Suspendamos por momentos questões tão graves e que nos afectam de tão perto como o Brexit ameaçado por Boris Johnson com o apoio triunfante de Trump, pretendendo entre outros «truques» poupar a dívida de 50 mil milhões de euros e separar a Irlanda da União Europeia; bem como o impasse espanhol, onde o PSOE pretende – mas não tem conseguido – governar sem maioria conforme o PS fez. Para já, somos nós que temos de percorrer um pouco mais de dois meses até às próximas eleições legislativas enquanto o candidato à vitória, com pretensões a maioria absoluta, não cessa de estender os tentáculos do polvo familiar e clientelar em que enredou o país.

Até com os incêndios que o governo não é capaz de impedir nem de apagar eficazmente o familismo reinante arranjou maneira de ganhar dinheiro e empregos! O caso das «golas incendiárias», que seria ridículo se não fosse trágico sob todos os aspectos, é apenas mais uma das infinitas medidas pontuais do PS anunciadas a conta-gotas, a fim de pescar voto a voto até 6 de Outubro. Não passa um dia em que o governo cesse de tentar angariar votos.

Ainda há pouco jornais complacentes anunciavam o insólito pagamento estatal de «60€ mensais a crianças até aos 24 anos que necessitam de óculos», pois haveria muitos pedidos nesse sentido… Crianças de 24 anos? Os óculos não são já comparticipados? Subsídio mensal? Considera-se isso normal quando o Estado ainda há pouco concedeu cerca de 80€/mês a adultos com pelo menos 60% de incapacidade comprovada? E no minuto em que estou a escrever fico a saber, pela primeira página do «Público» de terça-feira, que há «subsídios de ‘deficiência’ requeridos por crianças com asma». Em todas as famílias há de haver alguma doença…

A primeira iniquidade grosseira destes remendos contínuos de um sistema de segurança social cada vez mais parecido com o dos últimos anos do «Estado Novo» é a maneira descaradamente eleitoralista de pulverizar a-torto-e-a-direito pequenos subsídios – esticando e/ou encolhendo o critério de «deficiência» antes definido pelos médicos – sem uma política definida e articulada com as demais medidas no campo da saúde, do trabalho e da previdência!

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Nos termos democráticos do welfare state, segundo os clássicos, não deve haver «subsídios» mas sim direitos definidos claramente por lei e assegurados pelo Estado. Esse tipo de «dádivas» aleatórias são características dos sistemas políticos em que as elites põem e dispõem conforme as súplicas populares. Num caso como o nosso, trata-se simplesmente de compra de votos: clientelismo puro e duro que não tem diminuído desde o primeiro minuto em que a «geringonça» foi combinada para impedir a aliança eleita com mais votos!

Igual ou pior do que este leilão de votos comprados a baixo preço mas muito bem escolhidos a dedo só o familismo e o amiguismo de que o actual governo é, lamentavelmente, o maior abusador desde sempre, bem como um indício indiscutível do abastardamento democrático do regime e do absenteísmo maciço, como veremos em breve…

O improvável caso das «golas incendiárias» e de centena e tal mil euros que os contribuintes portugueses pagaram por elas revelou-se, finalmente, mais um exemplo do modo como as redes familiares e o amiguismo se estendem e reproduzem a níveis aparentemente remotos como o de pequenos concelhos como Arouca. Vamos ver como se sai a desacreditada equipa ministerial da Administração Interna, não só o ministro Cabrita como o ignoto Secretário de Estado Artur Neves, cacique do PS em Arouca e arredores desde o século passado…

Despropositada cereja em cima do bolo desse familismo político típico do caciquismo reinante na Europa do Sul, lemos que, graças a um feliz jogo de sucessivas tabelas, o actual presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique (Lisboa) se iria candidatar a deputado nas eleições de 6 de Outubro em posição elegível e que o seu sucessor na Junta seria – nem mais nem menos – do que o actual vice-presidente, Pedro Costa, filho do primeiro-ministro…

E nós que julgávamos serem as juntas de freguesia lugares exemplares de labor em favor das populações locais e não uma mera plataforma, como se viu ser o caso da Câmara Municipal de Arouca, para ascender à primeira divisão da representação nacional… Imagino contudo que, neste momento, tal equívoco seja evitado sob pena de afastar mais eleitores ainda da urna de voto. Conforme alguém disse, a única razão por que António Costa se arrisca a ganhar as eleições é que a oposição, em especial o líder do PSD, fez tudo para isso. Confirma-se assim que o espaço político português não é daqueles que se renove facilmente: a última vez foi há mais de 45 anos e a anterior há mais de 45 anos foi!