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Segurança, impressoras portáteis, pet stops e uvas. Estivemos nos bastidores de Chega, IL, BE, CDU, PAN e Livre

De seguranças a animais, de restaurantes favoritos a uvas, de fogo de artifício ao Tik Tok. Os bastidores das campanhas dos partidos pequenos que percorrem quilómetros para tentarem ser grandes.

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Não têm os meios das maiores campanhas, lutam por crescer e sabem que, quanto mais votos tiverem, mais probabilidades têm de influenciar (ou mesmo fazer parte) de um futuro Governo. Uns apostam mais nos centros urbanos, principalmente Lisboa e Porto, outros não dispensam bastiões no interior do país. Chega, IL, BE, CDU, PAN e Livre tem máquinas com pesos diferentes, mas as campanhas e voltas nacionais são tão exigentes como as dos maiores partidos.

Ao mesmo tempo que acompanhou os bastidores dos dois maiores partidos, o Observador teve jornalistas dentro das máquinas de campanha dos partidos mais pequenos. André Ventura, do Chega, mantém uma segurança apertada, com contributo de um antigo lançador do peso, dá tudo para os jovens no Tik Tok e até fez um upgrade dos Papa Ortigas para o popular Quim Barreiros para a derradeira ação de campanha. Rui Rocha segue, rodeado da cúpula, no autocarro da IL que já conta com 7350 quilómetros. Vai a casa tantas vezes quanto pode, já que a mulher, como revelou no programa de Cristina Ferreira, adoeceu. Fruto que não dispensa na estrada: uvas.

Mariana Mortágua, líder do BE, anda sempre com uma impressora no carro, já que gosta de escrever os próprios discursos sozinha, apesar de aceitar conselhos de outras figuras, como Louçã. Já Paulo Raimundo, dispensa o uso do telemóvel, ao qual quase nunca recorre. Como anda muito por terras alentejanas e pelo distrito de Setúbal vai quase sempre dormir a casa, na Moita. A líder do PAN, Inês Sousa Real, faz uma pet stop para ver o gato Mikas sempre que passa por Lisboa, mesmo que isso atrase a comitiva. A caravana teve uma visão mágica que entende que dará sorte: avistou baleias onde não era provável na Madeira, região onde deu a mão ao PSD. Rui Tavares lembra o acidente de Santana Lopes na A1 para avisar os seus camaradas de partido para irem devagar na estrada, quando não estão por perto da régie na base, no Príncipe Real. Eis os bastidores das campanhas dos pequenos que querem ser grandes.

[Já saiu o segundo episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui]

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Chega. As (muitas) horas para as redes, o fogo de artifício antes do tempo e o sonho ao som de “O Conquistador”

Teresa e Carolina entram disparadas no restaurante em Viana de Castelo. Seguem pelo corredor central entre mesas cheias de apoiantes do Chega e, em passo apressado, dirigem-se à última mesa, aquela que está mais próxima do palco. Querem uma fotografia com André Ventura. O desejo, embalado pela possibilidade de estarem perto de alguém que idolatram, deixa transpirar o nervosismo normal da idade. Ainda nem sequer votam. Mas quando a vontade está prestes a tornar-se a realidade, um segurança levanta-se apressado da mesa do lado e trava-as a meio do corredor. Não podem passar dali.

Foi assim em todos os comícios do Chega: André Ventura fica numa mesa com a comitiva mais próxima que o acompanha na volta pelo país, abre espaço para o presidente ou alguém da distrital e mal tem contacto com quem está no comício — à exceção dos momentos das selfies que vão acontecendo sempre que o cansaço não aperta. À entrada e saída de cada espaço, a segurança apertada de todos os dias, com guarda-costas sempre no terreno — são cinco divididos por três carros — e responsáveis por todos os movimentos à volta de Ventura. E um deles é Marco Fortes, conhecido por ter sido atleta olímpico português e especialista no lançamento do peso. O lançador tornou-se famoso pela frase “de manhã só se está bem é na caminha”, mas como segurança tem de estar sempre de olhos bem abertos.

LUSA

Antes de Ventura chegar a qualquer lugar há uma equipa avançada que prepara o terreno, mais tarde chega a comitiva de Ventura numa carrinha. Estão sempre todos em contacto através do telemóvel e sabem, ao minuto, onde está o presidente do Chega e quanto tempo falta para que chegue. Desta vez, a rota nacional contou com vários lugares fixos: Rui Paulo Sousa, Pedro Pinto, Rita Matias, Patrícia Carvalho, Ricardo Regalla, Rui Cardoso, Madalena Cordeiro e João Campos. Quando há um lugar a mais, um deles vai no veículo avançado. Além de João Campos — que anda sempre de câmara em punho para alimentar as redes sociais com fotografia — Rui Cardoso e Madalena Cordeiro são as novas coqueluches do núcleo duro — e ambos candidatos à lista por Lisboa. São os mais próximos do líder e aqueles de quem, em jeito de brincadeira, disse que estava “farto” num vídeo do TikTok.

É exatamente nas redes sociais que está o foco do partido nestas eleições. E, para quem andou de comício em comício, é a fazer vídeos que André Ventura e a sua comitiva passam grande parte do tempo. À boleia dos assuntos do dia ou daqueles a que o partido quer dar mais destaque, a comitiva reúne-se para brainstormings e usa o que tem à mão para falar para as pessoas. Literalmente o que tem mais à mão: desde bares de hotel, copos de gin, velas, cordas ou mesmo  uma piscina, tudo serve para transformar mensagens políticas em propaganda nas redes sociais. O trabalho seguinte é feito por Patrícia Carvalho, que além de ser a ponte entre a comitiva e os jornalistas, é também quem grava, edita e publica todos os vídeos que chegam às redes do Chega.

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E se é verdade que Ventura andou fechado com eventos dentro de portas durante quase toda a campanha — e até negou que estivesse a fazer ações sem os jornalistas (“sabem que vos adoro, acham que iria a algum lado sem vocês?”, chegou a dizer), não é menos verdade que essa campanha seja feita muito intensamente nas redes sociais: ao décimo dia de campanha, já tinha publicado mais de 40 conteúdos nas rede social X (antigo Twitter), 64 no Instagram e 10 no TikTok — sendo que há conteúdos que nem chegam às duas primeiras plataformas e são feitos apenas para o público-alvo mais jovem do Tik Tok. Além dos vídeos produzidos pela comitiva, também há partilhas de títulos de notícias ou imagens retiradas da televisão, bem como sondagens — e muitas. Ventura sabe para quem fala e adapta-se.

Demorou bem mais a adaptar a campanha que começou por ser dentro de portas e que, já na segunda semana, mudou de rumo com um regresso à rua. E além dos anúncios de arruadas, tinha uma na manga já preparada há mais de um mês: uma festa no final da tradicional arruada no Chiado a terminar com um concerto de Quim Barreiros no Terreiro do Paço. A ideia foi de Ricky, o responsável de audiovisuais que há muito acompanha o partido e que, há vários meses, propôs a Ventura uma festa para encerrar a campanha e festejar o Dia da Mulher em simultâneo. Inicialmente estava previsto atuar com a sua própria banda, os Papa Ortigas, mas teve uma “ideia maluca”, sonhou mais alto, André Ventura adorou e o artista popular aceitou.

LUSA

Antes do derradeiro encerramento, a festa fez-se mais cedo do que o esperado num comício em Vouzela, na Guarda. Quando tudo estava preparado para receber André Ventura com vários minutos de fogo de artifício, os foguetes acabaram por ser lançados quando o presidente do Chega ainda ia a caminho. Assistiu a tudo… mas à distância. Um outro carro da comitiva enganou os responsáveis, que estragaram o momento pensado para uma entrada em festa de André Ventura. O problema é que lançar foguetes antes da festa dá azar e André Ventura quer esquecer o imprevisto e comprar foguetes só para 10 de março.

Até esse dia, vai-se cruzando com jovens a chorar porque o adoram, dá autógrafos e tira o lugar ao Marcelo como o rei das selfies. E nos comícios anda a ouvir em loopO Conquistador”, dos Da Vinci. Não há comício sem hino nacional, mas não há saída de Ventura sem a música portuguesa que fala das conquistas pelo mundo. Esta toca repetidamente desde que Ventura sai do palco até sair da sala do comício, independentemente do tempo que por lá fica. Esperançoso de que vai sair conquistador na noite eleitoral, também deixa escapar uns ataques de lucidez, como aconteceu durante uma arruada em Beja em que, entredentes, assumia a que ia ao lado: “Se cada ok fosse um voto tínhamos maioria absoluta.”

IL. A cúpula sempre presente, o compartimento no autocarro e a escolha dos restaurantes

O autocarro azul que transporta a cúpula da Iniciativa Liberal por todo o país tem uma divisória a meio, para garantir algum resguardo ao líder, que se desloca na parte de trás do veículo. Não é um compartimento exclusivo, viaja acompanhado pelos outros dirigentes do partido, mas é Rui Rocha que marca o ritmo: se é para discutir próximos passos estratégicos na campanha ou a melhor forma de reagir a determinados temas que surgem, todos alinham; se lhe apetece descansar, todos respeitam.

Sempre presentes desde o início oficial da campanha estão o líder parlamentar, Rodrigo Saraiva, um dos principais conselheiros em todos os momentos; Ricardo Pais Oliveira, vice-presidente da IL e responsável por toda a comunicação na rua e nas redes sociais (o post que ataca dez candidatos da AD em confronto direto com nomes da IL nunca poderia ser publicado sem o seu aval, por exemplo); Miguel Rangel, secretário-geral do partido e diretor da campanha, em toda a parte operacional e logística — é ele que tem de fazer ajustamentos e inventar uma alternativa à arruada desta noite em Coimbra se se confirmar a chuvada prevista, por exemplo; e ainda o Octávio Lousada Oliveira, o assessor de imprensa, e a equipa multimédia que grava as intervenções do líder para partilhar nas redes.

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Com muita regularidade ao longo destes dias, têm também estado presentes Bernardo Blanco, cabeça de lista por Lisboa (a quem coube a coordenação da equipa que preparou os debates antes da campanha) e Mariana Leitão, a chefe de gabinete que agora é a número 2 na lista por Lisboa. Bernardo Blanco e Mariana Leitão falharam a incursão pelo sul do país nos primeiros dias da semana passada, mas de resto têm estado quase sempre, mesmo quando a campanha ruma a norte.

Os ex-líderes, Carlos Guimarães Pinto e João Cotrim Figueiredo, têm sido reservados para comícios no Porto e em Lisboa, em que têm autonomia para decidir as intervenções, mas partilham com o líder as linhas gerais do que vão dizer.

Rui Rocha tem compatibilizado esta campanha com uma situação difícil a nível pessoal, marcada por uma doença da mulher como o próprio revelou a Cristina Ferreira na TVI. O acompanhamento possível à mulher tem condicionado as deslocações e disponibilidade do líder do partido, que faz questão de reservar tempo para ir a casa sempre que possível.

Nas viagens de autocarro, em que já percorreu 7350 km desde a pré-campanha, o presidente do partido lê notícias e ouve podcasts, para tentar estar permanentemente atualizado e poder preparar respostas sobre os temas do dia, nas 2 a 3 vezes em que presta declarações aos jornalistas, no fim de cada ação de campanha. Muitas vezes ouve a opinião da equipa que o acompanha, sobre a melhor resposta a dar em certos temas, mas também sobre a estratégia política a seguir, como por exemplo o pedido de uma maioria clara para a AD e a IL ou a intensificação dos desafios e críticas a Luís Montenegro, para responder aos apelos ao voto útil feitos pela AD.

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Entre tantas viagens, reuniões e arruadas, não sobra muito tempo para distrações extra-política. Ainda espreitou o seu Sporting a vencer o Benfica para a Taça de Portugal, mas já não viu nada da goleada do FC Porto às águias por 5-0: jantou com a equipa num restaurante sem televisão (e não se juntou à volta dos companheiros de partido que seguiam a transmissão num telemóvel).

Restaurantes é um tema em que gosta de ter uma palavra a dizer — e que entra na campanha de diversas formas. Na arruada em Lisboa, foi ao seu restaurante preferido (O Moisés), conversar com os empregados à frente dos jornalistas; antes, no encontro com o presidente da União das Misericórdias, prometeram ambos trocar recomendações de restaurantes e na Póvoa do Lanhoso, na parte da conversa para quebrar o gelo; esta quarta-feira, no Porto, foi ele que sugeriu que fossem almoçar à Cufra, restaurante que frequenta habitualmente quando passa pela cidade. Tanto em campanha como fora dela, há um fruto que não dispensa ir picando: uvas.

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Bloco. Uma campanha de gatos e memes, uma impressora omnipresente e os corações de Mortágua

A equipa do Bloco de Esquerda percebeu que tinha uma potencial mina de ouro em mãos quando, no debate contra Luís Montenegro, o líder do PSD perguntou a Mariana Mortágua se podia interrompê-la e a bloquista atirou de volta: “Não, não pode”. É a tirada ideal, curta e assertiva, para resultar nas redes sociais, e assim foi: a frase “explodiu completamente” entre os internautas e o partido decidiu puxar por ela, começando aí uma mini-tradição de desenhar azulejos com frases marcantes dos debates, para gerar mais partilhas (ao “não, não pode” seguiu-se o “acalme-se” de Mortágua para André Ventura; o debate contra Rui Rocha inspirou o azulejo em que se lia “a Mariana percebe de economia, o Rui de economato”; e o confronto entre o dirigente e candidato Fabian Figueiredo e a deputada do Chega Rita Matias, em que a segunda acusou o primeiro de ter perdido um lugar — que não tinha — no Parlamento, gerou o “eu não era candidato, Rita”).

Focado no apelo ao voto jovem, o Bloco fez as contas e entendeu que teria a ganhar em apostar numa “memeficação” da campanha, pelo que a simplificação da mensagem não se ficou pelos azulejos: o partido começou a produzir os seus próprios memes — há vários exemplos de imagens de gatinhos tristes quando se lembram do legado de Pedro Passos Coelho, por exemplo — e a fazer cortes de vídeos gozões, entrando na competição direta com o Chega para explorar as suas possibilidades e chegar a mais jovens no Tik Tok. Há compilações que mostram Mortágua a atacar Ventura nos debates, enquanto correm lágrimas fictícias e desenhadas pelo rosto do líder do Chega, ou trechos do encontro de Luís Montenegro com duas idosas que se queixaram dos cortes de pensões no tempo da troika, uma versão musicada estilo remix. Uma “nova identidade” para as redes do Bloco, explica-se no partido: “foi a internet que empurrou” os bloquistas para isso, mas entretanto acrescentaram-se “milhares” de seguidores às contas do partido de Mortágua.

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Mas saindo dos ecrãs e voltando ao terreno, com uma líder que nem sequer é particularmente fã de redes sociais: uma campanha eleitoral não seria uma campanha eleitoral se não fosse mais o tempo passado dentro do carro do que fora dele. E é por isso que Mariana Mortágua conta com instrumentos úteis e mais old school sempre à mão, incluindo até uma impressora dentro do próprio carro. É um bem essencial, até porque ao contrário da sua antecessora, com quem discute algumas intervenções, a nova líder do Bloco gosta de escrever os discursos inteiros (Catarina Martins apostava mais em anotar tópicos) e foca-se em dedicar cada discurso num tema específico. Além disso, sendo Mortágua conhecida por estudar e por se preparar ao pormenor – a propósito das comissões de inquérito que a celebrizaram, explicou que não gosta de entregar a pesquisa a outras pessoas – todos os minutos no carro contam para ultimar as intervenções e, finalmente, usar a tal impressora móvel.

Nesta reta final, além dos assessores de imprensa, João Curvêlo e Catarina Oliveira, do diretor de campanha, Adriano Campos, e da fotógrafa do partido, Ana Mendes, Mortágua tem contado com companhias de peso: nos últimos dias, Francisco Louçã e Catarina Martins entraram na carrinha e passaram a integrar a comitiva da volta nacional; nos primeiros dias, a líder tinha tido a companhia e os conselhos, de forma alternada, de dirigentes como José Gusmão e Jorge Costa — fazem o papel que a própria Mortágua fazia antes, quando enquanto dirigente e deputada acompanhava Catarina Martins em boa parte das deslocações.

É dentro do carro que Mortágua passa muito tempo a ver notícias, mas também varia nos conteúdos – a equipa gosta de ver o programa de Ricardo Araújo Pereira, onde esta semana também participou, enquanto viaja. Depois, quando sai do carro, lança-se ao programa de festas habitual, que é repetido como um ritual todos os dias da campanha: uma visita (a associações, protestos e por aí fora) de manhã; uma arruada à tarde; e um comício à noite. Para todas leva um soundbite preparado e, nos discursos, depois da mensagem temática, reserva os minutos finais para o recado político que mais facilmente entra nos títulos e nos telejornais. Antes disso, há sempre um momento musical, mas nada de música pimba nem de artistas muito mainstream: são normalmente alguns minutos de música de intervenção, com bastante Zeca Afonso pelo meio (num dos comícios, a viúva do cantautor esteve mesmo presente).

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Havendo dúvidas sobre a “empatia” que seria capaz de criar nas ruas, até por ser descrita por quem a conhece como uma pessoa algo tímida, Mortágua esforça-se por desfazer essa ideia: nas ruas, orientada pela assessoria e por Adriano Campos – que por vezes lança os cânticos, quando não se estão a ouvir bem, ou no final indica que é hora de a arruada acabar (“despede-te!”) –, Mortágua mostra-se no auge da disponibilidade, distribui sorrisos por quem passa, até oferece beijos e abraços por sua iniciativa assim que vê alguém com a mínima abertura para isso, propõe selfies e agarra-se às mãos de quem lhe fala. A maneira de distribuir afeto quando está longe da pessoa a quem quer chegar passa agora por formar os contornos de um coração com as mãos, gesto estilo pop star que os apoiantes apreciam. Mostra paciência para repetir praticamente as mesmas declarações para cada direto televisivo, mas a comitiva vai-se queixando de que com a bolha de jornalistas e câmaras se torna difícil chegar à fala com quem passa.

Nem sempre a conversa é muito desenvolvida, de vez em quando tem mesmo de se apresentar e clarificar quem é  – há quem ainda faça confusão entre “a Mariana”, a “Catarina” ou “a irmã” [Joana Mortágua] – mas por vezes os diálogos prolongam-se. Nos comícios, começa a instalar-se a prática de ficar sempre até bem depois da hora do fim, para tirar ainda mais selfies – e é por causa de situações dessas que tem saltado refeições. Ainda partilhou com Marisa Matias e José Soeiro um doce (“delícia do Porto”) no mercado do Bolhão, mas não provou uma cerveja artesanal (produto de que gosta bastante) num café em Coimbra, para se concentrar na arruada que tinha para fazer. Não vai além disto para fazer grandes números mediáticos, mas nota-se que está progressivamente solta — embora a equipa tenha noção de que a boa receção que genericamente consegue nas ruas é mais uma garantia de simpatia do público do que de votos nas urnas.

Até ver teve poucos encontros indesejados, mas quando no Porto surgiu uma mulher que lhe gritou “mentirosa!”, esta foi rapidamente bloqueada pela comitiva, que seguiu em passo rápido e mantendo a líder no centro do grupo. A campanha tem contado com outras “surpresas e coincidências”, como diz Adriano Campos ao Observador: em Guimarães, uma mulher interrompeu-lhe um discurso sobre habitação para se queixar da dificuldade em pagar essas contas, o que foi aproveitado por Mortágua, que convidou a mulher, sua homónima, a subir ao palco. Depois, calhou Passos Coelho associar, num discurso, uma sensação de insegurança à imigração, o que encaixou bem na agenda de Mortágua, que no dia seguinte arrancava por uma escola em São Teotónio (Odemira) que acolhe alunos de 20 nacionalidades para falar num “bom exemplo” de integração.

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A pior surpresa terá sido a do militante do Bloco de Esquerda, indicado para estar numa mesa de voto em Aveiro, que escreveu num tweet que não iria contar com os votos da AD e do Chega. O partido tentou fazer controlo de danos o mais rápido que pôde – contactou o militante para que retirasse a “piada de mau gosto” das redes sociais e pedisse dispensa da mesa de voto – mas o mal estava feito e, dias depois, surgiria André Ventura com a fotografia da publicação nas mãos, para lançar dúvidas sobre o processo eleitoral. O Bloco está convencido de que arrumou o assunto rapidamente, ainda que admita em surdina que este provocou algum ruído. Até à reta final, a ideia é mesmo que a campanha se mantenha oleada e sem sustos, em “crescendo” – uma garantia clássica de qualquer partido, em qualquer campanha – e a contar com a presença das figuras de maior peso no Bloco, mas também de fora: o partido ultima agora os pormenores para que António Sampaio da Nóvoa se junte a uma ação, previsivelmente no último dia de campanha, apurou o Observador.

CDU esforça-se por controlar universo, mas o secretário-geral nem sempre segue o plano

Apesar de girar em torno do trabalho coletivo, dividindo tarefa a tarefa até ao dia de eleições, a campanha da CDU para as eleições de 10 de março arrancou com uma grande novidade. Um novo secretário-geral. E há diferenças que acabam por marcar a campanha de Jerónimo e de Raimundo. A começar pelo cunho que Paulo Raimundo dá à campanha. Há um guião que o secretário-geral cumpre (quase) à risca. Como exemplo disso são os (muitos) discursos improvisados e até a presença que Raimundo passa em palco, quase sempre abdica do suporte do microfone que é montado à frente de um pequeno palco com o azul e branco da CDU, toma o microfone nas mãos e deixa o discurso escrito em pequenas páginas de papel A5 guardadas no bolso ou fora de vista.

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Nem sempre o que está escrito no papel é o que sai da boca do secretário-geral. E há alguns exemplos disso. Primeiro, um encontro com micro, pequenos e médios empresários em Alcácer do Sal, onde escreveu e reescreveu o discurso depois de ter ouvido o testemunho de pequenos empresários apoiantes da CDU e deixou o papel para trás. O mesmo na arruada na Baixa da Banheira, uma das mais participadas da campanha comunista, durante a qual fugiu várias vezes da própria comitiva (para ir ao encontro de pessoas em janelas das suas casas ou à porta de pequenas lojas ou cafés) e para a qual nem levou um discurso escrito.

É o cunho que Paulo Raimundo trouxe à campanha da CDU, campanhas eleitorais que não lhe são novidade, ao contrário dos holofotes quando fala enquanto secretário-geral. Tem um núcleo de pessoas sempre a rodeá-lo. Dois assessores, um motorista e “camaradas” que dão apoio logístico ou apoio político que nunca se aproximam dos jornalistas. O núcleo duro viaja em dois carros separados com vidros escuros. Mas não têm reuniões em halls ou quartos de hotel no final de cada dia de campanha. Aliás, Raimundo foi quase sempre dormir a casa, à Moita, onde vive com uma mulher e com três filhos (a mais nova com quatro anos).

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Ainda assim, o seu núcleo duro garante que o “acompanhamento” do trabalho do secretário-geral é feito “em permanência” e em “continuidade”. Raimundo escolhe não levar o telemóvel para arruadas ou comícios durante a campanha e pré-campanha eleitoral. Em comícios “nunca” mesmo, em almoços apenas “num ou outro” e não mais. Não traz telemóvel para não ceder a qualquer distração e para ter mais à vontade com quem fala. Mas os assessores que o rodeiam e guiam por entre ações raramente abdicam do seu.

Numa campanha como a da CDU, na qual tudo é organizada com régua e esquadro, não foi preciso fazer nenhuma paragem num restaurante de fast food ou numa estação de serviço na autoestrada, quando não havia tempo suficiente para uma refeição entre ações. O aparelho do partido chega a todo o país e por isso, praticamente todas as refeições do secretário-geral e da sua comitiva foram tratadas com antecipação suficiente.

Ainda para mais, a CDU correu a maioria dos distritos do país, mas teve um foco claro nas prioridades eleitorais. Optou por jogar em casa, com paragens recorrentes no Alentejo, Lisboa e Setúbal, distritos onde joga as fichas para recuperar mandatos que perdeu em 2022.

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PAN. Mikas acarinhado, Chica barrada no Pulido Valente, a raposinha e as baleias da Madeira

Nas noites em que conseguiu dormir em casa, que não foram assim tão poucas com o PAN a concentrar grande parte da campanha em Lisboa e arredores, Inês Sousa Real deu prioridade a tratar do Mikas, o gato que adotou há 12 anos. “Ao final do dia, tenho sempre o cuidado de lhe dar um mimo e de ver como está, ele reivindica sempre o seu espaço de atenção”, conta a própria.

Na terça-feira, por exemplo, antes de partir para Braga – onde ia passar a noite para começar a campanha cedo a Norte – e vinda de Santiago do Cacém, onde tinha realizado uma ação de campanha junto à Lagoa de Santo André que durou até à noite, a porta-voz decidiu passar por casa, na capital, para se despedir do animal de estimação. A comitiva que a acompanha não se surpreende e apoia a decisão, mesmo que o cansaço já seja muito e a viagem demore mais uma hora com este pet stop.

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São muitos (ou quase todos) os que têm animais de estimação no partido e isso ajuda a entender o que outros podiam ver como um capricho. Não foram raras as vezes que, nas últimas duas semanas, os cães de militantes acompanharam a comitiva. Numa das vezes, duas filiadas do PAN ficaram à porta do Hospital Pulido Valente, que não permitiu a entrada da Chica, uma pequena pug que as acompanhava. Esperaram na entrada por Sousa Real e pela restante comitiva que visitava as instalações e ouvia os profissionais de saúde.

Também a “raposinha”, a mascote artificial do partido, que ficou famosa no programa humorístico de Ricardo Araújo Pereira — e que o partido utilizou para sensibilizar para a necessidade proibir a caça à “paulada” da espécie .. andou com a comitiva em ações de campanha por Lisboa. O raposinha não faltou a um jogo de futebol feminino do Estrela da Amadora e fez sucesso por onde passou, nem que fosse junto das crianças que queriam cumprimentar a figura de peluche. Dentro do fato, que tinha uma ventoinha incorporada para melhorar as condições de quem o envergava, esteve em algumas ocasiões um profissional contratado para o efeito e noutras um militante do partido.

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Mas nem só de cães, gatos e raposas se fez a campanha do PAN, mesmo que o tema animal a tenha marcado de forma “especial”, como descreve Pedro Fidalgo Marques, que recorda a casa de partida da campanha eleitoral, na Madeira, no sábado antes da abertura do período oficial de (poucas) arruadas e (muitas) visitas institucionais. “Fomos jantar a um restaurante e, quando estacionamos, olhámos para o mar vimos um grupo de baleias, que normalmente não se conseguem ver da costa, mesmo à nossa frente”, descreve.

Desde aí que o momento tem sido relembrado como “mágico” e de “energia positiva” pela comitiva de Inês Sousa Real, que assistiu ao momento ao lado de Mónica Freitas, a deputada do PAN na Madeira que foi determinante para a governabilidade do Governo PSD-CDS na região autónoma.

Livre. A régie do Princípe Real, Tavares a pôr o pé no travão e um café por tomar

“Tenho ideia que campanhas eleitorais são propícias a acidentes. O Santana Lopes já teve uma vez um e não é incomum em Portugal e noutros países acidentes em campanha eleitoral. Estou sempre a avisar por causa disso”. Enquanto bebe um chá, na sede do Livre, Rui Tavares justifica-se perante as acusações em tom de brincadeira dos dois membros fixos da comitiva do partido – Tomás Cardoso Pereira e Pedro Mendonça – os “condutores de serviço” nas deslocações a outras cidades. Dizem que o porta-voz lhes pediu para colocar o pé no travão muitas vezes durante a deslocação da caravana eleitoral.

O cabeça de lista por Lisboa conduz, mas dentro da cidade prefere os transportes públicos e as bicicletas da Gira. Uma hora antes da próxima ação de campanha de quarta-feira – uma “pedalada” que parte da Alameda e segue para o Terreiro do Paço – decide apanhar o metro para ir a casa “trocar de botas e casaco” para estar mais à vontade e mais quente na arruada ao jeito do Livre, exposta ao vento e frio do final de tarde a quem se desloca de bicicleta, trotinete e até skate.

LUSA

Tavares entra na estação de metro do Rato, a mais próxima da sede do partido, a contar que gosta de aliar a “memória à imaginação” e que durante a campanha vai assinalando as efemérides históricas. Compara-as com factos e figuras da política atual, num passatempo digno do imaginário que se tem do deputado único. Não é um ritual nem uma superstição, mas já é um “hábito”, assume. “Gosto muito de datas e tenho muito esta tendência. O pessoal aqui até já se habituou”, acrescenta, referindo-se aos militantes que ouvem os seus paralelismos nas viagens e ações de campanha.

Na altura da campanha interna do PS entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, por exemplo, olhava para as duas figuras e via uma reedição dos acontecimentos pós I República: comparava o duelo socialista com o que colocou frente a frente “republicanos mais centristas” e os “canhotos que defendiam o Governo geringonça da época, que durou três meses”.

Tavares nunca despe a pele de professor e na rua, onde foi muito abordado por jovens durante toda a campanha, é também por “professor Rui” que muita gente o trata. As diferenças de 2022 para 2024 são evidentes na maneira como as pessoas interagem na rua com as ações de campanha do partido. Nota-se também no número de voluntários que se juntaram entretanto ao Livre. “Há dois anos tinha havido um acréscimo de entusiasmo e de reconhecimento na rua, mas nada comparável em relação ao que é agora”, assume Rui Tavares, que se guia por uma “espécie de sondagem informal” muito positiva, que, garante, não diz respeito só às “bolhas de Lisboa e do Porto”.

Antes, quando a comitiva se deslocava aos concelhos nos arredores de Lisboa, por exemplo em Sintra, levava sempre pessoas da capital. Agora, já podem contar com a representação local, de militantes e apoiantes informais, que esperam Rui Tavares e os restantes candidatos para as ações de rua em que o porta-voz do Livre já não conhece os nomes de toda a gente. Gostava de os reconhecer e nomear, mas assume que é bom sinal a mobilização atingir níveis elevados ao ponto de a memória não chegar para todos.

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E se houve mais mãos nesta campanha, também houve mais panfletos a serem distribuídos aos populares. Segundo os assessores do Livre, o plano de distribuição de panfletos, cartazes e merchandising pecou por defeito. “Tivemos três reimpressões da quantidade do que achávamos que íamos gastar na campanha toda”, assume Pedro Mendonça, número um por Santarém.

Nem só de rua e de contacto cara a cara se fez a campanha do Livre. E também não é só aqui que o crescimento do partido se torna evidente. Na “régie” do Príncipe Real, na sede do partido, onde trabalham designers, gestores de redes sociais e copywriters, a campanha faz-se através das redes sociais. Júlia, uma das gestoras de redes sociais, revela que houve um “grande aumento de seguidores” desde que começou a trabalhar com o Livre. “Entrei em dezembro e tínhamos 21 mil seguidores no Instagram e agora já temos 31 mil desde o início de março”, revela. Aos novos acompanhantes das páginas online do Livre somam-se as “dezenas de mensagens diárias” que servem para colocar questões sobre as propostas que alguns eleitores “não percebem tão bem”. Muitas delas, assume, são sobre o Rendimento Básico Incondicional.

Mas há ainda quem recorra ao telefone e ligue para “marcar um café com o Rui Tavares”. O episódio caricato da campanha é contado por Ana que trabalha na sede do partido. “Uma senhora ligou-nos a dizer que sempre votou PCP, mas que este ano pensava votar no Livre. Só que primeiro queria ir tomar um café com o Rui”, conta. Perante a agenda cheia do cabeça de lista, responderam ao pedido com a presença de Paulo Muacho, número um por Setúbal. A senhora recusou: só queria mesmo falar com o Rui Tavares.

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