É confuso, alarmista, tem erros ortográficos e não cita fontes credíveis. Contudo, isso não impediu que o mais recente “remédio caseiro” supostamente capaz de curar a Covid-19 de um dia para o outro se tornasse viral no Facebook. Diz a longa publicação que os membros de uma família mexicana usaram “três aspirinas de 500 gr dissolvidas em sumo de limão com mel tomado quente e no dia seguinte estavam bem”. Esta informação é falsa e já por várias vezes a Organização Mundial da Saúde teve de desmentir o efeito curativo ou preventivo de vários alimentos ou combinações — foi o caso do mito recorrente da água com rodelas de limão, do café  ou de alimentos com pH alto. “Enquanto alguns remédios caseiros podem dar conforto e aliviar sintomas da Covid-19, não há evidências de que haja um medicamento atual que consiga prevenir ou curar a doença”, disse um porta-voz da entidade à AFP.

Também a Bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, já tinha garantido ao Observador que não existe “nenhum alimento que consiga evitar o contágio nem auxiliar após uma pessoa se contaminar”.

Texto com dezenas de partilhas foi partilhado a 25 de Abril

A publicação que circula atualmente no Facebook cita uma “informação divulgada por um pesquisador médico da Itália”. “Em 50 autópsias realizadas em pacientes que morreram de COVID-19, descobriram que NÃO É PNEUMONIA, estritamente falando, porque o vírus não mata pneumócitos mas usa uma tempestade inflamatória para criar uma trombose vascular”, afirma o texto, acrescentando que “na trombose difusa correspondente, o pulmão é o mais afetado porque é o mais inflamado, mas também produz um ataque cardíaco ou derrame e muitas outras doenças trombóticas. Os protocolos deixaram as terapias antivirais inúteis e concentraram-se nas anti-inflamatórias e anti-coagulantes”. É aqui que entra a sugestão do limão, que é um anticoagulante natural.

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Quanto à aspirina, as opiniões já divergiram — a OMS começou por desaconselhar — e a maioria dos especialistas não vê vantagens. Vanessa Selak, especialista em saúde pública, e o epidemiologista Rod Jackson, ambos da Universidade de Auckland (EUA), defendem que “não existem provas, ainda, de que a aspirina tenha vantagens para a Covid-19, mas há evidências de que uma dose diária pode, em alguns casos, causar sangramentos perigosos”. “A incidência de um AVC em pacientes Covid-19 é tão pequena que os riscos de tomar aspirina são maiores do que qualquer benefício ainda por provar para a população”, dizem. E aqui só estão a falar de uma aspirina por dia, nunca de três. Essa dosagem é muito acima da aconselhada.

Até um grama, o medicamento — que por vezes é receitado a pacientes que tenham sofrido um ataque cardíaco ou um acidente vascular cerebral — é eficaz contra a dor e a febre. Já oito comprimidos, por exemplo, “são suficientes para aumentar o risco de excesso de acidez no sangue e baixa acentuada de glicose, causando choque cardiovascular e insuficiência respiratória — distúrbios que podem levar à morte”, pode ler-se num artigo publicado pela “Saúde”, uma revista brasileira de medicina e nutrição.

Também é falso que o novo coronavírus seja um “problema cardiovascular e não respiratório”. Têm-se verificado casos de tromboses, é verdade, mas não são números significativos e não há dados suficientes ainda que indiquem uma causa direta. O que a OMS diz é que “a maioria das pessoas infetadas com Covid-19 vão ter uma doença respiratória de ligeira a moderada e recuperar sem necessidade de tratamento especial. Pessoas mais velhas, e aquelas com problemas médicos como uma doença cardiovascular, diabetes, doença respiratória crónica e cancro têm mais probabilidades de desenvolver uma doença séria”.

A partilha que é viral no Facebook não é propriamente nova. Junta várias informações, todas elas incorretas, que já tinham andado a circular. Tudo começou em Itália com uma mensagem, entretanto apagada das redes sociais, que citava diversos médicos. Partindo daí, a história chegou a ser publicada em sites de notícias, como o “International Business Times”, que a 12 de abril dizia que um médico, Sandro Giannini, tinha descoberto que os casos mais severos de Covid-19 aconteciam devido a problemas cardiovasculares e não respiratórios e que o uso de medicamentos anti-inflamatórios tinha reduzido drasticamente o número de casos. As declarações teriam sido feitas ao “Buongiorno News” mas o conteúdo foi entretanto apagado.

Tudo foi rapidamente desmentido pelo virologista Roberto Birioni, que tem um site onde desmonta mitos científicos que circulam nas redes sociais. “Lembrem-se: a notícia de uma cura não vai chegar através do WhatsApp ou do contínuo da escola”, alertou. No entanto, por esta altura já a notícia falsa circulava em pela Internet.

Apareceu depois um novo post que prometia a cura milagrosa: “Itália descobre um remédio caseiro para a Covid-19. 500 gr de aspirina dissolvida com sumo de limão fervido com mel, é bebido quente”. Para se juntar às duas publicações isoladas, surgiu um texto com todos estes dados misturados que circula em várias línguas, incluindo português.

Conclusão

Nem o limão, nem o mel ou qualquer outro alimento previnem ou curam o novo coronavírus. A aspirina também não é a solução e em caso algum deve ser tomada uma dose mais elevada do que aquela indicada pelos médicos. Para a OMS e para os especialistas, em algumas casos pode acontecer que a Covid-19 esteja associada a problemas cardiovasculares mas isso não é uma regra, o vírus continua a estar diretamente relacionado com problemas respiratórios.

Assim,de acordo com o sistema de classificação do Observador este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com a classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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