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Em obras desde maio de 2018, o Mercado do Bolhão é uma das empreitadas mais aguardadas na cidade do Porto
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Em obras desde maio de 2018, o Mercado do Bolhão é uma das empreitadas mais aguardadas na cidade do Porto

(Rui Oliveira/Observador)

Em obras desde maio de 2018, o Mercado do Bolhão é uma das empreitadas mais aguardadas na cidade do Porto

(Rui Oliveira/Observador)

Três anos e meio depois, o Mercado do Bolhão continua por abrir. "Só acredito quando lá entrar", dizem comerciantes

Rui Moreira anunciou uma quarta data para reabrir o Bolhão: segundo trimestre de 2022. Entre os comerciantes há cansaço, ansiedade e incerteza. E espera-se um Natal menos "doloroso" que os anteriores.

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Ernestina está cansada e já não quer regressar ao mercado. José diz ter sabido de “quase tudo” pela comunicação social e não tem dúvidas de que o novo Bolhão “será para turistas”. Nuno guarda a planta do seu novo espaço debaixo do balcão do café, quer começar as obras, mas ainda não sabe quando poderá fazê-lo. Olinda perdeu clientes, emociona-se quando fala do antigo mercado e está ansiosa para regressar à casa onde cresceu. José e Madalena aguardam por uma oportunidade para fazer parte do mercado e querem um Natal menos “doloroso”. Emílio conta como sobreviveu às ruas fechadas pelas obras, queixa-se dos “poucos apoios” que recebeu da autarquia e não acredita que o mercado reabra mesmo no próximo ano.

Dezembro é o mês de ouro para o comércio tradicional, mas dentro e fora do mercado temporário do Bolhão, instalado no piso inferior do centro comercial La Vie, o negócio é brando em plena época natalícia, os pregões soam timidamente e para os comerciantes predomina a  incerteza relativamente ao futuro.

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A empreitada de restauro do Bolhão foi consignada em maio de 2018, prevendo-se, à data, um prazo de dois anos para a conclusão dos trabalhos. No entanto, em dezembro de 2019, a autarquia anunciou que as obras de requalificação — que se previa que estivessem concluídas em maio de 2020 — seriam prolongadas por mais um ano, pela necessidade de alterar “o método construtivo”. Mas esse ano extra também não foi suficiente. Já em fevereiro deste ano, o presidente da câmara do Porto, Rui Moreira, afirmou que o mercado ficaria concluído no segundo semestre de 2021, mas em novembro admitiu que, afinal, o Bolhão só ia abrir portas no segundo trimestre de 2022.

A requalificação do Mercado do Bolhão foi sempre uma das bandeiras do atual autarca, Rui Moreira, desde que chegou à câmara em 2013

JOSÉ COELHO/LUSA

Ernestina Barros tem 87 anos, é a vendedora mais antiga do mercado e revela ao Observador que já não vai levar a Manteigaria do Bolhão para o novo espaço. “Quando me instalei aqui, ainda tinha forças para trabalhar, mas agora estou cansada, os meus filhos não querem pegar nisto, por isso vou para casa.” Está à frente do negócio que o marido fundou há 66 anos e recorda os tempos em que trabalhava a 500 metros dali. “Respirávamos ar puro, podia ir ao café e à farmácia, aqui sinto-me presa. Os clientes mais antigos não têm vindo e o vírus não deixa que os estrangeiros cheguem cá. Depois também há os supermercados e toda a gente prefere ir lá”, diz, desanimada, de avental branco preso à cintura, rodeada de garrafas de vinho do Porto, queijos, manteigas e enchidos.

“Tininha”, como carinhosamente a tratam por ali, não duvida de que o novo mercado ficará “mais bonito”, mas admite não sentir vontade de ir vê-lo. “Não tenho curiosidade em voltar lá, sei que quando olhar para o sítio onde estava a minha banca vou ver o meu marido. Ele já não está cá, estivemos casados 67 anos”, partilha, emocionada. As letras luminosas da manteigaria são famosas e dão nas vistas, Ernestina Barros garante que já lhe ofereceram “muito dinheiro” por elas, mas nunca as vendeu. “Não consigo desfazer-me delas, vou guardá-las no quintal ou na garagem. Fico neste mercado até ele fechar ou enquanto puder.”

Olinda e Ernestina vão seguir destinos diferentes depois do encerramento do mercado temporário

(Rui Oliveira/Observador)

Olinda Remísio, rosto da Salsicharia Lindinha há quase 50 anos, tem planos diferentes. “Cheguei ao Bolhão com quatro anos e vivi lá a maior parte da minha vida. A minha mãe tinha uma salsicharia em frente às azeitonas e depois das aulas ia sempre ajudá-la. Criei lá as minhas filhas e aquele espaço deixa sempre saudades. Tenho um amor ao Bolhão que ninguém imagina”, conta ao Observador, recordando, emocionada, que em maio de 2018 “chorou muito” quando teve de arrumar a sua banca. “As obras eram necessárias, estávamos fartos de pedir para renovarem o mercado, mas a câmara não autorizava. Durante o mandato do Rui Rio, até pensávamos que ele ia demolir tudo para fazer um parque de estacionamento, isso seria a nossa morte.

A possibilidade de manter as portas da loja abertas, ainda que temporariamente, agradou-lhe, mas reconhece que as diferenças são muitas. “Aqui estamos confortáveis, temos higiene e segurança, mas claro que isto é um centro comercial, não tem nada a ver com um mercado de frescos. O que mais me custou foi ficar aqui metida o dia todo sem ver a luz do dia e o ar condicionado a trabalhar em cima de mim. Mas, pronto, fui-me adaptando”, desabafa, encostada a um balcão a transbordar de enchidos caseiros e rodeada de recortes de jornais franceses com menções ao seu negócio ou figuras de Santo António e de Nossa Senhora de Fátima. Entre as fotografias que tirou ao lado de Rui Moreira e das selfies que partilhou com Marcelo, que emoldurou e espalhou pelas paredes do seu espaço, há uma especial — aquela em que surge com Luís Filipe Menezes. “Foi pediatra das minhas filhas, sempre que ia ao Bolhão cumprimentava-me”, diz, orgulhosa.

"Consegui manter alguns clientes, mas outros deixaram de vir, principalmente as pessoas com mais idade, que vivem fora do Porto e que com a pandemia têm mais receio viajar nos transportes públicos. Estou ansiosa por voltar ao meu mercado, Deus me dê saúde para ver aquilo arranjadinho.”
Olinda Remísio, comerciante

Olinda diz entender os atrasos e os contratempos da obra, mas lamenta a perda de clientes, que levou a uma quebra nas vendas a rondar os 70%, e espera ter a saúde suficiente para regressar à morada original. “Consegui manter alguns clientes, mas outros deixaram de vir, principalmente as pessoas com mais idade, que vivem fora do Porto e que com a pandemia têm mais receio viajar nos transportes públicos. Estou ansiosa por voltar ao meu mercado, Deus me dê saúde para ver aquilo arranjadinho.

A dona da salsicharia julgava que este Natal já estaria instalada no novo Bolhão. Neste momento, já não acredita que isso venha a acontecer até junho do próximo ano. “O exterior está bonito, mas quando as portas estão abertas vejo que lá dentro ainda está muito atrasado, acho que não vai estar tudo pronto no verão, talvez só no fim do próximo ano. Gostava de que me levassem lá, mas ainda não nos deram essa perspetiva. Quem esperou até agora também espera mais um pouco.

Sobre os novos comerciantes que vão chegar ao mercado, e que em breve serão selecionados por concurso público, Olinda Remísio assegura não ter medo da concorrência. “Não me assusta, o Bolhão dá para todos. Quanto mais gente vier melhor, os sítios vazios também afugentam as pessoas”, afirma, acrescentando que este Natal “será mais ou menos a mesma coisa” que o do ano passado. “Com a pandemia, as pessoas retraem-se, é normal”, diz conformada.

“Ao fim destes anos todos, ainda há gente que não sabe que estamos aqui”

São poucos os comerciantes que acreditam num Bolhão aberto ao público no início do próximo verão, apesar de alguns já terem recebido as chaves do novo espaço que vão ocupar. É o caso de José Vieira, que há 20 anos é responsável pela loja de cestos feitos em vime. “Deram-me a chave no dia 30 de setembro, vou ficar exatamente no mesmo sítio onde estava, e deram-me também dinheiro para fazer as obras necessárias”, começa por dizer ao Observador, sem adiantar valores.

O ambiente na época natalícia no espaço temporário é calmo e silencioso, a contrastar com a azáfama de outros tempos

(Rui Oliveira/Observador)

Ter as chaves da nova loja na mão não significa, no entanto, que os comerciantes possam visitar o seu espaço sempre que desejam. “Sempre que quero lá ir tenho de enviar um e-mail à câmara a pedir uma marcação e só vou acompanhado com alguém da autarquia. Até agora, só fui três vezes, na primeira não tinha chão, na segunda não tinha teto e na terceira deparei-me com uma peça de cimento que me alterou os planos todos.”

Em resposta ao Observador, a autarquia esclarece que “todos os inquilinos que já têm as chaves poderão visitar o seu espaço no âmbito do desenvolvimento dos seus projetos e para a realização de obras de remodelação no seu interior, mediante articulação prévia com a entidade gestora que gere a obra, a Go Porto”, acrescentando que ainda não há obras a decorrer no interior das lojas exteriores no mercado. “Neste momento encontram-se a licenciar os seus projetos de remodelação.”

José Vieira lamenta a falta de comunicação por parte do município, dizendo mesmo que “tudo o que soube”, incluindo os atrasos sucessivos da empreitada, foi através da comunicação social. “Se for à internet e pesquisar por ‘Mercado do Bolhão’ diz que está fechado temporariamente e não remete qualquer informação para esta morada ou para estes horários. Antigamente, os taipais da obra tinham as nossas fotografias, mas agora não há nada na rua que nos identifique. Bastava uma seta a dizer que estamos aqui. Ao fim destes anos todos, ainda há portuenses que vêm aqui pela primeira vez e pessoas que nunca vieram cá porque simplesmente não sabem que aqui estamos.

Nas prateleiras da loja, José já não vende apenas os cestos tradicionais. Alargou a oferta e incluiu peças feitas em cortiça, madeira, chapéus, sapatos e azulejos, tudo a pensar no público internacional que agora predomina nas suas contas no final do mês. Para o vendedor que também cresceu entre os corredores do Bolhão, o espaço temporário “não vai deixar saudades”. “Até a pandemia chegar, conseguimos sobreviver, mas depois tive quebras de 90%”, revela. Já sobre o característico espírito do mercado, acredita que já não será o mesmo. “50% desse espírito ainda veio para cá, mas para o novo só irá 25%. Haverá muita gente nova e aquilo vai acabar por ser um mercado para os turistas, disso não tenho dúvidas.

Nuno Fernandes, responsável por um dos restaurantes do mercado, anseia começar as obras do seu novo espaço

(Rui Oliveira/Observador)

Do outro lado do mercado provisório está Nuno Fernandes, responsável pelo Café D.ª Gina, a preparar os últimos detalhes para os almoços, depois de escrever o menu do dia a giz no quadro de ardósia exposto junto à entrada do espaço. O negócio familiar, com 33 anos de vida, é um dos três restaurantes que vai transitar para o novo Bolhão. Nuno mostra-se entusiasmado com a planta do novo espaço, guardada debaixo do balcão em inox, e explica ao detalhe o número de lugares, a vista das janelas ou a capacidade da cozinha. Anseia pelo início das obras, mas ainda não sabe quando isso vai acontecer.

“Disseram-me que ia ter as chaves em setembro, mas até agora nada. A câmara também disse que me dava 130 mil euros para as obras, mas até hoje não sei quando é que vou receber esse dinheiro”, revela, sublinhando que, tal como o colega “José dos cestos”, ficou a saber da nova data de reabertura pelos jornais. “Sinceramente, acho que só abre em agosto, mas também só acredito quando lá voltar.”

Até lá, Nuno tem esperança de que a pandemia termine para que o comércio local volte a ganhar fôlego. “Desde que viemos para o mercado temporário que nos baixaram a renda e estamos isentos de pagar água e luz. Quando a Covid-19 surgiu, em março de 2020, todos os comerciantes passaram a receber um apoio mensal, o nosso é de 519 euros”, revela, recordando que, mesmo com as ajudas do Estado e da autarquia, o negócio “caiu a pique”. “É quase meio dia e já viu isto à sua volta? Está tudo às moscas.”

Cá fora, fazem-se contas aos prejuízos. “Um Natal pior que o de 2019 é difícil”

Fora do mercado temporário, o movimento de pessoas é claramente maior, mas o estaleiro montado, o ruído das gruas e a lama no chão provam que a obra no Bolhão ainda dura e continua a deixar marcas em alguns negócios vizinhos.

“Esta rua [Alexandre Braga] esteve fechada durante vários meses, a maioria dos estabelecimentos desapareceu, nós conseguimos sobreviver, mas com muita dificuldade. Os nossos clientes saíam daqui e punham literalmente os pés na lama”, conta ao Observador Emílio Borges, responsável por um cabeleireiro unissexo. Os quatro postos de trabalho foram mantidos, mas a faturação “diminuiu drasticamente” e a hipótese de encerrar definitivamente esteve mesmo em cima da mesa. “O que nos valeu foram os nossos clientes fiéis, se trabalhássemos para os turistas já tínhamos fechado há muito tempo”, garante.

Ao som dos secadores de cabelo e observando a rua através da montra, Emílio recorda as obras da Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura ou a construção da linha da Metro do Porto, que também afetaram o seu negócio de família, e até dos ratos com que se cruzava à porta do cabeleireiro, fruto da falta de higiene do antigo mercado. Garante, por isso, que as obras eram necessárias e conta que, desde que a empreitada arrancou, recebeu da Câmara do Porto um apoio de 2400 euros. “É muito pouco, pago uma renda de 1500 euros por mês e nem a pandemia fez com que o senhorio baixasse este valor.”

Ao Observador, o município do Porto adiantou que atribuiu compensações “num valor aproximado de 500 mil euros a cerca de 32 comerciantes das ruas de Alexandre Braga e Formosa, uma vez que estes se viram impedidos de aceder aos seus espaços comerciais, ou seja, as duas ruas em causa tiveram cortadas ao trânsito automóvel e pedonal durante um período superior a seis meses”.

As lojas de rua próximas do mercado também contam os prejuízos. O cabeleireiro de Emílio e a casa de lãs do casal Martinho são apenas alguns exemplos

(Rui Oliveira/Observador)

Uns metros ao lado está o casal Jorge e Madalena Martinho, responsáveis pela Deltrilã, a casa de lãs aberta na rua Formosa há 65 anos. São dos poucos comerciantes que não sentiram as contas a apertar durante as obras. Com a pandemia, aproveitaram a oportunidade para se aventurarem no universo online, mas ainda assim reconhecem que o barulho, o pó a entrar pelas janelas, o lixo à porta e a falta de clientes “não é recompensado”. Das duas janelas altas conseguem ver todas as etapas da obra do mercado e, graças a esta vista privilegiada, não acreditam que o Bolhão abra todo ao mesmo tempo. “Até junho, devem abrir as lojas exteriores e, depois, o resto deve abrir até ao final do próximo ano”, antevê Madalena.

O casal enfrenta uma ordem de despejo por parte do senhorio e por isso espera ter a oportunidade de se candidatar a um novo concurso público para umas das lojas exteriores do mercado. “Se houver uma segunda edição do concurso, talvez concorramos. Os espaços não são grandes e as rendas não devem ser propriamente baratas, mas pode ser uma boa opção para a nossa indefinição”, conclui Jorge Martinho, acrescentando ter esperança de viver um Natal menos “doloroso”. “Pior que o de 2019 é difícil, se for igual ao do ano passado já não será mau.”

Surtos de Covid e achados arqueológicos. Afinal, o que atrasou a obra do Bolhão?

Inaugurado em 1914 e classificado como Monumento de Interesse Público em 2013, o edifício estava desde 2005 suportado por andaimes devido a um alegado risco de ruína, que só não levou ao seu encerramento porque os comerciantes o impediram. O atual projeto de recuperação é a quarta iniciativa da Câmara Municipal do Porto para renovar o espaço centenário ao longo dos últimos 30 anos, tendo tido um primeiro projeto de requalificação em 1998 e dois planos de intervenção durante os mandatos de Rui Rio, mas que nunca saíram do papel.

Rui Moreira pegou nele, chegou a usá-lo — mencionando-o como uma das obras que gostaria de ver concluídas — para justificar a sua última candidatura mas, até agora, já anunciou quatro datas diferentes para a sua inauguração. Cátia Meirinhos, administradora da empresa municipal Go Porto, responsável pela obra, justifica ao Observador que esta é uma empreitada “muito complexa”, não apenas pela sua dimensão, mas também pelo facto de ser uma empreitada de restauro e de modernização. “Seria mais fácil e rápido executar uma obra de raiz, mas este é um trabalho de restauro, muito minucioso, quase filigrana ou relojoaria.”

Da visita que fez ao Bolhão, em 2014, a arquiteta recorda um mercado de frescos “desvirtuado” num edifício “em muito mau estado de conservação”, onde não existiu “uma manutenção cuidada” ao longo dos anos. “As infraestruturas elétricas eram um problema, lembro-me de ver cabos elétricos cobertos com fotografia de uma santa, uma espécie de proteção para que ninguém apanhasse um choque.

Cinzento, com barracas, andaimes e ratos. Assim era o antigo mercado municipal de frescos na cidade, inaugurado em 1914

Nuno Valentim é o autor do projeto de arquitetura do mercado e tinha como premissa “devolver à cidade o seu mercado de frescos municipal, sem cedências ou tentações gourmet”. Ao Observador, o arquiteto alerta para a “dupla proteção e classificação” do Bolhão, por um lado o edifício físico, desenhado por António Correia da Silva em 1914,FFF e, por outro, a própria atividade comercial.

“Tentámos dar uma reposta arquitetónica atenta às questões físicas e às questões imateriais. Por exemplo, de todas as lojas exteriores, apenas três ou quatro mantinham as caixilharias originais em ferro fundido. Fizemos um reajuste natural para o mercado pudesse concorrer com as grandes superfícies, com a mesma higiene, o mesmo conforto, a mesma segurança e dando coisas que os outros não dão: caráter, identidade, origem, sabor e uma experiência muito própria que sempre caracterizou o Bolhão.”

Em 2018, o espaço começou a ser recuperado com a intenção de uniformizar o seu aspeto e aproximá-lo o mais possível do projeto original, a estrutura da cobertura foi alvo de uma intervenção e tanto as madeiras como as caixilharias em ferro fundido foram reaproveitadas. “Todos os adornos das fachadas, mais de 200 florões e dentilhões, foram trabalhados à mão, tivemos homens literalmente com uma esponja e um pincel numa grua. É um processo que quase só existe em igrejas ou capelas”, sublinha Cátia Meirinhos, da Go Porto.

A fachada do Bolhão já é visível para quem passa na baixa do Porto. Tem um uma cor diferente – a original – que lembra o granito exposto ao sol

(Rui Oliveira/Observador)

A arquiteta garante que o projeto podia “perfeitamente” ter sido concluído nos dois anos previstos, mas alguns constrangimentos obrigaram a interromper a obra. O primeiro aconteceu no fim de 2019 quando, durante a construção da cave subterrânea — necessária para funcionar como armazém, cais de cargas e descargas, balneários para funcionários, zona de resíduos ou de arrumos –, se descobriu que o nível freático era superior ao estimado. O método de construção teve de ser alterado e posteriormente validado e licenciado, um processo que só foi concluído em maio de 2020.

Nessa altura, verificou-se também que o estado da galeria superior estava mais degradada do que aquilo que os estudos tinham demonstrado e era, por isso, necessário demolir aquela secção para depois reproduzi-la na íntegra, o que também obrigou a autorizações superiores e a mais um compasso de espera. O terceiro constrangimento chegou com a pandemia e teve que ver com a dificuldade do empreiteiro em obter determinados materiais, além da falta de mão de obra.

“Tivemos um surto de Covid na obra em setembro nas equipas de serralharia, 40 dos 150 trabalhadores ficaram em casa e isso afetou o rendimento da obra”, explica Cátia Meirinhos. Em meados de 2021, novo obstáculo: achados arqueológicos. Na escavação da cave, a partir do novo método de construção por estacas, foi descoberto um aqueduto. Parte da obra parou durante três meses até que as equipas técnicas analisassem e concluíssem que não havia interesse arqueológico.

“Não existe uma data para a abertura mais concreta porque precisamos de ver como as coisas vão correr, a incerteza ainda é grande, não mais do que no passado. O nosso objetivo é que ele abra todo ao mesmo tempo, mas a partir do momento em que tivermos condições para abrir iremos fazê-lo.”
Cátia Meirinhos, administradora da empresa municipal Go Porto, responsável pela obra de restauro

Questionada sobre o que ainda falta fazer, a responsável municipal pelo restauro do Bolhão garante: “Pouca coisa.” Agora, a previsão é a de que a conclusão dos trabalhos está por poucas semanas. “A obra termina no final de dezembro, estamos praticamente no fim e com as infraestruturas praticamente concluídas”, diz, acrescentando que o túnel previsto de acesso à cave pela rua do Ateneu Comercial do Porto, exclusivo para fornecedores e clientes profissionais, está também concluído.

Depois de desmontadas as gruas, vão ser feitas vistorias ao local, ensaios, instalações de equipamentos e sinalética. “Não existe uma data para a abertura mais concreta porque precisamos de ver como as coisas vão correr, a incerteza ainda é grande, não mais do que no passado. O nosso objetivo é que ele abra todo ao mesmo tempo, mas a partir do momento em que tivermos condições para abrir, vamos fazê-lo“, afirma Cátia Meirinhos, contrariando a opinião do arquiteto Nuno Valentim.

“A minha esperança, e tenho a certeza de que a câmara também está a ponderar isso, é que o mercado não abra todo a funcionar de uma só vez. Espero que haja a calma e a serenidade necessárias para uma espécie soft opening, como acontece nos hotéis, em que se vai abrindo os espaços progressivamente. É uma estrutura demasiado grande e complexa para abrir toda do dia para a noite, iria parecer um shopping e isso era tudo o que não queríamos. Julgo que irá abrir ao público na data anunciada, mas de forma gradual. Há lojas exteriores que já estão quase prontas a abrir e outras que ainda necessitam de obras profundas porque há novos inquilinos, por exemplo.”

Das janelas da rua Formosa acompanha-se a par e passo a empreitada que conta com 150 trabalhadores, distribuídos em várias frentes

(Rui Oliveira/Observador)

A obra do Bolhão foi adjudicada por 22.370 milhões de euros e o valor final está estimado em 24.800 milhões euros. “Estamos a falar de um desvio na ordem dos 10%, o que não é muito significativo face à complexidade, ao prazo e aos trabalhos que fizemos a mais”, explica a administradora da Go Porto, acrescentando que, uma vez que os constrangimentos foram “devidamente fundamentados”, não é possível responsabilizar o empreiteiro pelos atrasos sucessivos.

Um novo quarteirão gastronómico com horário alargado e um selo de marketing

O renovado mercado terá acesso direto ao Metro do Porto e quatro entradas diferentes: Rua Fernandes Tomás, Rua Sá da Bandeira, Rua Formosa e Rua Alexandre Braga. No piso térreo vão funcionar 102 bancas de frescos, as galerias situadas no piso 1 ficarão reservadas para 11 restaurantes, e no exterior do mercado vão conviver lojas com várias categorias. Além dos comerciantes históricos – 60 na área dos frescos, três restaurantes e 26 lojas – que terão direito a contratos mais longos e a financiamento para as obras, a autarquia lançou há um ano vários concursos públicos para atribuição de 60 espaços vagos, tendo sido apurados na primeira fase 34 concorrentes, de um total de 72 candidaturas apresentadas.

Segundo o arquiteto Nuno Valentim, o interior do mercado está desenhado, mas nas lojas exteriores os inquilinos têm “liberdade” para fazerem obras e idealizarem um espaço à sua medida. “Claro que podem pintar o teto de cor de rosa. Desde que haja coerência, não há limites. Não vamos transformar aquilo num shopping, tendo todos os estabelecimentos as mesmas regras ou os mesmos elementos publicitários, a diversidade deve existir”, declara.

Um "quarteirão gastronómico de referência" na cidade, é assim que é apelidado o novo Bolhão

Dentro e fora do edifício centenário, o foco será mesmo a gastronomia. “O mercado vai funcionar como estratégia do ramo alimentar, queremos que seja um quarteirão gastronómico de referência na cidade. Os nossos concursos públicos, que irão terminar no final deste ano, privilegiam projetos portugueses, locais, de cozinha mediterrânica e um dos critérios é que comprem parte da sua matéria prima no Bolhão, iremos fazer esse controlo”, revela Cátia Meirinhos. A intenção, segundo a responsável municipal pela obra, passa por promover e divulgar o mercado junto de restaurantes, cafés e hotéis da cidade. “A ideia é existir um selo que identifique que aquele estabelecimento compra no Bolhão e, assim, criar uma dinâmica de gestão e melhorar a vida dos comerciantes.”

Nos concursos públicos foram lançadas novas categorias de produtos para aumentar a oferta no mercado e garantir que não exista concorrência entre os vendedores. Por isso, ao peixe, à carne, às frutas e às hortaliças vão juntar-se as massas, as algas ou os cogumelos. No piso dos restaurantes de comida tradicional e das sandes de leitão vão abrir espaços especializados em bacalhau, francesinhas, comida crua e vegetariana.

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