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Líder do PS esteve no centro da geringonça entre 2015 e 2019 e sonha com a sua reedição para chegar ao poder.
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Líder do PS esteve no centro da geringonça entre 2015 e 2019 e sonha com a sua reedição para chegar ao poder.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Líder do PS esteve no centro da geringonça entre 2015 e 2019 e sonha com a sua reedição para chegar ao poder.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Roteiro para a reedição da geringonça. Onde a esquerda pode entender-se e onde é mais difícil

Há vontade à esquerda, embora não exista certeza de um resultado eleitoral que permita uma nova geringonça. Mas já há programas e o Observador foi ver se PS, PCP, BE e Livre têm caminho para fazer.

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As contas para o dia seguinte às eleições legislativas e eventuais acordos de governação que possam vir a desenhar-se multiplicam-se nos últimos tempos. À esquerda há caminho aberto para um entendimento, se conseguir uma maioria como aconteceu em 2015, numa espécie de reedição da “geringonça” mas com esse passado a pesar sobre os ombros de cada um dos parceiros. No PS mudou o líder, mas no PCP, Bloco de Esquerda e agora também no Livre (que também entra nas contas socialistas para esta frente) não mudaram as exigências e estão já fixadas quatro áreas de governação prioritárias onde é possível identificar caminhos comuns, mas também várias divergências (mais ou menos profundas). Seja a vontade de fazer acordos mais expressa — tem estado no centro da campanha de BE e Livre — ou mais vaga — o PCP não responde diretamente sobre o assunto, embora vá progressivamente apontando para a necessidade de “constituir maiorias” — todos concordam num ponto: é preciso falar de “conteúdos”.

Habitação, salários, Saúde, Educação já foram assumidas pelos potenciais parceiros do PS como áreas centrais para futuros entendimentos e o Observador foi olhar para os programas dos quatro partidos, nestas matérias, para perceber se há possibilidade de os quatro partido virem a entender-se se forem chamados a isso no dia 11 de março.

Há algumas diferenças de fundo, nomeadamente no papel dos privados na Saúde e nas leis laborais. Outros problemas ultrapassados, como a contagem do tempo dos professores, mas muitos ainda por acertar, caso das leis laborais e das respostas para os problemas na habitação, em que os partidos da esquerda têm não só ambições, como também ritmos diversos. E há até uma questão internacional, não tão divisiva como a NATO ou as questões europeias — que foram enfiadas na gaveta da geringonça –, mas com urgências diferentes entre as partes.

Habitação. Ambições diferentes no aumento do parque público e na resposta para as rendas

O tema da Habitação será dos mais quentes da campanha – não só por ser um dos que motivaram mais protestos nos anos de maioria absoluta, com os antigos parceiros do PS no tempo da geringonça a saírem à rua para dinamizar e incentivar essas manifestações, mas também porque essa era uma das pastas de Pedro Nuno Santos no Governo.

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Nos respetivos programas, os partidos à esquerda do PS disparam contra os socialistas sem hesitações, acusando-o de “cruzarem os braços e deixar o mercado andar por si”, de “recusarem aplicar qualquer medida estrutural” ou até de terem uma abordagem “tão liberal quanto a dos liberais”, no caso do BE; o PCP “inclui” o Governo do PS entre os que “incentivaram” a especulação, permitiram que a banca multiplicasse lucros e “adiaram” investimento em habitação pública. O próprio PS reconhece que Portugal tem “um dos mercados mais liberalizados” da Europa, prometendo criar “um verdadeiro quadro de regulação para resolver o problema”.

Se na construção todos estão de acordo, embora em graus diferentes, o outro pilar que a esquerda mais à esquerda do PS argumenta que é fundamental para baixar os preços da Habitação não está previsto no programa dos socialistas: tectos para as rendas

Ainda que essa intenção pareça ser comum, há vários aspetos que afastam os partidos – algumas diferenças são de fundo, outras têm a ver com a intensidade de aplicação das medidas. Um exemplo: todos querem mais construção, para ampliar o parque habitacional público, solução que por vezes se mistura com a reabilitação de fogos já existentes. Mas o Livre acredita que é possível passar dos atuais 2% de parque público para uns bem mais ambiciosos 10%; o PS fala em metade, 5%; o Bloco de Esquerda quer construir 80 mil casas – com 25% dedicadas a habitação acessível – e o PCP 50 mil. Todos os partidos têm medidas para mobilizar património público devoluto e acrescentam a intenção de aplicar uma “posse administrativa” de devolutos em condições específicas (uma medida com que o PS avançou no ano passado e descafeinou entretanto, perante críticas da direita; os socialistas falaram agora, de forma mais vaga, numa “gestão integrada do património público, de forma que responda às diferentes necessidades setoriais, em particular na habitação”).

Se na parte da construção todos estão de acordo, embora em graus diferentes, o outro pilar que a esquerda mais à esquerda do PS argumenta que é fundamental para baixar os preços da Habitação não está previsto no programa dos socialistas. Ou seja, tanto Bloco de Esquerda como PCP querem introduzir tectos para as rendas das casas; o PS concorda apenas com limitar as atualizações dos contratos, consoante a evolução dos salários (o BE fala, neste contexto, de ter em conta o poder de compra das famílias).

Há medidas em que a esquerda à esquerda do PS choca de frente com os socialistas: por exemplo, tanto Bloco de Esquerda como PCP querem que a Caixa Geral de Depósitos intervenha nos juros do crédito à Habitação, baixando-os de tal forma que o resto do mercado seja “arrastado” (versão do Bloco) ou que os valores do banco público “funcionem como referência” (versão do PCP) para todos. O Livre pede um alargamento dos critérios para a bonificação mensal dos juros.

Os partidos mais à esquerda incluem ainda medidas para acabar com os benefícios fiscais para residentes não habituais, limitar o alojamento local – sendo que o PS já impôs algumas limitações nesta legislatura, não querendo ir além destas – e revogar a chamada “lei dos despejos” ou “lei Cristas” – a lei de que Mariana Mortágua falava quando deu o exemplo do “sobressalto” da sua avó. E o Bloco vai mais longe, propondo a proibição de venda de casas a residentes não habituais.

Mortágua e Montenegro discutiram visões opostas para o país e PS foi usado como arma de arremesso

O PS traz algumas medidas novas, que consistem numa garantia pública para quem comprar casa e tiver até 40 anos – já o Livre quer emprestar dinheiro a quem comprar a primeira casa, até valores específicos –, ou num aumento da despesa dedutível com as rendas no IRS. A esquerda quer ainda que a banca seja obrigada a pagar uma contribuição para ajudar a financiar as medidas para a Habitação. E todos apresentam medidas para tornar mais abrangentes os apoios às rendas, por exemplo.

Feitas as contas, todos querem aumentar o parque público habitacional, ainda que em doses diferentes; divergem no controlo de rendas; e acrescentam, cada um na sua versão, medidas que acreditam que podem ajudar a disponibilizar mais casas (mais à esquerda, com fim da venda ou dos benefícios fiscais a residentes não habituais ou com limitações ao alojamento local) ou a apoiar os custos com Habitação (no caso do PS, com a nova garantia pública para comprar casa ou o aumento de despesas dedutíveis no IRS).

Salários. O nó górdio de um eventual acordo de esquerda

É aqui que se encontram vários dos principais nós nas negociações à esquerda, não fossem as leis laborais um ponto central de divergência entre PCP, BE e PS – e um dos pontos que fizeram com que a geringonça ruísse.

Ora desta vez os antigos parceiros do PS, que têm propostas bastante diferentes dos socialistas e do Livre, voltam à carga. Nos preâmbulos que dedicam à questão dos salários e do trabalho, partem para o ataque: o Bloco de Esquerda acusa a maioria absoluta do PS de ter “recusado proteger o salário de perdas reais” e de em vez disso ter “protegido o lucro dos grandes grupos da distribuição”, além de ter negociado aumentos insuficientes no âmbito do acordo de rendimentos que assinou com os patrões e a UGT.

“O resultado desta política foi uma transferência de rendimentos do trabalho para o capital e uma perda real de rendimento dos trabalhadores”, lamenta o partido de Mariana Mortágua, que acusa ainda o PS de ter aprovado uma “Agenda do Trabalho Digno” com medidas que ficaram aquém do necessário. O Bloco não exige menos do que uma “transformação estrutural das relações de trabalho” e uma “reversão do desequilíbrio que hoje é a marca da legislação laboral”. O PCP fala no mesmo sentido: reconhecendo que a geringonça, ou “nova fase da vida nacional”, permitiu repor direitos cortados no tempo da troika, acusa o PS de ter decidido “interromper esse caminho de alguma recuperação” e preferir aliar-se à direita para “retroceder nas condições de vida e de trabalho”.

O secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo (D), cumprimenta participantes num almoço da Coligação Democrática Unitária (CDU) com reformados da vila de Pias, Serpa, 07 de fevereiro de 2024. NUNO VEIGA/LUSA

NUNO VEIGA/LUSA

Resultado: bloquistas e comunistas continuam a exigir a reversão das medidas aplicadas pela troika, entre as quais se contam, neste primeiro caso com o acordo do Livre, o fim da caducidade da contratação coletiva (que o PS chegou a suspender, nos tempos da geringonça, mas não a revogar); o regresso à duração e montante do subsídio de desemprego pré-troika, assim como da indemnização por despedimento pré- troika (o regresso ao pagamento de 30 dias por ano de trabalho, em vez de 24); a reposição do tratamento mais favorável ao trabalhador na lei; a revogação do prolongamento do período experimental e a reposição dos 25 dias de férias e das 35 horas de trabalho semanal.

Ora nada disto se encontra no programa do PS, que fala em aprofundar os instrumentos de negociação coletiva, com um aumento de incentivos à sindicalização e ao associativismo empresarial. O partido de Pedro Nuno Santos foca-se sobretudo em continuar a implementar o acordo feito na concertação social sobre rendimentos e salários, mas promete apenas “aprofundar o diálogo”, “alargar o horizonte temporal” e “reforçar meios”, sem mais quantificações.

Todos querem aumentar salários – sendo que nesse acordo o que está previsto é 5,1% – em graus diferentes. Se o PS fala nessa referência para o aumento dos salários no geral e em “pelo menos” mil euros para o salário mínimo em 2028, o PCP quer um aumento geral de 15% nos salários e o salário mínimo nos mil euros já no próximo ano; o Bloco de Esquerda fala em 900 euros no salário mínimo, com aumentos anuais de 50 euros a partir daí, e num aumento de 500 euros no salário de entrada para técnicos superiores, ajustando os valores nos degraus seguintes; estabelece também a meta de que os salários representem 55% do peso do PIB nesta legislatura, sendo que o PS apontou para a média europeia (48,6%) como exemplo para o valor a atingir em 2026.

As propostas para acabar com falsos recibos verdes constam dos programas de BE, PCP e Livre, sendo que o PS acrescenta medidas para a plena execução do acordo para a formação profissional assinado em 2021 e uma lei-quadro para a mesma matéria. O Bloco propõe ainda a imposição de leques salariais para que um administrador não possa ganhar doze vezes o que um trabalhador ganha num ano – o PS fala no assunto mas para defender a “transparência nos leques salariais”.

Tanto BE como Livre querem começar a implementar (para o Bloco de forma voluntária, para o Livre reforçando a experiência que já existe) a semana de quatro dias. E o partido de Rui Tavares é o mais ambicioso na redução de horas de trabalho (quer 30h semanais) e aumento dos dias de férias (30 por ano). O Livre insiste ainda, sozinho, no programa piloto para o Rendimento Básico Incondicional, que custaria, segundo as suas contas, 30 milhões de euros (nesta versão experimental).

Saúde. O mundo que separa PS e esquerda na relação com privados

A Saúde é uma das áreas sob alta pressão, com o SNS a dar sinais de colapso que a esquerda à esquerda do PS não poupa na análise que faz da governação. Os próprios socialistas assumem que o investimento feito nos últimos anos foi insuficiente, já que os portugueses continuam a “despender uma parte elevada do seu rendimento em Saúde” e o Estado continua a ter de pagar serviços fora do SNS por incapacidade de resposta deste.

Os quatro partidos até se entendem na necessidade de reter profissionais no SNS, travando o êxodo para o privado, mas o PS é sempre mais contido na medida final, não se percebendo se Pedro Nuno Santos está confortável com o que já existe ou tem abertura para ir mais longe, nomeadamente, em direção ao que pretendem potenciais parceiros. E isto porque na proposta do PS apenas consta “incentivar a dedicação plena e em exclusividade ao SNS, assegurando a devida valorização das carreiras e a especialização clínica funcional”. Ora, no decreto lei que foi publicado no final do ano sobre este regime ficou fixado que os médicos que aderirem à dedicação plena terão como condições as 40 horas semanais de trabalho, um limite de 250 horas extraordinárias, em vez das atuais 150, e ainda uma jornada diária de trabalho de nove horas. Quanto ao aumento de remunerações, estará na ordem dos 25%.

Pedro Nuno Santos não detalha até onde pode ir o seu “incentivo” e se tenciona ir ao encontro do Bloco de Esquerda e do PCP que defendem majorações salariais para quem adere a este regime de, respetivamente, 40% ( o BE quer ainda que isso se reflita em 50% nos pontos de progressão na carreira) e 50% (os comunistas pretendem que ainda acresça 25% na contagem do tempo de serviço). As duas propostas estão muito acima do que o último Governo socialista, liderado por António Costa, acabou por consagrar no decreto que entrou em vigor este ano.

LUSA

E no Livre, Pedro Nuno Santos contará ainda com a oposição a que a revisão do regime “implique o retrocesso de direitos laborais, assegurando que não há aumento da jornada diária de trabalho, de horas extraordinárias por ano ou o fim da obrigatoriedade dos descansos compensatórios”.

A mesma indefinição para outra componente importante para a fixação de profissionais no SNS, a valorização de carreiras e salários. Pedro Nuno só se compromete com “negociações imediatas” com os profissionais de Saúde, sem dizer até onde está disposto a ir. No BE, tem a proposta de uma valorização salarial, que decorra da revisão das carreiras, num “valor mínimo de 150 euros” e ainda um estatuto de “risco e de penosidade” para os profissionais e a “antecipação da idade da reforma sem penalização”.

O PS é, no entanto, o único que equaciona poder levar mais longe o compromisso dos médicos com o SNS ao propor a avaliação de medidas polémicas para os sindicatos e a Ordem dos Médicos, como um “tempo mínimo de dedicação ao SNS” depois da especialização dos médicos e até a compensação do Estado pelo investimento na formação que foi feito nos médicos que decidam emigrar.

Na Saúde, o busílis maior será na gestão dos privados. Pedro Nuno Santos diz não existirem dogmas, mas para a esquerda à sua esquerda existem.

Em matéria de incentivos à fixação de profissionais de saúde no SNS, a concertação mais fácil deverá mesmo ser quanto às “zonas carenciadas”, com os quatro partidos da esquerda a defenderem que devem ser criados apoios específicos a profissionais que se fixem nestas áreas, nomeadamente apoios à habitação.

O busílis maior será na gestão dos privados. Pedro Nuno Santos tem moderado o seu discurso em relação aos privados, negando que tenha “algum dogma” nessa matéria que divide de forma clara a esquerda e a direita em matéria de serviços públicos. E até já apareceu, no debate contra Rui Rocha da Iniciativa Liberal, a admitir o regresso às parcerias-público privadas (PPP) na Saúde “se se entender que é uma melhor solução”. Ora, os acordos do passado com a esquerda estiveram na origem da não renovação dos contratos de gestão privada que aconteciam nos Hospitais de Loures e Vila Franca de Xira, e também na existência de novos contratos — embora António Costa tenha sempre atribuído o fim das PPP na Saúde aos privados, sacudindo responsabilidades políticas nessa decisão.

Mais fácil será chegar a acordo sobre uma carreira de médico dentista no SNS, que faz o pleno nas propostas dos quatro partidos da esquerda. Bem como o reforço da resposta para a saúde oral no SNS e aqui o BE — que na área da Saúde é um dos partidos mais detalhado nas propostas — fala num rácio de um dentista por cada 25 mil habitantes.

PS justifica medidas polémicas para os médicos: são só uma “possibilidade” e não serão aplicadas sem “negociação e aceitação” prévia

Quanto à carreira dos enfermeiros, também existe um entendimento transversal sobre a necessidade de generalizar estes cuidados a toda a população e introduzir melhorias na carreira, com o PS a colocar a fasquia na equiparação da “posição de entrada dos enfermeiros aos licenciados da carreira geral da Administração Pública”.  Os socialistas também defendem uma ideia que promete polémica, no que diz respeito a esta atividade, ao defender a promoção de “uma maior abrangência de atividade de enfermagem, sobretudo nos contextos em que a resposta médica é insuficiente, aumentando a capacidade de prestação de cuidados de proximidade” — uma medida que até pode não chocar a esquerda, mas terá maior dificuldade noutra frente de negociação nestas matérias para quem quer ser Governo: os médicos.

O Bloco de Esquerda inclui ainda no capítulo da Saúde a questão da Eutanásia, pressionando com a necessidade de regulamentar a lei que foi aprovada no Parlamento — e que sublinha que o Governo socialista deixa por fazer. “Entretanto a extrema-direita tornou pública a sua intenção de fazer da revogação da lei a sua primeira iniciativa. E a direita tradicional teima em não aceitar a derrota da sua batalha constitucional contra a lei”, consta no programa do Bloco sobre este assunto. O mesmo tom de urgência da regulamentação é usado pelo Livre. O PCP (que é contra a morte medicamente assistida) não refere a questão no seu programa e o PS — que teve a maioria da bancada a votar a favor da legalização — não tem uma linha no seu programa sobre este assunto.

Educação. Um passado (quase) para trás das costas

Há um ponto que a mudança de líder no PS aligeirou nesta frente de alta sensibilidade: Pedro Nuno Santos assumiu o compromisso, ainda antes de ser secretário-geral, de repor a contagem integral do tempo de serviço dos professores. Os quatro partidos da esquerda têm, assim, inscritos no seu programa a mesma media, mas nem tudo serão rosas, se vier estar no topo da mesa do Conselho de Ministros e tiver de encontrar acordos com a esquerda, já que no Bloco, por exemplo, a urgência para a reposição é diferente.

No partido de Mariana Mortágua, o programa não diz mas a coordenadora do BE já veio definir que o reposicionamento dos professores na carreira deve ser feito num ano. Pedro Nuno Santos já disse que tenciona fazê-lo de forma faseada, comprometendo-se a que os 6 anos, 6 meses e 23 dias congelados sejam repostos no tempo de uma legislatura — ou seja, em quatro anos.

A coordenadora nacional do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua (D), à chegada para uma visita à cantina da Escola EB1 das Galinheiras, em Lisboa, 01 de fevereiro de 2024. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Mas existe uma base para entendimento, depois de oito anos em que o tema foi sempre recusado por António Costa, ao ponto de ameaçar mesmo com a demissão, em 2019, perante uma “coligação negativa” para o seu Governo formada na Assembleia da República. PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda e PCP aprovaram, na votação na especialidade do Orçamento do Estado, várias alterações ao decreto-lei do Governo, para que fosse possível a recuperação de todo o tempo de serviço dos professores que esteve congelado (na altura eram os nove anos, quatro meses e dois dias). O calendário para a devolução ficaria nas mãos do Governo, mas um terço teria de ser pago logo nesse mesmo ano.

António Costa dramatizou a situação, ao mesmo tempo que o seu ministro das Finanças de então, Mário Centeno, acenava com uma conta sobre quanto custaria a medida aos cofres do Estado: 800 milhões de euros. A direita acabou por recuar e condicionar a reposição do tempo à situação económica do país, para não pôr em causa objetivos orçamentais. Com Pedro Nuno Santos à frente do PS, a tarefa parece menos hercúlea para a esquerda.

Outra questão que não parece levantar problemas à esquerda é a do acesso gratuito e público ao pré-escolar a partir dos três anos. Os socialistas até se comprometem, no seu programa, em tornar a frequência obrigatória a partir dos quatro anos de idade e todos estão de acordo que seja gratuito a partir dos três anos e também na necessidade de ampliar essa oferta. Os comunistas têm agarrado esta bandeira, e com a outra mão a dos manuais escolares gratuitos que voltam a hastear agora, para pedir que seja alargada também aos livros de fichas. Mas os socialistas, no seu programa, só se referem ao manuais escolares gratuitos para chamar a si a responsabilidade pela implementação da medida, como uma das que “reforçou os orçamentos familiares”. Não de comprometem com qualquer alargamento.

A distância entre as partes volta a ser assinalável quando o tema é a redução do número de alunos por turma. PCP, Livre e BE querem que aconteça, o PS não se compromete com nada. 

Eventuais bloqueios em matéria de Educação podem aparecer também a outros níveis como por exemplo em relação à vontade unânime de BE, Livre e PCP de acabarem com as quotas de acesso aos 5º e 7º escalões da carreira dos professores. O Governo já desbloqueou alguns casos — no final do ano passado, o Executivo veio garantir que cerca de 50% de docentes tiveram condições de transitar para o 5º escalão e 33% para o 7º escalão — , mas a intenção da esquerda é eliminar de vez esse bloqueio e os socialistas não têm nada no seu programa no mesmo sentido. O mesmo sobre um “regime específico para a aposentação” dos professores que os comunistas defendem e onde os bloquistas também pedem um “regime temporário de antecipação” voluntário para professores com idade próxima da reforma.

A distância entre as partes volta a ser assinalável quando o tema é a redução do número de alunos por turma, uma proposta que a esquerda à esquerda do PS defende, mas com que os socialistas não se comprometem ir mais além. Bem como a revisão do sistema de desempenho — que custou a maioria absoluta a José Sócrates em 2009, depois de protestos significativos na rua por parte dos professores — em que o Bloco continua a insistir.

Quanto a currículos escolares, enquanto PCP, BE e Livre falam na necessidade de uma “revisão curricular”, o PS cinge-se ao ensino secundário científico-humanístico (aquele que é vocacionado para a continuação dos estudos ao nível superior), apontando apenas para a necessidade de um “tronco comum mais robusto e maiores possibilidades de opções”. Também propõe a criação de escolas de artes “que agreguem as diferentes ofertas de ensino artístico especializado” e , neste ponto, podem encontrar-se facilmente com o PCP que também defende a oferta pública de ensino artístico especializado. A “valorização do ensino artístico” também é, de resto, uma preocupação do Livre, que a refere no seu programa de forma menos detalhada.

Reformas maiores é que têm menos encontros, neste cruzamento de programas, como é o caso da revisão das provas nacionais que hoje existem. À esquerda as propostas são diversas: Bloco quer acabar com as provas nacionais no 9º ano, o PCP defende a eliminação dos 2º. 5º e 8º anos, o Livre quer “repensar a realização obrigatória dos exames nacionais no ensino secundário e estudar formas alternativas e/ou complementares para acesso ao ensino superior”. Há propostas para todos os gostos, menos no PS que não parece interessado em entrar por este campo, já que não tem nenhuma proposta sobre estes momentos de avaliação dos alunos — embora seja o único a propor um apoio especial para os alunos que frequentaram os primeiro e segundo ciclos durante a pandemia, com “testes de diagnóstico” e “planos personalizados de recuperação das aprendizagens”.

Em resumo, se depois de anos de desencontro, a esquerda aparece alinhada na recuperação do tempo de serviço que ficou congelado para os professores, ainda haverá acertos a fazer. Mais difícil parecem outros entendimentos, como o desbloqueio de acesso a dois escalões da carreira docente ou aposentações específicas para professores, ou ainda a redução do número de alunos por turma, a revisão de currículos ou ainda os exames nacionais que hoje existem. Em matéria de Educação, o caminho mais sereno para a esquerda — caso venha a estar em posição de ter de se entender — parece ser mesmo a universalização do pré-escolar a partir dos três anos. Daí para a frente, o caminho parece mais espinhoso.

Estado da Palestina. Urgências diferentes para o reconhecimento

A questão do reconhecimento do Estado da Palestina não é exatamente divisiva na esquerda – o que divide realmente os partidos é decidir quando e em que moldes é que isso deve acontecer. Desde logo, o próprio reconhecimento da solução dos dois Estados, defendida pela ONU, implica por si só necessariamente um reconhecimento da Palestina enquanto Estado – e é isso que está no programa do PS, que quer “defender intransigentemente a solução de dois Estados”, contribuindo para que vivam “lado a lado em paz e segurança”.

Ora os outros partidos querem que esse reconhecimento aconteça já, sem depender de negociações com países “parceiros”, como defende o PS. No seu programa, o PCP pede “o cumprimento dos direitos nacionais do povo palestiniano, com a criação do Estado da palestiniano”. O Bloco de Esquerda acusa o Governo de não ter “coragem” para avançar com este passo e exige um “reconhecimento imediato do Estado da Palestina por parte de Portugal”, assim como uma “iniciativa para investigação e julgamento do governo de Israel por crimes de guerra e genocídio”.

Já o Livre propõe reconhecer uma Palestina independente “com as fronteiras de 1967 definidas pelas Nações Unidas”, “com vista à implementação da solução de dois Estados internacionalmente reconhecidos, Israel e Palestina, como condição necessária à paz e segurança na região”. E também argumenta a favor do apoio a “todas as diligências da justiça internacional para investigação de crimes de guerra e de genocídio”.

 
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