Há umas décadas, logo no início do euro, um aluno adulto percebe que a sua prestação da casa, comprada com crédito e taxa variável, pode subir quando as taxas de juro aumentarem e entra em pânico. Passaram mais de duas décadas e continuamos a encontrar pessoas que ficam espantadas por verem aumentar a sua prestação com a subida dos juros.

Mais recentemente, confrontando uma jovem que dizia não saber fazer contas básicas, mas que trabalhava numa loja, pergunta-se como faz o troco. Não é preciso, quando alguém paga em dinheiro, a máquina faz as contas.

Contas básicas de aritmética, aprendidas nos primeiros anos da escola, são espantosamente consideradas, com muita frequência, como matemática superior por quem tem em torno de 20 anos. Conceitos como taxas de juro, lucros e receitas, défice e dívida, acções de empresas ou mercados de capitais em geral são um mundo completamente desconhecido para a maioria dos jovens e até adultos. Ainda que os jovens se maravilhem com as criptomoedas ou se deixem envolver no conto do vigário do que chamam “forex” e que mais não é do que um jogo de Ponzi como aconteceu por aqui com a Dona Branca.

Apesar de instituições como o Banco de Portugal e a CMVM anunciarem programas de literacia financeira, pouco ou nada se nota de progressos na compreensão do mundo financeiro, com lacunas muito graves de raciocínio para calcular simples variações, sejam em valor ou percentagem.

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O Eurobarómetro recentemente publicado com o tema Literacia Financeira retrata bem essa deficiência em questões básicas, como compreender o impacto da inflação ou dos juros. Portugal está na penúltima posição em matéria de conhecimentos financeiros simples. Num aspecto básico como o efeito da inflação no poder de compra, há 9% a responderem que os mesmos mil euros compram mais daqui a um ano do que hoje, perante uma inflação de 2%. Resta-nos a consolação de que mais de metade percebe que perdeu poder de compra.

Fonte: Eurobarómetro (https://europa.eu/eurobarometer/surveys/detail/2953)

Com este retrato, o Governo decide facilitar a avaliação da Matemática e acabar com o exame nacional, apesar dos alertas do Presidente. Ficaremos a saber menos sobre as deficiências nacionais numa fase da vida, o secundário, em que ainda é possível fazer correcções. E na perspetiva de uma sociedade em que a Inteligência Artificial vai fazer parte da vida desses jovens, não os preparar para o raciocínio matemático é condená-los nas suas capacidades de lidar com o mundo, é contribuir para o reforço de uma tendência que já hoje se desenha de agravamento das desigualdades.

A Matemática básica é uma ferramenta fundamental para a vida em geral e para o mínimo de capacidade de gestão financeira pessoal. Sem a matemática e sem um ensino básico sobre o funcionamento do mundo económico e financeiro estamos a criar uma geração sem capacidade para gerir a sua vida. Ou antes, estamos a perpetuar e a agravar as desigualdades e a avariar ainda mais o elevador social. Todos os que estiverem inseridos em famílias de mais baixos recursos, sejam financeiros sejam educacionais, estarão condenados a tarefas menores, muitas delas em riscos de desaparecerem. E expostos a contos do vigário.

Podem existir muitas teorias sobre os problemas dos exames e das avaliações, mas os seus efeitos negativos superam seguramente os positivos. Estas decisões levam a reforçar a convicção de que o objetivo do Governo não é formar e educar cidadãos de corpo inteiro, contribuindo para o desenvolvimento e a redução das desigualdades. O objetivo do Governo parece ser ter boas estatísticas de Educação nos relatórios da OCDE. Esta instituição terá aliás de repensar as suas avaliações, para que esses estudos não possam ter os efeitos perversos que se começam a verificar.

A geração mais preparada de sempre, frase feita que dificilmente se entende, pode ter dentro dela um grupo pequeno de super-preparados e um batalhão de iletrados. Mais uma vez e também neste domínio, como na Saúde e na Justiça, as desigualdades agravam-se, há “uns mais iguais do que outros”.