Das cem escolas de pensamento que floresceram na China há dois mil e quinhentos anos, duas vieram a disputar a dominância, desde então até aos nossos dias, quer no pensamento político quer na práxis governamental chinesa.

Uma delas, o Confucionismo, entende a sociedade como sendo constituída por famílias e outros organismos sociais, como templos, freguesias, escolas e empresas, onde os indivíduos se integram e através dos quais vivem e interagem. A função do Estado é atuar onde as famílias e outros organismos intermédios não chegam e servir de árbitro em última instância. O ideal a atingir é a harmonia social e a virtude pessoal.

A outra é o Legalismo. Para esta escola a sociedade identifica-se com o Estado, e a únicas interações sociais relevantes são a que se estabelecem entre o Estado e cada indivíduo, relações essas regidas pela lei e só pela lei. Chavões como virtude e justiça, compaixão e solidariedade podem ser usados como slogans para iludir o povo e controlá-lo, mas na realidade são irrelevantes para os fins do Estado. O objetivo do Estado é manter e aumentar do seu poder e a função dos indivíduos é servir de instrumento a esse poder. Shang Yang 商鞅 (c. 390—338 a.C.), um dos principais exponentes desta visão, expôs, sem pruridos, a essência desta filosofia numa passagem memorável:

“Um povo fraco permite um Estado forte e um Estado forte requer um povo fraco. Portanto, um Estado está no bom caminho quando se propõe enfraquecer o povo. Se o povo for simples tornar-se-á forte, e se for dissipado tornar-se-á fraco. Sendo fraco obedecerá às leis, sendo dissipado tornar-se-á ambicioso. Sendo fraco servirá, mas se deixar a ambição crescer tornar-se-á forte. Portanto diz-se: ‘Eliminar o forte com pessoas fortes induz fraqueza, e eliminar o forte com pessoas fracas produz força.’” (Livro do Senhor Shang 商君書).

A lógica pode não ser cartesiana, mas a mensagem é clara e inequívoca: um povo forte é uma ameaça ao poder do Estado e, portanto, quem quer controlar o aparelho do Estado deverá procurar enfraquecê-lo, esmagá-lo com legislação adequada, não deixando que organizações intermédias ganhem força. Embora provavelmente Deng Xiaoping 鄧小平 v(1904—1997) fosse um confucionista encapotado, não há dúvida que Xi Jinping 習近平, como a maioria dos outros comunistas chineses, pertence de corpo e alma à escola Legalista.

E em Portugal? As leis a martelo dos últimos anos têm como objetivo fortalecer o povo ou enfraquecê-lo, libertá-lo ou esmagá-lo? E que dizer dos nossos políticos? Haverá algum que não seja legalista?

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