Os desenvolvimentos políticos recentes nos Açores devem ser motivo de alerta e preocupação para todos quantos consideram desejável a existência de alternativas de governação não socialistas em Portugal.

Quando a actual solução governativa foi encontrada nos Açores escrevi aqui que, depois de António Costa ter recorrido em 2015 ao PCP e ao BE para chegar ao poder, o modelo açoriano de construir uma alternativa de governação liderada pelo PSD, com CDS e PPM, e com entendimentos parlamentares com IL e Chega, poderia estabelecer em definitivo um novo modelo de soluções governativas em Portugal. Modelo esse que estaria também mais em linha com o habitualmente praticado em países com sistemas eleitorais proporcionais como o português.

O alargamento desta possibilidade ao espaço político à direita do PS deve ser visto como natural e constitui a principal implicação nacional da solução governativa a que se chegou nos Açores. Num sistema partidário com crescentes sinais de fragmentação, a manutenção dessa possibilidade como exclusivo da esquerda constituiria um inequívoco e poderoso instrumento de perpetuação no poder para o PS. Não é por isso surpreendente que à esquerda a solução governativa actualmente implementada nos Açores seja vista com grande hostilidade e como um alvo prioritário a abater.

Tanto para o PSD como para o Chega seria positivo avançar para legislativas nacionais com o exemplo dos Açores como uma ilustração prática e operacional da possibilidade de construir plataformas mínimas de entendimento para formar uma alternativa de governação ao PS, mesmo partindo de posicionamentos substancialmente diferentes em muitos temas importantes. Nesse sentido, as declarações de Rui Rio de que abdicaria da possibilidade de governar caso tal implicasse um entendimento com o Chega foram pouco sensatas. Pior: considerando o precedente estabelecido nos Açores, as declarações de Rio foram também notoriamente inconsistentes.

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Perante as declarações de Rio, a reacção de André Ventura, declarando a retirada do apoio do Chega ao Governo Regional dos Açores, foi certamente compreensível mas levantou também vários problemas. O primeiro é que, ainda que se compreenda a necessidade de o Chega se dar ao respeito, usar um argumento nacional para retirar apoio a uma solução governativa regional previamente estabelecida nos Açores não pode deixar de ser visto como uma instrumentalização. A posterior tentativa de correcção de trajetória alegando desrespeito pelo acordo regional celebrado nos Açores demonstra consciência disso mesmo mas as declarações iniciais de André Ventura foram inequívocas sobre a razão principal (de natureza nacional e não regional) para a ameaça de ruptura nos Açores. O segundo problema é que os Açores ilustram também a dificuldade do Chega para recrutar e apresentar candidatos credíveis e que proporcionem garantias de estabilidade – vale a pena recordar que em pouco tempo o partido perdeu metade da sua representação, com um deputado a passar para independente. O terceiro problema, e porventura o principal, é que um novo partido com as características do Chega precisa de se afirmar como um parceiro credível e confiável. Ora, uma ruptura nos Açores em nada ajuda nessa difícil tarefa, antes credibilizando o argumento de que cada voto no Chega será um voto que facilitará a perpetuação da esquerda no poder, o que naturalmente limitará o seu crescimento. Impende sobre o Chega o ónus de demonstrar que pode ser mais do que um partido agregador de voto de protesto à direita.

Ter responsáveis do PSD a condenar e ostracizar diariamente em público o Chega ao mesmo tempo que dependem do partido para manter a governação dos Açores é obviamente desconfortável e insustentável, tanto para o PSD como para o Chega. A referência na moção de estratégia apresentada por Rui Rio à construção de uma “nova maioria sem linhas vermelhas” parece uma posição de partida sensata e realista para o PSD, mas deve ser acompanhada de posicionamentos públicos consistentes com essa mesma ideia. Evitar “linhas vermelhas” e “cordões sanitários” é uma posição que aliás deverá também ser compatível com o pragmatismo de Paulo Rangel (pelo menos num contexto pós-eleitoral), caso seja eleito líder do PSD.

O espaço não socialista enfrenta em Portugal dois desafios principais. O primeiro é o de alargar a sua base eleitoral total, somando e mobilizando votos de segmentos do eleitorado que ao longo dos últimos anos se habituaram a votar à esquerda (ou a não votar). O segundo é o de fazer esse alargamento de uma forma que não inviabilize a possibilidade de entendimentos mínimos para ser alternativa de governação ao PS. A menos que se acredite que o PSD vai conseguir ter uma maioria absoluta nos tempos mais próximos (um cenário que não é impossível mas que se apresenta para já como muito improvável independentemente de quem venha a ser o próximo líder), o caminho para soluções de governo alternativas ao PS exige negociação, capacidade de compromisso, sensatez e responsabilidade de todas as partes para a construção de entendimentos. Os Açores poderiam e deveriam ser uma boa experiência nesse sentido. Importa recordar que os caminhos alternativos que restam são o prolongamento sinuoso da geringonça ou uma via rápida para o bloco central.