Confúcio disse: “Quando o dao1 prevalece no mundo, a governação não está nas mãos dos prepotentes2. Quando o dao prevalece no mundo, as pessoas comuns não discutem a governação.”3 Terá alguém feito diagnóstico mais profundo das causas do populismo4? Ou dado receita mais eficaz para evitar o seu surgimento?

Populismo é, na sua essência, o dar expressão ao descontentamento da populaça, dos muitos que, sem voz5, se sentem esquecidos pelos poucos que os governam & dominam. Nasce e alimenta-se deste descontentamento e da concomitante desreputa6 dos governantes. Quando pode, manifesta-se nas urnas7. É o que se chama populismo democrático. Quando isso não é possível, leveda nas conversas nas tabernas, cafés, bares e cabeleireiros. Até que um dia, a massa expande-se de tal modo que, não cabendo no recipiente, faz saltar a tampa. É o que se chama populismo revolucionário.

E o que poderá causar descontentamento no povo ao ponto de fazer surgir populismos? Muitas coisas. O povo é, geralmente, um bicho difícil de contentar. Para começar, nada o chateia8 tanto como instituições políticas que dizendo o representar, e se intitulando democráticas, representativas e sociais, não respondem aos seus desejos, anseios y interesses. E, para acrescentar insulto ao dano, que potenciam uma crescente prepotência da casta dos governantes e o seu henriquecimento9, ou dos seus familiares e melhores amigos10, à custa da causa pública, cavando um fosso cada vez mais profundo e intransponível entre os henriquecidos y os empobrecidos. E que, quando alguém lhes aponta a sua falta de dao & a sua desonestidade11, ridicularizam a importância dada a casos & casinhos.

Depois, o povo chateia-se com outras miudezas. Chateia-se com políticas económicas e sociais que levam à estagnação económica através do entrave à iniciativa & empreendedorismo privados imposta pelo estado administrativo & burocrático, com as sua regras, regrinhas e regrões. Chateia-se com as políticas fiscais confiscatórias, com os seus impostos, taxinhas, e expropriações que causam profundo descontentamento e que são conhecidas por serem a principal causa das revoltas populares e desobediencias12 civis ao longo da história humanidade. E também com a corrupção dos agentes do estado, a começar pelos srs. ministros, secretários e similares, com os seus casos, casinhos e casões. E chateia-se ainda com políticas que pretendem lhe impor uns valores que não são os seus e uns costumes que não são os da sua família. E chateia-se quando lhe dizem que os hospitais públicos, as escolas públicas e os transportes públicos é que são bons e depois os srs. ministros, secretários e similares só usam os hospitais privados, as escolas privadas e são conduzidos, eles e os seus dependentes e colaterais, pelos seus chauffeurs em automóveis de luxo pagos pelo erário público.

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Todas estas miudezas revelam a falta de dao na governação. Se os agentes políticos estivessem imbuídos de dao, não seriam prepotentes, não sendo prepotentes não seriam corruptos, não sendo corruptos não esmagariam o povo com impostos, não esmagando o povo com impostos não imporiam regras, regrinhas e regrões à atividade económica privada, e não impondo regras, regrinhas e regrões à atividade económica privada não maldeziriam a iniciativa privada e os seus hospitais, escolas e transportes. Se o dao conduzisse a atuação dos srs. ministros, o povo não discutiria a governação, porque não seria necessário, e não discutindo a governação, não haveria populismos.

Os populismos são então culpa de quem? Do povo, que devia ser quem mais ordena? Ou dos srs. ministros que são incompetentes, corruptos e indiferentes13 aos interesses fundamentais, de longo prazo, do povo? E qual é a solução que Confúcio dá para o populismo? É o dao: fazer o que é correto, honesto e bom. Haja moralidade e o populismo desaparecerá.

E o que haverá de mais vergonhoso do que ter sucesso num estado sem dao? “Quando o dao não prevalece num estado, o ser rico ou alcançar uma elevada posição pública constitui uma vergonha.” 14

U avtor não segve as regras da graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein as do antygo. Escreue covmv qver & lhe apetece. #EncuantoNusDeixam

  1. Dao : a Via; o trilho da virtude; o caminho natural que o cosmos trilha na sua ação; por derivação, o caminho que as pessoas imbuídas de espírito ético trilham neste mundo seguindo a lei natural, caminho aberto pelos emperadores Yao, Shun e Yu que arrastaram atrás de si o povo para a centralidade da virtude na vida humana com o exemplo da sua conduta moral, ao contrário de Sua Santidade que acompanha pastoralmente os mal-feitores, seguindo-os pelos ínvios trilhos que levam às periferias da ética; o caracterdao é composto de dois radicais, um fonético-semântico 首, “cabeça”, e um outro puramente semântico 辶, “ir” ou “avançar”, de onde deriva o seu significado mais básico, “avançar com cabeça” (notar que isto não é o mesmo que avançar com a cabeça”).
  2. Prepotência: o direito e a legitimidade do chefe, ou governante, para proceder mal.
  3. Analectos, 16.2.
  4. Populismo: canalização do descontentamento popular das ruas para as urnas; quando as urnas entopem, inunda as ruas.
  5. Voz: uma das excreções da atividade cerebral humana; só recentemente os governos europeus começaram a montar estações de tratamento destes resíduos, semelhantes às já existentes para as excreções intestinais.
  6. Desreputa: respeito atribuído aos profissionais de certas profissões antigas, tradicionais & de reputação duvidosa, como gatunos, ministros & prostitutas.
  7. Urna: caixão onde se amortalha a vontade dos eleitores.
  8. Chatear: dar chá a quem prefere café, uma característica de sociedades, governos e políticos socialistas.
  9. Henriquecimento: acumulação de bens, móveis & imóveis, provenientes de esbanjadores, dos jogadores na bolsa, dos que a perdem, dos sem sorte, dos contribuintes, dos imprevidentes, dos gulosos & dos praticantes de atividades afins; existe alguma controvérsia se esta acumulação dá título de propriedade, como defendem os membros da iliberal, se é recebida apenas em depósito, como ensina Sua Santidade, ou se é para ser expropriada, como reclamam o be, o pc e o ps d’amanhã.
  10. Amigo: indivíduo capaz de ver e apreciar as nossas virtudes; pessoa de algumas posses e/ou com algumas conexões que nos pode fazer alguns favores de vez em quando; malandro que mal conhecemos, quando sob suspeita do ministério público.
  11. Desonestidade: competência essencial para o sucesso de uma carreira política, a que só recentemente foi concedida a importância devida no curriculum das escolas secundárias (há muito que é ensinada nos cursos universitários); é celebrada no Evangelho segundo S. Judas Iscariotes: “A desonestidade é a melhor política”.
  12. Desobediência: um dos privilégios da servidão; emancipação da vontade, que usualmente ocorre na infância, e que irrita especialmente os pais empenhados em educar crianças para que sejam independentes & capazes de usar a sua própria cabecinha.
  13. Indiferença: estado mental que não vale o esforço requerido; insensibilidade natural para com o impercetível valor e virtude dos outros.
  14. Analectos, 8.13.