1 Se ouvirmos a fina flor do comentariado nacional há três tipos de abordagem para o problema da corrupção: ou é uma espécie de invenção da “comunicação social justicialista” aliada ao tenebroso poder oculto do Ministério Público ou é um problema que tem pouca importância ou é um tema total e absolutamente ignorado. Na prática, é uma espécie de tema que mete nojo aos bem pensantes que não querem ‘sujar as mãos’ a estudarem minimamente o assunto.

As exceções são poucas e muito honrosas mas a tendência geral, infelizmente, é a que está descrita atrás.

Contudo, inúmeros estudos de opinião apontam precisamente o contrário desde há anos. Uma sondagem do ICS-ISCTE para o Expresso indicava a 22 de dezembro de 2023 que 72% dos inquiridos considerava a corrupçao “aumentou” ou “aumentou muito” face a 2022 e 25% diza que estava tudo na mesma. Desde setembro de 2019, altura em que a amostra da sondagem do ICS-ISCTE foi confrontada pela primeira vez com esta questão, aquele indicador tinha registado um valor de 60%. Ou seja, houve um aumento de 12% em apenas cerca de três anos.

Se olharmos para outro estudo, da Universidade Católica para o Público / RTP, percebemos em julho de 2023 que o tema da corrupção era o terceiro tema que mais preocupava os inquiridos (com 12% das respostas), logo a seguir ao “Governo e governação” (cerca de 16%) e a “inflação e custo de vida” (com cerca de 15%). Já em Novembro, a corrupção continuava a ser a terceira maior preocupação dos inquiridos.

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Esta é uma ideia que se mantém estável, com tendência para subir, desde há muitos anos. Basta recordar outro estudo opinião à escala europeia promovido pela Transparência Internacional em que 51% dos inquiridos considerava a “corrupção” como o terceiro tema mais relevante.

Portanto, este é um resultado estável ao longo dos anos.

2 Mesmo assim, os partidos moderados (PSD, PS, IL, CDS ou até mesmo o PAN e o Livre) recusam-se a encarar o problema de frente, como se este não existisse, e deixaram (e deixam) que o Chega explorasse (e explore) o tema até à exaustão. Pura e simplesmente, desapareceram em combate.

Bastou ver as moções de estratégia dos dois candidatos à liderança do PS para percebermos que o tema não era relevante para Pedro Nuno Santos e para José Luís Carneiro. Como também basta constatar o que disseram alguma das principais figuras do PS no congresso de há duas semana: com a honrosa exceção de Francisco Assis, espezinharam o mais que puderam o Ministério Público e a separação de poderes.

Acossados pela Operação Influencer, os socialistas seguiram cegamente os herdeiros do flautista de Hamelin chamados Ferro Rodrigues, Vieira da Silva e Eduardo Cabrita — e esqueceram certamente a vergonha que sentiram quando descobriram que o seu ex-líder, ex-primeiro-ministro e ex-militante chamado José Sócrates vivia à custa dos empréstimos que pedia a Carlos Santos Silva (ver aqui, aqui e aqui) quando os flautistas do presente e do passado lhes tinham ‘vendido’ a história (falsa) de que Sócrates era um herdeiro indireto do volfrâmio por via da mãe.

Mesmo os 75.800 euros apreendidos em notas no gabinete de Vítor Escária não lhes fizeram reavivar a memória e perceber a ‘banha da cobra’ que os flautistas lhes estavam a vender. Veremos o que nos reserva o futuro em termos políticos e judicias — e se os flautistas não se transformarão em ratinhos. Bem caladinhos.

3 Mas não se pense que o centro-direita tem uma abordagem diferente da do PS. O PSD ignora igualmente o tema. Posso estar errado, mas o tema não é relevante para Luís Montenegro e para os aliados políticos mais próximos. É certo que criticaram fortemente os socialistas pela pressão que fizeram sobre a procuradora-geral Lucília Gago para arquivar os autos abertos contra António Costa nos serviços do Ministério Público do Supremo Tribunal de Justiça mas as soluções para tornar o combate contra a corrupção mais eficaz não parecem interessar a Montenegro.

Tendo em conta o capital que o PSD tem nesta área, é um tremendo erro político não o aproveitar. Sejam pelos créditos de Paula Teixeira da Cruz nesta área (indicou o nome de Joana Marques Vidal para procuradora-geral e promoveu uma reforma cirúrgica do processo penal que aumentou a eficiência), sejam as decisões corajosas da direção de Luís Marques Mendes de cortar com autarcas como Isaltino Morais e Valentim Loureiro, seja inclusivé o “não” de Pedro Passos Coelho a Ricardo Salgado — esse historial dá um capital político ao PSD para reclamar alguma ousadia em toda a temática. Mas Luís Montenegro não quer, pelo que julgo saber. Faz mal.

Numa perspetiva estritamente política, o PSD parece um partido de ingénuos. Se a coisa fosse ao contrário (e o PSD tivesse um caso Marquês e Influencer ‘às costas’), os socialistas não perdoariam  e explorariam todas as falhas.

Do CDS, preso e dependente dos pensamentos de Paulo Portas (que é o oposto neste temas do que foi Pedro Passos Coelho), não vale a pena falar.

Da Iniciativa Liberal (IL), confesso, esperava muito mais mas também pouco ou nada vi. Defender um combate efetivo contra a corrupção, é defender as regras de mercado, é defender um capitalismo mais justo em que as empresas e as pessoas concorrem em igualdade de circunstâncias, com transparência e sem batota. Mas a IL também tem nojo ao tema.

4 Antes e depois da Operação Influencer, António Costa não se tem cansado de falar do reforço orçamental da Polícia Judiciária (PJ) promovido pelo seu Governo. Não há dúvida que essa é uma medida importante — e que já está a dar uma maior maior efetividade à PJ.

Contudo, o seu Governo pouco mais tem para mostrar na área de prevenção e de combate à corrupção, a não ser um Código de Conduta feito às três pancadas por causa de um caso concreto (o caso Galpgate) mas de que nada serviu e que nem sequer incluía o escrutínio do próprio primeiro-ministro.

É verdade que instituiu uma Estratégia Nacional Contra a Corrupção — que tinha ideias ambiciosas como os acordos de sentença e outros mecanismos de justiça negociada, que aplicou a proteção dos denunciantes e alargou os regimes de prevenção da corrupção ao setor privado. Mas as ideias mais disruptivas não passaram no Parlamento, contando com a oposição do grupo parlamentar do PS e do PSD de Rui Rio.

Mesmo o novo Mecanismo Nacional Contra a Corrupção, criado pela Estratégia Nacional Contra a Corrupção mas que só entrou em funções em junho de 2023 continua coxo e sem fazer o seu principal trabalho: fiscalizar as regras da prevenção de corrupção criadas pela Estratégia.

Isto já para não falar da Entidade da Transparência que, apesar de ter sido criada em 2019, só saiu do papel no início de 2023 mas em julho desse ano continuava sem luz e água para fiscalizar as declararações de rendimento dos titulares de cargos políticos. É só rir!

Basta recordar o que os especialistas do Grupo de Estados Contra a Corrupção do Conselho da Europa disseram sobre estes dois organismos — que não estavam “plenamente operacionais e que a efetividade do “extenso quadro jurídico e institucional contra a corrupção” dependiam disso — para encerrar esse dossiê e esperar pelo novo Governo.

5 E é devido a todos estes desaparecidos em combate que o Chega de André Ventura aparece aos olhos de muitos milhares de eleitores a liderar este combate.  Obviamente que não lidera coisa alguma mas o seu habitual arsenal de frases bombásticas cria essa ilusão.

Tanto se queixa de “tantos impostos” que pagam “a corrupção”, como faz promessas estapafúrdias sem o mínimo nexo de compensar a eliminação do IUC, do IMI e do IVA de todos os alimentos com os cerca de 18 mil milhões de euros que Portugal perde com a corrupção.

É verdade que um relatório do Parlamento Europeu refere que essa é verba que se projeta para a perda de fundos públicos com a corrupção mas o Chega não pode prometer acabar com a corrupção — como ninguém pode prometer acabar com a crime em geral, com a droga ou com a fome. São meras utopias que, neste caso, serve mesmo para enganar papalvos.

Contudo, o objetivo do Chega é outro — como sempre. É criar a ilusão de que é o único partido a preocupar-se com o tema da corrupção e a criar a perceção da liderança nesse combate. E isso rende votos porque os portugueses estão preocupados com o tema.

Que os partidos moderados não percebam isto, é de bradar aos céus. E depois admiram-se que o Chega cresça…