O estudo da estratégia é inseparável da noção de imprevisibilidade. Vemos isso dos escritos mais antigos (Tucídides relata batalhas decididas por acaso meteorológico na Guerra do Peleponeso) aos guerreiros mais contemporâneos (Jim Mattis, num livro publicado há semanas, revela que a formação dos fuzileiros se baseia no “treino de capacidades necessárias e, ao mesmo tempo, na educação para lidar com o imprevisível”).

Mattis, que foi secretário da Defesa de Donald Trump de 2017 a 2019, terá claramente usufruído da sua experiência na gestão da imprevisibilidade ao servir o presidente norte-americano. Trump detém atualmente o recorde de saídas de uma administração em funções, tendo somado este mês a sua 54ª com a demissão de John Bolton. Nunca, na história dos Estados Unidos, se conheceu tamanha imprevisibilidade numa Casa Branca. O próprio Mattis, que é um herói militar, durou um escasso par de anos.

Infelizmente, o fenómeno não se restringe aos corredores de Washington. Também na política externa o comportamento de Trump é errático. Olhando para a China, a sua posição agressiva em relação à ausência de reciprocidade entre as economias dos dois países tornou-se unânime entre republicanos e democratas, ainda crentes de uma política que, no que toca à diplomacia, termina na margem da água. Ironicamente, não se tornou tão unânime entre os tweets do Presidente.

Em maio, o governo dos EUA ganhou o poder de bloquear o comércio com empresas estrangeiras que representem riscos de segurança. Um mês depois, Trump anunciou que levantaria as sanções antes impostas à Huawei. Posto isto, o que acontece à credibilidade dos embaixadores que vêm pressionando Estados europeus, como o nosso, a não aceitarem empresas chinesas na instalação de redes 5G?

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O embaixador Glass, com quem, por coincidência, partilho o barbeiro, já afirmou publicamente que a Huawei representa um risco de segurança que pode obrigar a mudanças na relação entre Portugal e os Estados Unidos da América. Não discordo. Mas interrogo-me: os serviços de informação norte-americanos perderam o seu mais importante operacional em Moscovo por não confiarem em Donald Trump para preservar a sua identidade; não é um tanto invulgar que o presidente da maior potência do planeta seja uma ameaça à segurança da informação dessa potência? O que mostra isso ao resto do mundo?

Do ponto de vista do interesse nacional, a imprevisibilidade da geopolítica combate-se com alianças. Dito de outro modo: a imprevisibilidade da arena internacional contrabalança-se com a previsibilidade dos nossos aliados. O problema da América do sr. Trump é a inversão desse equilíbrio, na medida em que a sua presidência é tão imprevisível quanto a restante imprevisibilidade de que este texto vem falando.

A menos de um mês da ida às urnas, Portugal não debateu algo que mudou mais nos últimos quatro anos do que a política financeira, económica ou até partidária do país: a política externa. O PS, apesar de não o expor no seu programa eleitoral ou na sua retrospetiva da legislatura, aproximou-se convictamente de Pequim e distanciou-se cautelosamente do tradicional eixo transatlântico. A não expulsão de diplomatas russos aquando do caso Skripal e a receção a Xi Jinping foram momentos simbólicos de um posicionamento continuado no tempo deste governo. O debate público sobre esse posicionamento, no entanto, foi quase nulo. E percebe-se porquê. Quem deveria apresentar-se como alternativa, do outro lado do oceano, demitiu-se de o fazer.