790kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Torturou e matou a mãe para "libertá-la do demónio". Vai ser julgado por homicídio

Luís Xavier diz que matou a mãe porque ela estava possuída pelo Diabo. A PJ fala em "tortura" e descreve um cenário de grande violência. Considerado imputável, começa a ser julgado esta quinta-feira.

Detido algumas horas antes, na casa dos pais, onde o corpo da mãe ainda estava, Luís Xavier estava pronto para confessar o homicídio. Fora ele o responsável pelo cenário encontrado pela Polícia Judiciária ali mesmo, na sala de estar: o cadáver de Albertina Xavier, 86 anos acabados de fazer, coberto por uma manta, ao lado do sofá. O mesmo sítio onde, menos de 24 horas antes, Albertina tinha celebrado o seu aniversário rodeada da família. Foi Luís, aliás, que a cobriu, depois de a matar, num gesto de esconder o estado em que a tinha deixado — e que até a ele causava alguma impressão, como acabou por confessar.

Não mostrou qualquer resistência no momento da detenção. Já na sala de interrogatórios da PJ de Setúbal, estava calmo mas descompensado. “Você tem um ar mitológico”, dizia ao inspetor que o ia interrogar, antecipando os contornos da história que se preparava para contar. Uma história que poderá ser repetida por Luís Xavier se este aceitar ser interrogado pelo coletivo de juízes que o vai julgar, no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal. Naquele dia, como até agora, o arguido, acusado de homicídio qualificado, disse que apenas queria libertar a mãe de um mal: o demónio.

O julgamento estava marcado para esta quinta-feira, 4 de abril, mas foi adiado porque o arguido não compareceu. O Hospital Prisional de São João de Deus, em Caxias, onde Luís Xavier se encontra em prisão preventiva, alega não ter sido notificado para levar o arguido ao tribunal. Não se sabe, para já, a nova data para o início do julgamento.

O “chá lento”, a “sandezinha martelada” e a suspeita de que a mãe estava possuída

20 de abril de 2018, uma sexta-feira. Seria dia de festa no rés-do-chão do número 43 da Rua Afonso Albuquerque, no Pinhal Novo, no concelho de Palmela. Albertina Xavier juntava toda a família para o aniversário numa casa que, para ela, era praticamente nova. Tinha mudado para ali poucos meses antes, depois de uma vida em Lisboa, por causa da doença terminal do marido. E, além de ele ter ficado acamado, a própria Albertina tinha uma mobilidade cada vez mais reduzida. A mudança de cidade e de casa aconteceu um pouco impulsionada pela filha, a mais nova dos três irmãos, que os convenceu a ir viver para junto dela. A mesma filha que, por isso, quis organizar uma festa para a mãe na casa nova, explicou ao Observador fonte da PJ.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O crime aconteceu no rés-do-chão no número 43 da rua Afonso Albuquerque, no Pinhal Novo, no concelho de Palmela (Foto: CARLOS SANTOS/GLOBAL IMAGENS)

Carlos Santos/Global Imagens

Jantaram, festejaram e Albertina, rodeada pelo marido, pelos três filhos e pelos três netos, apagou as velas de um pequeno bolo de aniversário. Velas apagadas, as duas filhas foram para casa com os maridos e filhos, mas Luís Xavier decidiu lá pernoitar, de acordo com a mesma fonte. Ninguém estranhou. Nos últimos tempos, tornara-se um hábito. Luís tinha-se divorciado no Verão de 2011 e as duas filhas, à data com 13 e 17 anos, tinham ficado a viver com a ex-mulher, com quem tinha uma relação conflituosa. O homem de 39 anos vivia sozinho e estava desempregado. Aliando a solidão ao facto de os pais precisarem de apoio, passava lá cada vez mais tempo.

Naquela noite, como em todas as outras, Luís ficou a dormir no sofá. A casa tinha apenas um quarto, o dos pais. No dia seguinte, sábado, almoçou com os pais e, ao fim da tarde, sentou-se com a mãe a ver um filme, segundo o que Luís contou aos inspetores da PJ. “Parecia querer fazer-nos acreditar no que estava a contar. Mas temos algumas dúvidas sobre se ele próprio acredita”, explicou um desses inspetores ao Observador, lembrando que todo o relato sobre o que aconteceu nas horas seguinte foi sempre feito “de uma maneira muito estranha”.

O lanche terá estado no centro daquilo que, de acordo com o seu confuso testemunho, impulsionou Luís a cometer o homicídio. O arguido começou por explicar que, durante o filme, a mãe lhe perguntou se queria que lhe fizesse uma torrada e um chá. Terá respondido que não, oferecendo-se ele próprio para preparar a torrada e o chá à mãe. Pediu-lhe para ficar no sofá enquanto o fazia, mas Albertina Xavier disse que não, que não queria comer nada.

Decidiu, segundo explicou à PJ, “brincar um pouco” com a mãe, fazendo “um trocadilho de palavras”. Perguntou-lhe se preferia que ele lhe preparasse um “chá lento” — devido ao hábito que ela tinha de colocar o lume no mínimo quando lhe preparava o chá — e uma “sandezinha martelada” — também pelo hábito que a vítima tinha de dar um murro no pão antes de o colocar na torradeira. Albertina terá, segundo o filho, acabado por lhe responder mal: “Come-a tu, merda”.

A investigação do homicídio foi levada a cabo por inspetores da Polícia Judiciária de Setúbal (Foto: JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Seguiram-se duas horas de “tortura”, descreve a PJ ao Observador. Das 18h às 20h, Albertina viu-se impedida de se levantar do sofá. Quando o tentava fazer, o filho agarrava-a pelos ombros sem que, garantiu, “a magoasse” e “na brincadeira”, ao mesmo tempo que lhe ia dizendo que ia preparar ora uma “sandezinha martelada” ora um “chá lento”. A mãe terá pedido a Luís que a deixasse ir ver o marido, acamado. O filho insistiu para que ficasse sentada no sofá, pois “também ela precisava de descansar”. Albertina Xavier terá começado a dizer palavrões, o que fez com que ele pensasse que ela estava possuída.

Negou rezar com o filho e terá dito que “tinha feito um contrato com o demo”

Duas horas depois, a mulher de 86 anos começava a entrar num estado de exaltação tal que o filho acabou por deitá-la no sofá, mas sem violência, garantiu. Aos inspetores, Luís Xavier explicou que “o seu intuito ao brincar com a mãe era, de alguma forma, testar a sua fé na religião católica”. Isto porque “não achava bem que esmurrasse o pão antes de o colocar na torradeira, uma vez que o pão representa o corpo de Cristo“. E assim, considerando que a mãe era católica, “suspeitava que talvez estivesse a perder a fé“.

"O seu intuito ao brincar com a mãe era, de alguma forma, testar a sua fé na religião católica. Isto porque não achava bem que esmurrasse o pão antes de o colocar na torradeira, uma vez que o pão representa o corpo de Cristo."
Relato das declarações de Luís Xavier, feito por fonte da Polícia Judiciária

“Para testar a sua fé e a poder ajudar”, terá pedido à mãe que rezasse com ele, enquanto permanecia deitada no sofá. Albertina terá respondido, segundo a confissão de Luís Xavier, que “não podia pois não queria morrer e tinha feito um contrato“, entendendo o filho que ela “tinha feito um contrato com o demo”. O arguido explicou aos inspetores da PJ que, naquele momento, se sentiu “na obrigação de salvar a mãe”.

Ajoelhou-se ao lado do sofá onde Albertina estava deitada, apoiando o braço direito na barriga da mãe. “Forçou-a a juntar as mãos e a rezar, com o crucifixo que Luís usava ao peito”, contou a mesma fonte. Depois, fez o sinal da cruz na testa da mãe como, explicou, viu “nos filmes sobre a possessão demoníaca, por forma a libertá-la do mal”. Albertina começou, com mais intensidade, a tentar levantar-se e afastar-se do filho que, nas suas palavras, “partiu para a estupidez”.

Começou por empurrar, de forma agressiva, a mãe, até ali deitada no sofá, para o chão, tendo começado a pontapeá-la na cara. Naquele momento, segundo explicou à PJ, sentiu que “já não se tratava da mãe, mas da entidade que a havia possuído“. De seguida, sentou-se no chão e continuou a dar-lhe pontapés, mas com os calcanhares. Os ferimentos que ia provocando na face da vítima fizeram com que se convencesse ainda mais de que “estaria de facto possuída”.

O homicídio aconteceu de dia 21 para 22 de abril do ano passado (Foto: CARLOS SANTOS/GLOBAL IMAGENS)

Carlos Santos/Global Imagens

Àquela hora, já tinha caído a noite e o escuro imperava na sala. O arguido tinha desligado as luzes e a televisão para proceder ao que dizia ser um “ritual”. A pouca luz ali dentro vinha da iluminação da rua e de um pequeno relógio digital da box da televisão que Albertina Xavier, ainda consciente, “tentou ligar durante o ritual, mas não conseguiu porque o filho tirou as pilhas ao comando”, segundo contou à PJ. Luís tornou-se cada vez mais agressivo: como não estava a “conseguir expulsar a entidade demoníaca do corpo”, acabou por estrangular a mãe.

Foi nessa altura que, pela segunda vez, tentou fazer o sinal da cruz na testa da mãe. Diz que, nesse momento, sentiu “uma espécie de olho”, tendo decidido esmurrá-la e provocar-lhe vários ferimentos com uma caneta, na face e no pescoço. Retirou, ainda, as meias que Albertina Xavier calçava e colocou-as nas orelhas da vítima porque, segundo explicou, “a tal entidade ainda estava a respirar através daqueles orifícios”. Depois, borrifou a mãe, já cadáver, com água de uma garrafa que tinha benzido previamente.

Os gritos de Luís abafavam o som do telemóvel de Albertina, que não parava de tocar. Era uma das filhas que, há mais de um dia sem saber nada da mãe, lhe ligava.

Só quando sentiu que o corpo da mãe começou a esfriar e os orifícios “já não deitavam qualquer tipo de brisa” — disse ter sentido isso devido à sua profissão: mecânico de aparelhos de frio — é que se convenceu que “a entidade tinha, de facto, partido”.

Na manhã seguinte, gritou para que o ajudassem e pediu desculpa à mãe

O ritual durou cerca de 16 horas. Quando, na manhã seguinte, a luz começou a entrar pelas janelas, Luís viu o estado em que tinha deixado a mãe. “Ficou chocado e a sentir-se angustiado”, diz fonte da PJ ao Observador. Fechou as persianas e voltou a apagar a luz. Sentou-se no sofá e começou a gritar para que o ajudassem. Ninguém veio. Nem o pai, acamado, que não se apercebeu de nada. Luís permaneceu sentado junto do corpo da mãe, “segurando a sua mão, pedindo desculpa pelo mal que havia feito”, contou o próprio.

Os gritos de Luís abafavam o som do telemóvel de Albertina, que não parava de tocar. Era uma das filhas que, há mais de um dia sem saber nada da mãe, lhe ligava. Sem sucesso, acabou por pedir ao marido que fosse à casa dos sogros para verificar que estava tudo bem. Desse momento, o marido de Albertina recorda-se: embora estivesse deitado no quarto, contou mais tarde à PJ que ouviu o genro a bater à porta, mas não conseguia levantar-se.

Luís Xavier vai ser julgado por homicídio qualificado no Tribunal Judicial de Setúbal (Foto: CARLOS SANTOS/GLOBAL IMAGENS)

Carlos Santos/Global Imagens

Ao perceber que o cunhado estava a forçar as persianas para tentar perceber o que se passava no interior da casa, Luís Xavier acabou por abrir a porta. Pediu-lhe, no entanto, que não fosse à sala. O cunhado, porém, fez o contrário e encontrou o corpo de Albertina, já coberto com uma manta. Chamou a polícia e Luís foi detido, sem mostrar resistência.

O cunhado encontrou o corpo de Albertina Xavier, já coberto com uma manta. Chamou a polícia e Luís foi detido, sem mostrar resistência.

“Confessou logo esta história. Insistimos muito para nos contar a verdadeira razão e tentámos desmontar esta versão, dizendo-lhe que não era racional“, contou fonte da PJ ao Observador. Luís Xavier manteve-se fiel ao relato e a verdade é que a PJ não encontrou outras razões possíveis para o crime nem detetou qualquer tipo de premeditação. O arguido também não tinha antecedentes criminais e descrevia a relação com os pais como “de sonho”.

Não se sabe se manterá a mesma história em tribunal nem se aceitará responder às perguntas dos juízes. Por causa da confissão “estranha”, das referências a entidades sobrenaturais e do relato descompensado, foi submetido a testes psicológicos e psiquiátricos. Os peritos, porém, consideraram-no consciente dos seus atos, capaz de distinguir o certo do errado, o bem do mal e, por isso, imputável. Arrisca-se, assim, a passar os próximos 12 a 25 anos na prisão.

[Atualizado às 12h01 de 4 de abril com a informação de que o julgamento foi adiado]

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora