Nos últimos dias do ano são frequentes as retrospectivas em relação aos doze meses anteriores, bem como as previsões relativas ao novo ano.

No que respeita a 2023, estão previstos dois grandes acontecimentos eclesiais: as Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), nos primeiros dias do mês de Agosto, em Lisboa, com a presença do Papa Francisco; e a primeira sessão do Sínodo sobre a sinodalidade eclesial, em Roma, em Outubro de 2023.

Em 2022, a pedofilia foi um dos temas dominantes na informação religiosa. Aliás, esperam-se para breve as conclusões do relatório da Comissão Independente, encarregada pela Conferência Episcopal Portuguesa do levantamento dos casos de abuso de menores na Igreja católica, que é agora a instituição mais escrutinada e segura nesta matéria. Infelizmente, este exemplo de transparência e rigor ainda não foi assumido pelo Estado, não obstante o escândalo Casa Pia, nem pelas restantes religiões, em que também constam casos de pedofilia, embora sejam mais recorrentes no âmbito familiar.

Talvez pelo empolamento dado pela comunicação social à pedofilia na Igreja – recorde-se o caso contra o Patriarca de Lisboa, que se provou ser um não-caso – foram escassas as referências às perseguições aos cristãos que, no entanto, abundaram, não apenas nos países comunistas, onde não há liberdade religiosa, e islâmicos, em que a iníqua lei da blasfémia dá cobertura legal à repressão anticristã, mas também na Europa.

No passado dia 14 de Novembro, antevéspera do Dia Internacional da Tolerância, foi divulgado, em Viena, o relatório do Observatório sobre a Intolerância e a Discriminação contra os Cristãos (OIDAC) que, só na Europa, dá conta de mais de 500 atentados documentados: quase dois actos de ódio anticristão por dia!

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como noticiou a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), “o país onde se registaram mais ocorrências que possam ser classificadas como ‘crimes de ódio’ foi a França, com 124 casos, seguido de perto pela Alemanha, com 112. Por coincidência, a 17 de Novembro, três dias depois da divulgação deste relatório, a antiga catedral católica francesa de Saint-Pol-de-Léon, na Bretanha, foi alvo de um incêndio que terá tido origem criminosa e que, apenas graças à pronta resposta dos bombeiros, não provocou grandes danos no edifício. Para além da França e Alemanha seguem-se, por ordem decrescente, a Itália, com 92 casos, a Polónia, com 60, o Reino Unido com 40, a Espanha com 30, e a Áustria com 20 situações reportadas. Bélgica, Irlanda e Suíça são países também identificados, mas não ultrapassando, cada um deles, a dezena de casos”.

Segundo a Dra. Janet Epp-Buckingham, professora da Trinity University de Ottawa, a intolerância laica é a principal responsável pela perseguição aos cristãos no Ocidente: “O que mudou nestes países é o facto de a neutralidade religiosa ter dado lugar à hostilidade para com a religião. Isto é evidente na acção dos Governos, dos Tribunais e da sociedade em geral.

O relatório da OIDAC dá conta de quatro cristãos que, por razão da sua fé, foram assassinados na Europa. A imprensa, que é sempre tão sensível em relação aos atentados contra os jornalistas – recorde-se, por exemplo, o trágico caso Charlie Hebdo – ignorou estes crimes que, por isso, não são do conhecimento público.

Os ataques mais frequentes contra os cristãos são, contudo, os discursos de ódio, cada vez mais frequentes. No país vizinho, Beatriz Bandera publicou um vídeo de uma procissão católica em Sevilha, com a seguinte legenda: “os nossos talibãs”. Também em Espanha, um membro do partido de extrema-esquerda Unidas Podemos disse dos bispos, padres e religiosos, que foram vítimas mortais do ódio anticatólico na Guerra Civil espanhola: “Só 7 mil? Que pena, deveriam ter sido mais!”.

O relatório da OIDAC também refere a cumplicidade dos media que ignoraram os actos de violência, ou de discriminação, contra os cristãos. Segundo este Observatório, “estes exemplos sugerem uma tendência preocupante, porque a sociedade parece indiferente ante os discursos de ódio e as discriminações contra os cristãos, sobretudo se comparados com outros crentes, ou grupos identitários”. Com efeito, enquanto a nossa imprensa é por demais escrupulosa no que se refere a notícias que envolvam pessoas de certas minorias, não tem qualquer pudor em divulgar a identidade de um clérigo católico que seja denunciado por um alegado crime de pedofilia, mesmo quando a acusação é inverosímil ou, como já aconteceu em vários casos, comprovadamente falsa.

Todd Huizinga, membro do Instituto de Liberdade Religiosa de Washington DC, considera que o relativismo, que inicialmente se supunha favorável à tolerância, se converteu num “dogma”: “Agora que o relativismo é a visão do mundo dominante no Ocidente, desenvolveu o seu próprio dogma rígido e absolutista que, em nome da falsa tolerância, não admite oposição.

Por sua vez, a directora executiva do Observatório na Europa esclarece qual o objectivo do relatório agora publicado: “Na OIDAC procuramos analisar as fontes da intolerância e da discriminação contra os cristãos, para identificarmos os promotores da intolerância na nossa sociedade. O nosso trabalho pretende oferecer respostas globais e, por isso, detectamos todos os indícios de intolerância social, como a legislação problemática a nível nacional ou internacional. As divisões entre os cristãos e os grupos laicos costumam ser fomentadas e desenvolvidas pelos meios de comunicação social e pela política. A tolerância e o respeito se devem aplicar e garantir, por igual, a todos os grupos sociais, pelo que destacamos a importância da liberdade religiosa, não apenas para os cristãos de todo o mundo, mas também para os não-crentes”.

Na parte jurídica do relatório da OIDAC expõem-se as crescentes limitações à liberdade de expressão e de reunião, nomeadamente nas imediações das clínicas abortistas, bem como as leis que incitam ao ódio anticristão, pela criminalização das práticas religiosas, como a oração ou a exibição de símbolos cristãos, ou a eliminação do direito fundamental à objecção de consciência, nos casos do aborto e da eutanásia. Outro aspecto preocupante é o que se refere à família, quando aos filhos menores é dada a possibilidade de recorrerem à interrupção voluntária da gravidez, ou a operações de mudança de sexo, sem o consentimento, nem o conhecimento, dos progenitores.

Não é preciso ser profeta, nem bruxo, para adivinhar que o próximo ano será de grandes bênçãos – as JMJ, o Sínodo, etc. – mas também de não poucas contradições para a Igreja católica que, por sinal, já é perseguida desde a sua fundação, há aproximadamente 2023 anos. Como disse Gilbert K. Chesterton, “Jesus prometeu três coisas aos seus discípulos: que não teriam medo de nada; que seriam absurdamente felizes e que estariam constantemente metidos em sarilhos!” (Chesterton dixit, Frases célebres e aforismos, Aletheia Editores). Que assim seja!

Feliz ano 2023, da era de Nosso Senhor Jesus Cristo.