Primeiro sorriu-se. A coisa começa quase com um sorriso, uma gracinha meio infantil: “Homem multado pela GNR por comer gomas na rua. Homem foi multado pela GNR durante o estado de emergência e o confinamento obrigatório por estar a comer à porta de um serviço comercial, algo que está proibido. A multa pode ir de 200 a mil euros.”
Logo aquela parte do nosso cérebro que se esforça por nos garantir que está tudo bem, nos sussurra: ora que falta de gosto comer gomas e para mais comer gomas na rua! Ainda se fossem chocolates que é algo que até permite citar Fernando Pessoa! Nós que somos pessoas de bom gosto nunca seremos multados porque nem compramos gomas em máquinas nem comemos gomas na rua. A rematar esta deslocalização do óbvio – a nossa perda de liberdade – há aquela saída de emergência que consiste em culpar a GNR (fica sempre bem, não é?) por ter treslido a lei, a estupenda lei saída da estupendíssima cabeça do legislador. Está tudo bem, não está? Vem aí o 25 de Abril, vamos comemorar a liberdade. Na ditadura é que se multavam as pessoas por patetices como a licença de isqueiro. Nós agora, claro, que nem percebemos como isso pode ter alguma vez acontecido.
Depois engoliu-se em seco. Estávamos já devidamente apaziguados sobre a multa ao homem sozinho que trincava gomas na rua quando nos surge outro homem solitário. Como este estado de emergência tem permitido constatar, os homens solitários fazem coisas muito estranhas e este, que tão destrambelhadamente nos vem desinquietar acerca do estado a que o nosso Estado chegou, comia uma sandes não numa rua mas sim num ermo, mais a mais dentro de um carro em que só se encontrava ele mesmo, o condutor-comensal: “A Polícia de Segurança Pública (PSP) de Torres Novas multou um homem, em Lapas, durante uma ação de fiscalização no âmbito do controlo do recolher obrigatório, mas o multado, Rúben Marques, não cala a revolta, pois considera a coima indevida. “Trabalho para uma empresa de limpezas e para duas associações de animais, uma delas nas Lapas. Quando vinha do trabalho, parei o carro num local deserto para descansar e comer uma sandes. Apareceu a polícia e multaram-me em 200 euros”.
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