Os socialistas garantem que os portugueses vivem cada vez melhor. Claro que sim: os portugueses que vivem das benesses do socialismo. Isto inclui os sujeitos no poder, os que têm negociatas com os sujeitos no poder e os que recebem para elogiar os sujeitos no poder. Para a vastíssima maioria dos portugueses que sobram – os quais, parecendo que não, ainda são alguns –, as coisas complicam-se a cada dia. Minudências, sabem? A prestação da casa (por causa da guerra). O custo dos alimentos (por causa da guerra e da Covid). O preço dos combustíveis (por causa da guerra e da Covid e das alterações climáticas). O saque fiscal (por causa da guerra e da Covid e das alterações climáticas e da transfobia). Etc.

Em suma, a vida está difícil para os patetas que ficam por cá sem vínculos assumidos ou dissimulados com o PS. A fim de facilitá-la, resta aos patetas saírem daqui ou vincularem-se ao PS. Visto que, no meu caso, questões familiares e outras objectam à emigração, a única hipótese de desafogo económico é correr para os braços do Partido. Através de que via? A via do poder? O poder exige convites e nomeações que não espero. A via das negociatas? As negociatas com o poder exigem um talento para a corrupção (a popular “iniciativa”) que não possuo. Felizmente, há uma terceira via, a da opinião “isenta” e “desinteressada”, onde posso contribuir para a desvergonha geral mediante o elogio regular do governo nesta coluna e nas inúmeras colunas para que, depois de vergada a minha, decerto me convidarão. Com jeito, e múltiplas hérnias, até me propõem um “espaço”, com ou sem “debate”, na Sic Notícias.

Trata-se de uma ambição realista, facilitada por uma experiência de vinte e tal anos a escrever o que me apetece: agora é só converter o registo para a escrita do que apetece ao dr. Costa. Estudei vários espécimes invertebrados e concluí que basta cumprir cinco regras, que elenco de seguida.

Regra 1. Simular distância. Embora elogie o PS contra tudo e todos, incluindo se necessário a própria mãezinha, o sabujo do PS nunca se confessa ligado ao PS. Há uma aura de “independência” em que ninguém acredita e que importa manter. Na verdade, o ideal é o sabujo dizer-se de “direita”, seja enquanto filiado no PSD, seja enquanto dissidente do CDS, circunstância que lhe permite criticar permanentemente a “direita” com superior “legitimidade” (risos).

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[Caso prático: o governo investe 10 mil milhões dos contribuintes para retomar o controlo de uma empresa de missangas, a popular Missangas Lusitanas. O prof. Marcelo aplaude. O sabujo do PS também: “Mesmo eu, que como é sabido sou de direita, percebo o peso estratégico de uma companhia de bandeira no sector das missangas.”]

Regra 2. Assegurar proximidade. É essencial que o sabujo mantenha uma comunicação íntima com as centrais de propaganda do PS, a que pode ou não pertencer directamente. Mentir não é suficiente: é fundamental que se minta de acordo com as directivas para que o embuste adquira um ar “consensual” e “inatacável”.

[Caso prático: face às críticas de que a empresa de missangas é um criminoso sorvedouro de dinheiro, o prof. Marcelo não comenta. Quanto ao sabujo do PS, apresenta gráficos demonstrativos de que, ao contrário do que previam as cassandras, as missangas afinal dão lucro – sem referir que o lucro em causa, cerca de 17 euros, aconteceu durante vinte minutos em Dezembro de 2019. “Os números não enganam”, deve acrescentar-se em tom vitorioso. Em compensação, o PS é especialista.]

Regra 3. Apontar o dedo. Além de jurar que o país está bem, obrigado, compete ao sabujo do PS esclarecer que o país está mal por causa da governação genocida de Pedro Passos Coelho, um neoliberal que por perversão queria matar os portugueses à fome. Hoje e em 2079, a culpa é e será sempre do Passos.

[Caso prático: mal se acumulem os indícios de que a nacionalização das missangas é uma bandalheira e uma calamidade sem nome, o prof. Marcelo afirma-se vigilante e cabe ao sabujo do PS, em uníssono com os seus comparsas, notar que a respectiva privatização teria extinguido dois milhões de empregos, originado perdas de onze triliões de euros e assassinado trinta cachorrinhos de olhar meigo. “O facto é que, sem uma política séria de missangas, a esta hora Portugal simplesmente não existiria como nação soberana”, informa-se com semblante pesado.]

Regra 4. Varrer para debaixo do tapete. Por evidentes que se tornem a desonestidade e a incompetência do governo, é tarefa do sabujo do PS seguir o discurso oficial e desvalorizar ambas, acusando a oposição de “explorar irrelevâncias” e “descurar os reais problemas dos portugueses”. Quando as irrelevâncias começam a se confundir em demasia com a corrupção descarada, esse sim o real problema dos portugueses, é urgente desviar as atenções dos beneficiários da corrupção e atirá-las para hipotéticos beneficiários da divulgação da corrupção.

[Caso prático: após uma sucessão de notícias insinuar que a história das missangas era um mero pretexto para incontáveis trafulhices, incluindo empregar amigos, pagar luvas, comissões e indemnizações avultadas, assinar contractos suspeitos e, no meio do pandemónio, meter simulacros da PIDE ao barulho, o prof. Marcelo afirma-se vigilante. Já o sabujo do PS deve insurgir-se a “condenar o empolamento” das trafulhices, exigir “uma reflexão da sociedade acerca da situação da Justiça” e reclamar a “regulação ponderada da desinformação nas redes sociais”. “O importante”, sentencia solene o sujeito, “é conseguir ver a floresta para lá da árvore. Por isso pergunto: a quem interessa a revelação destes ‘fait-divers’?”]

Regra 5. Falar do Chega. Sem prejuízo de servir um partido que se alia sem escrúpulos a leninistas, a aflição do sabujo do PS prende-se com o “avanço dos extremos”, em particular de um único extremo que é o direito, leia-se o Chega, leia-se o método que o PS encontrou para “cativar”, leia-se inutilizar, os votos de uns 12% da população.

[Caso prático: depois de escancarada a monumental fraude das missangas, com a Missangas Lusitanas entretanto à venda por quarenta euros, o partido lá arranja um ou dois bodes para expiar as maçadas e proteger o Chefe. O prof. Marcelo afirma-se vigilante. E o sabujo do PS condena levemente a “imprudência” dos bodes, garante confiar no sentido de Estado do PR, elogia o prodigioso talento político do dr. Costa e ridiculariza o dr. Montenegro, coitado do homem, por “gerar ruído” e “jogar o jogo” do dr. Ventura. “Aliás”, declama matreiro, “isto das missangas é muito bonito para encher telejornais, mas a principal preocupação das cidadãs e dos cidadãos é saber se o PSD rejeita liminarmente qualquer aliança com o Chega.”]

E pronto. Acho que acabo de dar provas bastantes de que sou habilitado a juntar-me aos sabujos que, a troco de retribuições, prestam vassalagem ao PS, missão que desempenharei com óbvio empenho e disfarçado nojo. Aguardo propostas de colaboração na imprensa, internet, televisão, teledisco e cassete pirata – e as regalias correspondentes. Se, por algum motivo, de momento a via da opinião “isenta” não for oportuna, informo que não rejeitarei a via das negociatas (por coincidência, ando para abrir uma firma de reciclagem de missangas) ou a via do poder (não enjeitaria por exemplo a presidência de um Observatório das Purpurinas, ramo económico decisivo e de futuro).

É uma vergonha? A maior que me ocorre. Mas, como apenas os socialistas ignoram, a vida está difícil.