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Este é o cenário habitual na hora das trocas de turno de várias empresas da plataforma logística da Azambuja
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Este é o cenário habitual na hora das trocas de turno de várias empresas da plataforma logística da Azambuja

Leonardo Negrão

Este é o cenário habitual na hora das trocas de turno de várias empresas da plataforma logística da Azambuja

Leonardo Negrão

Um apeadeiro apertado, turnos à mesma hora e um setor que não pára. O que explica os surtos na Azambuja?

Mais de 8 mil pessoas trabalham nas empresas de um dos principais centros logísticos do país. Muitos chegam de comboio a um pequeno apeadeiro e trocam turnos à mesma hora. Já houve quase 180 casos.

Todos os dias, milhares de pessoas descem dos comboios da CP no apeadeiro do Espadanal da Azambuja, 40 quilómetros a norte da cidade de Lisboa. A pequena estação, situada entre o Carregado e a Azambuja, serve um dos principais centros logísticos do país. Ali, num curto troço da estrada nacional 3, situam-se mais de 200 empresas e trabalham mais de 8 mil pessoas, incluindo grandes entrepostos de distribuição que asseguram o abastecimento de toda a região da Grande Lisboa — e que, por isso, durante o período do confinamento, nunca pararam de trabalhar. Pode ouvir aqui o Explicador Especial sobre este caso.

O que se passa na Azambuja?

Só no mês de maio, já se registaram naquele parque industrial dois grandes surtos de Covid-19, envolvendo perto de duas centenas de trabalhadores infetados com o novo coronavírus. A grande concentração dos trabalhadores nos comboios que servem a linha da Azambuja, aliada à coincidência dos turnos da maioria das empresas, faz com que o apertado apeadeiro se inunde de gente em três grandes picos diários — por volta das 8h, das 16h e da meia-noite.

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[Vídeo: reportagem no apeadeiro que pode ser chave do surto]

Para tentar conter a propagação do vírus, as empresas que ali operam estão a alterar horários de trabalho, para que os turnos não coincidam, e a redobrar a oferta de transporte rodoviário aos trabalhadores. O primeiro surto, no início do mês, obrigou mesmo ao encerramento de uma empresa de produtos alimentares onde foram detetados 103 casos positivos. O segundo surto, ainda ativo, está a acontecer num centro de distribuição da Sonae.

Número de casos positivos na Sonae da Azambuja sobe para 76. Há outras duas empresas com Covid-19

Dois surtos relacionados em menos de duas semanas

Foi logo a 1 de maio, dois dias antes do arranque da primeira fase do desconfinamento, que o presidente da câmara da Azambuja, Luís de Sousa (do PS), confirmou que cerca de 30 funcionários da Avipronto, uma empresa de produção de carne de aves, estavam infetados com a Covid-19. A elevada percentagem de trabalhadores infetados obrigou ao encerramento da fábrica para que fossem testados todos os funcionários.

Na mesma semana, foram conhecidos os resultados desses testes: 101 trabalhadores estavam infetados com a Covid-19 e quatro tinham tido testes inconclusivos. Já nessa semana, surgiam outros dois casos numa outra empresa próxima, a Salvensen, uma empresa de distribuição de produtos alimentares. Elementos das autoridades de saúde deslocaram-se às instalações da Avipronto para verificar se estavam a ser cumpridos os protocolos de segurança que permitissem a reabertura da fábrica o quanto antes.

O troço da N3 onde se situam várias empresas de logística, servido pelo apeadeiro de Espadanal da Azambuja, fica a cerca de 40 quilómetros de Lisboa. Ali trabalham mais de 8 mil pessoas

Google Maps

A autorização chegou no fim-de-semana seguinte, numa altura em que já se conheciam os resultados dos segundos testes feitos aos casos inconclusivos (que elevaram o total de casos na empresa para 103). Depois de mais de uma semana sem funcionar, a Avipronto reabriu a 11 de maio com apenas 10% dos seus trabalhadores ao serviço.

Mas, por essa altura — mesmo estando o surto controlado e os infetados todos em isolamento em casa —, já o vírus começava a abrir caminho para outras empresas situadas na mesma plataforma logística, dando origem ao segundo grande surto de Covid-19, no entreposto da Sonae, a 800 metros da Avipronto.

Uma das funcionárias da Avipronto que haviam ficado infetadas transmitiu o vírus à filha, que trabalha no entreposto da Sonae. Foi essa trabalhadora que levou o vírus para as instalações da Sonae onde, rapidamente, e devido ao grande contacto entre trabalhadores sobretudo nos transportes de e para o trabalho, se alastrou a 76 pessoas. Esta ligação entre os dois surtos foi revelada esta sexta-feira à Rádio Observador pela presidente da Junta de Freguesia da Azambuja, Inês Louro (do PS). “A partir daqui, a situação torna-se um bocadinho incontrolável”, sublinhou.

"Estamos a falar de empresas que trabalham por turnos rotativos, mas os turnos quase todos têm os mesmos horários. As pessoas vêm muito confinadas ao mesmo espaço nos comboios"
Inês Louro, presidente da Junta de Freguesia da Azambuja

Os números mais recentes relativos ao surto nas instalações da Sonae foram divulgados também esta sexta-feira pela diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, na habitual conferência de imprensa diária sobre a pandemia. “Estão programados 339 testes na Sonae, nos dois setores que têm casos. No entanto estes testes ainda estão em curso. Mas já permitiram identificar 76 casos positivos”, explicou Graça Freitas.

Outras empresas da Azambuja, por princípio da precaução, testaram também os seus trabalhadores, e foram encontrados numa dessas empresas dois casos positivos e noutra três. Felizmente, em todas as outras, não foram encontrados casos positivos”, acrescentou Graça Freitas, sem revelar quais as empresas em que foram diagnosticados casos de infeção.

Para entender a real dimensão deste surto, estão também a ser “acompanhados e rastreados alguns coabitantes e algumas pessoas da comunidade”, assegurou a diretora-geral da Saúde, sublinhando que as autoridades sanitárias têm “acompanhado esta situação de perto para interromper cadeias de transmissão, assegurando que se encontram os casos positivos, que estes casos são isolados, que são acompanhados do ponto de vista clínico e que os seus contactos ficam também em vigilância, ativa ou passiva, conforme a situação”.

Os comboios suburbanos de Lisboa são o principal meio de transporte para os trabalhadores da plataforma logística da Azambuja

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Governo tentou “pedagogia” para reduzir risco nos comboios

Devido à singular importância do setor da produção e distribuição alimentar, sobretudo durante o período de confinamento, a plataforma logística da Azambuja nunca parou de trabalhar. “Esta zona abastece praticamente o país todo. Tudo o que é marcas de supermercado conhecidas são abastecidas daqui. Haveria aqui uma dificuldade por parte das empresas de pararem o que fazem no seu dia-a-dia. Foi uma área da produção que, efetivamente, nunca parou, nunca teve situações de lay-off”, explica Inês Louro, presidente da junta de freguesia local.

O comboio é o principal meio de transporte para a plataforma logística, onde trabalham pessoas oriundas de diferentes pontos da Grande Lisboa — muitos deles estrangeiros. É, precisamente, no transporte ferroviário que reside um dos grandes problemas na origem do surto.

"Esta zona abastece praticamente o país todo. Tudo o que é marcas de supermercado conhecidas são daqui abastecidas. Haveria aqui uma dificuldade por parte das empresas de pararem o que fazem no seu dia-a-dia"
Inês Louro, presidente da Junta de Freguesia da Azambuja

“Estamos a falar de empresas que trabalham por turnos rotativos, mas os turnos quase todos têm os mesmos horários. As pessoas vêm muito confinadas ao mesmo espaço nos comboios, depois o apeadeiro estreita muito quando têm de sair e todas acedem pelo mesmo espaço de saída. A probabilidade de contágio é muito elevada”, resume Inês Louro.

Uma reportagem publicada pelo Dinheiro Vivo no início do mês, por altura do surto na Avipronto, mostra várias imagens captadas nas horas de maior movimentação. Nelas, é possível ver centenas de trabalhadores a descerem dos comboios em simultâneo e a encher o apertado acesso pedonal que atravessa a linha ferroviária e permite sair da estação. Uma grande parte destes trabalhadores são indianos e vivem em diferentes lugares nos subúrbios de Lisboa. Devido à pandemia, e para evitar grandes aglomerados nos comboios mais concorridos, muitos têm procurado chegar mais cedo à Azambuja.

Ainda assim, o Governo garante que os comboios que por ali circulam permitem que o distanciamento social seja cumprido. Durante o período do confinamento, a lotação dos comboios que servem a linha da Azambuja não tem superado os 20% nos momentos de maior afluência, tendo uma lotação média de 12% da capacidade, segundo um comunicado do Ministério das Infraestruturas e Habitação.

O grande problema são mesmo as dimensões dos acessos da estação, apontadas por Inês Louro. Numa reunião promovida pelo Governo no dia 14 de maio, que contou com a participação da CP, da Infraestruturas de Portugal e da Câmara Municipal da Azambuja, chegou-se à conclusão de que há “dois pontos críticos” que aumentam exponencialmente o risco de contágio no transporte para a Azambuja: “O facto de as pessoas que chegam se concentrarem na hora da saída numa única carruagem (a que está mais perto da saída da estação) e haver apenas uma escadaria de acesso à rua, onde todos os utentes se juntam sem o necessário distanciamento social”.

Na plataforma logística da Azambuja trabalham mais de 8 mil pessoas num setor que nunca parou durante o confinamento

Leonardo Negrão/Global Imagens

Dessa reunião, saíram três iniciativas, baseadas na “pedagogia junto dos utentes”, para tentar reduzir o risco de contágio na estação: a instalação de sinalização no apeadeiro a apelar aos passageiros que não se concentrem junto às escadas; o reforço da sensibilização dos passageiros por parte dos revisores da CP para que haja uma maior distribuição ao longo do comboio; e a recomendação de que as empresas deem meia hora de tolerância aos trabalhadores para evitar a “urgência em chegar”.

Além disso, segundo explicou ao Observador a autarca Inês Louro, foi pedido às empresas para “descoordenarem os turnos” entre si. “Entram os turnos quase todos às 8h, quase todos à meia-noite”, disse a presidente da junta, sublinhando que era fundamental que as empresas passassem “umas a entrar às 7h, outras a entrar às 9h”. “Isto implica, da parte das empresas, uma reorganização, mas é muito importante para os trabalhadores não virem todos juntos no mesmo transporte.”

Algumas empresas, segundo o que nós sabemos, estão a adaptar-se. Eu também já iniciei uma ronda de visitas às empresas e já tive oportunidade de falar com algumas delas, e já começaram a implementar essas medidas”, assegura Inês Louro. “Há empresas, nomeadamente esta que está agora com este grande surto, que têm camionetas para ir buscar trabalhadores a locais onde não estão bem servidos de transportes. Uma das coisas que foi pedido foi nesta fase fazerem um esforço para irem também buscar os trabalhadores apesar de estarem servidos pelo transporte público que é o comboio.”

Em resposta a perguntas do Observador sobre as medidas que foram adotadas para conter o surto atual no entreposto da Azambuja, a Sonae MC encaminhou apenas um esclarecimento divulgado na quinta-feira e remeteu qualquer outro pedido de informação para a Direção-Geral da Saúde.

"O facto de as pessoas que chegam concentrarem-se na hora da saída numa única carruagem (a que está mais perto da saída da estação) e haver apenas uma escadaria de acesso à rua, onde todos os utentes se juntam sem o necessário distanciamento social"
Comunicado do Governo sobre pontos críticos no apeadeiro do Espadanal da Azambuja

Nesse comunicado, a Sonae explica que está em vigor há mais de dois meses o plano de contingência das instalações da Azambuja e que não há risco de contágio nos espaços da empresa. A empresa reconhece que há possibilidade de disseminação do vírus no contexto dos transportes — e é aí que tem estado a agir. Segundo o comunicado, apenas um terço dos 800 trabalhadores do entreposto usam o comboio.

“Já estamos a reforçar há várias semanas o serviço de autocarros próprios (duplicámos o número de autocarros e a higienização, de forma à lotação ser apenas metade da capacidade, garantido o distanciamento social)”, diz a empresa, acrescentando que “os horários dos turnos foram desfasados para evitar concentrações” de trabalhadores nas entradas e saídas das instalações. Além disto, desde 24 de março que a temperatura de todos os trabalhadores é medida antes da entrada nas instalações — e a medição será “mantida por tempo indeterminado”.

Uma série de outras medidas continuam a ser implementadas nas instalações da Sonae, incluindo a suspensão das reuniões de início de turno, a disponibilização de máscaras (de uso obrigatório) e equipamentos de proteção aos trabalhadores, a distribuição de lava-mãos e doseadores de álcool-gel pelas instalações e a dispensa do serviço dos trabalhadores que fazem parte de grupos de risco.

O entreposto da Sonae MC na Azambuja assegura o abastecimento dos supermercados Continente na região da Grande Lisboa

Inácio Rosa/LUSA

A verdade é que, independentemente das medidas adotadas no interior das empresas, o maior problema continua a ser o transporte coletivo que leva uma grande parte dos trabalhadores para a plataforma logística da Azambuja. A possibilidade de uma cerca sanitária chegou a ser levantada em reuniões com a autarquia, mas rapidamente foi descartada. Mas, enquanto durar este período crítico, a presidente da Junta de Freguesia da Azambuja não tem dúvidas: “Os meus filhos ambos estudam em Lisboa, estão com aulas online, mas é óbvio que neste momento começam a querer ir ter algum contacto social e eu não os deixo apanhar o transporte público”.

Surto pode fazer subir o “R” em Lisboa

Nos últimos dias, tem-se verificado uma tendência de crescimento do número de casos na região de Lisboa e Vale do Tejo, por oposição ao resto do país, onde o número de novos casos por dia se tem mantido estável. Esta tendência está agora a acentuar-se com estes surtos. Nesta sexta-feira, na conferência de imprensa sobre a pandemia em Portugal, a diretora-geral da Saúde admitiu que os números em Lisboa estão muito influenciados por este surto.

“Há esta situação concreta da Azambuja, em que há surtos, um surto grande e dois pequeninos surtos em outras duas instituições. Coisas muito localizadas. Depois, há uma transmissão comunitária no resto do país que já foi mais intensa”, afirmou Graça Freitas, sublinhando como o surto na Azambuja já “contribuiu para os boletins” com 76 casos em 24 horas — um número significativo num país que tem vindo a registar entre 200 e 300 casos novos por dia.

O que parece mais que certo é que estes surtos na Azambuja vão fazer subir o já famoso “R” — o número de reprodução do vírus, ou número médio de contágios por cada pessoa infetada. Este é um indicador fundamental para ter uma perceção de como está a evoluir uma epidemia: se o valor for inferior a 1, a epidemia tende para o seu fim; se for superior a 1, está a crescer.

A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, intervém durante a conferência de imprensa diária sobre o novo coronavírus (covid-19), realizada no Ministério da Saúde, em Lisboa, 18 de maio de 2020. Portugal regista hoje 1.231 mortes relacionadas com a covid-19, mais 13 do que no domingo, e 29.209 infetados, mais 173, segundo o boletim epidemiológico divulgado hoje pela Direção Geral da Saúde (DGS). ANTÓNIO PEDRO SANTOS/POOL/LUSA

A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, reconheceu que o surto na Azambuja influencia de forma excecional as estatísticas da região de Lisboa e Vale do Tejo

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

O valor do “R” é tão importante que chegou a ser apontado como um dos indicadores decisivos para dar luz verde ao desconfinamento: idealmente, a epidemia estaria controlada quando o “R” fosse reduzido até aos 0,7. O desconfinamento acabaria por começar com o “R” entre os 0,9 e o 1 — o que levou os especialistas a manifestar preocupação com a falta de margem de manobra.

Entretanto, este indicador já teve variações e chegou inclusivamente a ultrapassar o 1 na região de Lisboa e Vale do Tejo. Mas, como os especialistas também têm alertado, o “R” não pode ser o único indicador a ter em atenção para definir o desconfinamento, porque é muito vulnerável à influência de situações isoladas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o caso do hostel em Lisboa onde foram identificados 136 casos positivos de Covid-19. Aí, o facto de um grande número de pessoas ter sido infetado através de uma única cadeia de transmissão, provavelmente por um mesmo “paciente-zero”, fez aumentar o valor do “R” para a região de Lisboa e Vale do Tejo, embora a realidade da região, na generalidade, não tivesse sofrido alterações significativas.

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