momento, é compreensível que seja assim”, admitiu o secretário-geral comunista ao Expresso.

O outro problema que vai além da notoriedade, até porque é anterior a Raimundo, é que, segundo as últimas votações do partido e as sondagens atuais, o PCP não tem conseguido conquistar o voto dessa população ressentida a que quer chegar — e só aumentando o número de votos e de deputados é que admite poder chegar a influenciar uma eventual governação socialista.

Raimundo sucedeu a Jerónimo. No programa de Cristina Ferreira disse que às vezes diz ao camarada: "Entalei tanto a tua vida, com tanta agenda que criei para ti, e agora olha, sobra"

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Acordo escrito e conversas pré-campanha podem prejudicar PCP

É sobre os moldes dessa influência que Raimundo tem dado pistas nos debates, em que começou a referir-se de forma direta à necessidade de “constituir maiorias” à esquerda ou à vontade de “condicionar” e “influenciar” o PS — assim o permita o número de deputados que a esquerda no geral, e o PCP em particular, somar. Durante o debate deste domingo, com Pedro Nuno Santos, o líder comunista fez questão de vincar as diferenças relativamente ao PS — sobretudo ao PS absoluto de António Costa — e de trazer para cima da mesa questões concretas em que o PCP gostaria de ver o PS mudar de opinião, leis laborais à cabeça.

Nesses pontos, e mesmo debatendo de forma aguerrida com Pedro Nuno Santos — que a meio do debate o desafiou a “agarrar-se” à memória da geringonça — Raimundo disse estar disponível para fazer um “debate sério” com o PS. E a certa altura enumerou algumas conquistas desse período, que disse terem acontecido pela ação “determinante” do PCP — Pedro Nuno juntou mais alguns exemplos de medidas aprovadas pela geringonça, mas torceu o nariz à palavra “determinante”.

Aliás, Raimundo já recordou repetidamente, durante os debates, o tabuleiro político que o PCP ajudou a “virar” em 2015 e a experiência da geringonça que dali saiu — a mesma experiência que o PCP tem recordado com pouca nostalgia desde que os acordos do PS acabaram. Em entrevista ao Expresso, o líder comunista detalhou o que quer dizer: “É a força que, com mais votos, mais força e mais deputados, está em condições de condicionar o PS e obrigá-lo a viabilizar questões positivas que de outra forma não virá por sua própria vontade”.

O que falta perceber, depois de assegurar que interessa sobretudo discutir “conteúdos” à esquerda, são os moldes em que os partidos poderiam conversar. Se o PCP insiste constantemente que não precisa de um acordo escrito e que em 2015 foi obrigado a assinar um por exigência do então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, desta vez Raimundo explica, na mesma entrevista ao Expresso, que o acordo escrito só “limita até onde se pode ir”. E recorda que medidas relevantes aprovadas pela geringonça, como o passe intermodal, o aumento extraordinário de pensões ou as creches gratuitas, não constavam do acordo inicial: “Tudo aquilo que se conseguiu recuperar e avançar, não foi porque está escrito, mas pela correlação de forças que obrigou a isso”.

Mesmo que o não aos documentos assinados não seja definitivo, como faz questão de esclarecer — “Não quero passar a ideia de que para nós não há nenhum acordo escrito. Essa não é a questão“. A questão é que dossiês como a legislação laboral, nó górdio nas relações à esquerda que ajudou a fazer ruir a geringonça, também não constam neste momento do programa do PS, e seriam um ponto que “muito dificilmente viria nesse acordo” — mas “se tivermos mais força, mais votos e mais deputados, isso pode ser um elemento determinante para, mesmo contra a vontade do PS, abrir esse caminho urgente. É um exemplo concreto onde poderíamos ir mais longe”. Palavra de Raimundo, que no debate jurou a Pedro Nuno que vai “acabar por acompanhar” o partido nestas medidas — porque, na tese comunista, será obrigado a isso pela força que o PCP há de recuperar.

O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, discursa durante a apresentação do programa eleitoral do PS, Lisboa, 11 de fevereiro de 2024.  JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Pedro Nuno Santos tem abertura para acordos à esquerda, mas só quer falar nisso depois das eleições

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

No partido, há quem explique ao Observador que falar mais concretamente nas formas que um acordo poderia assumir só sabotaria os objetivos dos comunistas. “O PCP está inteiramente disponível para debater soluções sobre a forma, subordinada que esteja às questões sobre o conteúdo“, diz fonte comunista ao Observador. “Se algum governo quiser governar à esquerda, seja do PS, seja do PS com o Bloco de Esquerda, não vai encontrar no PCP um obstáculo”.

Da mesma forma, o partido está indisponível para fazer dos diálogos com o PS o centro da sua campanha: “De acordo com os resultados, estaremos ou não em condições de acertar ou não um programa com o PS. Se não, estaríamos já a abdicar de tudo o que defendemos para chegar a acordo com o PS. Abdicaríamos já dos mil euros de salário mínimo este ano, um valor a que o PS só quer chegar em 2028?”, atira a mesma fonte, a título de exemplo.

Ou seja: só quando souber quantos deputados é que tem é que o PCP saberá que força tem, ou não, para negociar. Até lá, recusa condicionar-se à partida. Sempre insistindo que possíveis acordos não devem ser o alfa e o ómega da ação do partido, que o PCP não deve parecer um satélite do PS e que à partida não é preciso que haja, necessariamente, qualquer tipo de acordo formal que associe os dois partidos: mesmo para ter de viabilizar um governo socialista será preciso que alguém apresente uma moção de censura (como o Chega previsivelmente fará, nesse cenário). “O PCP está a tentar não fechar a porta [a acordos], mas está muito desconfiado“, analisa Pedro Tadeu, frisando que a questão dos salários estará no centro de um possível acordo à esquerda, o que implicaria necessariamente algumas mexidas difíceis nas leis laborais, como referiu Raimundo.

Além disso, argumenta o militante comunista, Pedro Nuno Santos encontra-se em dificuldades, a tentar encontrar um caminho em que “não se sinta traído a si próprio” enquanto cumpre compromissos com a Europa ou o “patronato”, e não está até agora a “conseguir transmitir uma ideia de mudança” — e o PCP precisa de que este seja um PS diferente do PS absoluto dos últimos anos. “Nos debates, Pedro Nuno é muito tímido do ponto de vista de propostas à esquerda. A sua aparente diminuição de espaço nas sondagens talvez tenha a ver com falta de convicção. Um terço de uma campanha é emoção. E se calhar o PCP tem de criar mais emoção”, admite Tadeu.

De qualquer forma, o analista chega à mesma conclusão que Raimundo e as várias fontes do partido com quem o Observador falou: tudo “depende muito dos resultados eleitorais”. São esses que vão ditar se o PCP consegue determinar alguma mudança no rumo do próximo governo ou se a sua tendência de perda se confirma — cenário no qual terá ainda menos força para negociar qualquer exigência.

Roteiro para a reedição da geringonça. Onde a esquerda pode entender-se e onde é mais difícil

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