Sempre fui defensor da coligação PSD/CDS; e de concorrerem a eleições com listas conjuntas e programa comum. Já o escrevi antes das eleições de 2011; e não passei a pensar diferente. Pelo contrário, o tempo que passou consolidou a minha convicção. Não defendo esta linha por calculismo ou oportunismo partidário. Antes por lembrar a experiência histórica da Aliança Democrática de 1979/80 (a AD), até à tragédia de Camarate; e por acreditar que os desafios reformistas que o país tinha (e ainda tem) pela frente só podem ser enfrentados e vencidos com uma maioria sufragada directamente pelo povo e com um grau superior de coesão política, substancial e formal, entre os partidos coligados, capaz de fazer deles o motor da mudança.

Por isso, apoiei (e apoio) que PSD e CDS tenham acordado a coligação pré-eleitoral para as próximas legislativas, em 2015. Essa foi também a melhor escolha do CDS: se o não fizesse, seria provavelmente esmagado, quer pela punição do eleitorado descontente com erros da direcção do partido, quer pela lógica inexorável do voto útil, devastador nas circunstâncias de Outubro próximo.

Mas isso não quer dizer que pense que esteve tudo bem; e que não ache que deveríamos ter sido melhor servidos. Desde logo, quanto ao “timing” e ao modo da própria decisão sobre a coligação. Já tenho criticado a forma, nomeadamente no CDS: as coisas podem ser bem ou mal feitas, nomeadamente quanto a democracia interna e normalidade institucional; e é sempre melhor fazer na forma certa do que, como vimos, na errada e pior. O “timing” também foi tardio. Com o que sofreu a coligação e, pior, sofreu o país.

O momento certo para esclarecer, de uma vez por todas, que a actual maioria iria apresentar-se em coligação de listas conjuntas teria sido em Janeiro/Fevereiro 2014, isto é, na altura dos Congressos do PSD e do CDS. Sempre o defendi. Era a hora certa; e também o modo correcto de o esclarecer, decidir e anunciar. Tudo o que foi dito, agora, desde Abril e Maio deste ano, deveria tê-lo sido há um ano e meio. Por um lado, o normal seria que partidos que governaram em conjunto durante uma legislatura, nas circunstâncias em que tudo ocorreu e com os desafios ainda por vencer, decidissem continuar e fortalecer a experiência através de uma coligação pré-eleitoral – ninguém o estranharia; o inverso é que seria anormal. Por outro lado, essa decisão, tomada logo naquela altura, daria músculo à coligação e dotaria de forte consistência o último ano da legislatura – o governo, com horizonte definido e sequência esclarecida, poderia ter definido e prosseguido um programa de reformas para o pós-troika, sem quebra de cadência e com a mesma metodologia de avaliação trimestral, legando ao país uma situação bem melhor do que aquela em que estamos. Assim, tendo-se deixado na incerteza o que se seguiria, o governo e a maioria entraram em voo de planador, desde Maio de 2014 até às eleições.

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Em Outubro passado, José Manuel Fernandes escreveu, aqui, a propósito do Orçamento de Estado para 2015, um artigo que resume algumas razões de desapontamento, partindo da análise dos números da despesa corrente do Estado: “Quatro anos depois, quase no mesmo ponto”. Quando fui Presidente do CDS (2005/07), procurei colocar a questão no centro da agenda: o excesso da despesa como o problema central das nossas finanças públicas; e o imperativo de vencer e fazer recuar a sua resiliência estrutural. Com outros 70, apresentámos em Abril 2013, um contributo focado novamente nesta preocupação: “Manifesto – Despesa Pública Menor para um Futuro Melhor”. É frustrante chegar ao fim desta legislatura com muitas das questões fundamentais praticamente na mesma. Não é – sejamos claros – que votar à esquerda as fizesse melhores, porque as faria piores; mas é a frustração pela oportunidade desperdiçada e o tempo perdido.

A carga fiscal é a maior de sempre, asfixiante. Se já parecia (e era) insuportável quando fui presidente do CDS – acima da “fadiga fiscal” contra que, repetidamente, adverte Adriano Moreira –, hoje está muito para além disso. E é sabido que não há redução sustentável e duradoura da carga fiscal sem, antes de tudo, significativa redução estrutural da despesa pública. É aqui que quase nada avançámos.

Bem sei que o problema é difícil, muito difícil – passe o pleonasmo, problemático. Por isso mesmo é que é necessário um grau superior de coesão política, bem como participação democrática e determinação de liderança. E foi aqui que a coligação falhou, penso que por responsabilidade principal da direcção do CDS.

De Junho 2012 a Agosto 2013, tivemos o longo momento Syriza da direcção do CDS-PP, desde uma misteriosa carta aos militantes até à perigosíssima crise de Julho – esta, após meses de contínua erosão interna contra a política financeira, bem simbolizada na célebre questão “Ó Gaspar, por que é que te enganas nos números?”, fazendo manchete poucos dias antes de Vítor Gaspar ter de demitir-se. Depois, foi o “flop” da reforma do Estado, competência do Vice-primeiro-ministro; e, ao mesmo tempo, a prolongada recusa do CDS, ao longo de todo o ano de 2014, em esclarecer se renovava, ou não, a coligação, agora em listas conjuntas. Corriam notícias de que admitia vir a entender-se com o PS. Depois, foi o PSD a ponderar se queria, ou não, as listas conjuntas.

Com tão prolongada meditação, averbou-se logo estrondosa derrota nas europeias, empobrecidas em ideia e em projecto. Quem é que acredita numa coligação eleitoral que, no ano a seguir, não se sabia se continuaria? Que préstimo político tem uma colagem de ocasião?

Bem pior do que isso, perderam-se o ímpeto e a dinâmica reformista. Nada se fez na administração territorial, atacando esse longo pântano que ficou conhecido como “Regionalização”, clarificando de vez o patamar intermédio da Administração Pública (entupido há 40 anos) e reformando a sério a administração municipal. A segurança social foi sucessivamente atacada aos bochechos, mas ficou por fazer a reforma global: não foi inventariada, nem avaliada, não foi enunciada, nem explicada, não foi debatida, nem promovida. O modelo de acção pública noutras grandes áreas sociais, como saúde e educação, também ficou ou por confirmar, ou por redefinir. As Forças Armadas e as polícias foram-se queixando, não se sabendo se com razão, se sem ela – isto é, que missões? A política externa foi-se tornando ignota e ausente. Apesar de todas as críticas, a Justiça foi das únicas áreas estruturais que mais mexeu e em sentido certo.

Numa arrastada indefinição de destino, não poderia ser de outra maneira. Que Governo, na verdade, é capaz de reformar a sério quando os seus componentes não sabem se vão continuar juntos? Nenhum! Esse foi o preço da indefinição da coligação quanto ao seu futuro.

A reforma do Estado poderia ter sido lançada em Janeiro 2013, à boleia do célebre documento de enquadramento do FMI, que abria o debate para diferentes opções e até outras, novas, que o debate gerasse. Tudo se congelou, porém, incluindo uma comissão parlamentar específica, que a oposição boicotou. Poderia ter sido lançada, a seguir à crise de Julho e por impulso do Vice-primeiro-ministro, se escolhesse apoiar-se no CDS e, estou certo, com respaldo de toda a coligação. E poderia ter ocupado todo o último ano da legislatura, a seguir à saída da troika, descongelando a boicotada comissão parlamentar para a reforma do Estado. Como poderia a oposição persistir no boicote? Como poderiam PS, PCP e BE explicar que não se importavam de discutir com a troika estrangeira, com os do “pacto de submissão e agressão”, mas recusavam-se debater com a maioria parlamentar e o governo de Portugal?

No mínimo, o Governo tinha a obrigação de, não tendo podido empreender reformas estruturais, ao menos as inventariar: um Livro Branco sobre a Administração Territorial, outro sobre a Segurança Social, outro sobre a Saúde, outro sobre a Educação, outro sobre Polícia e Segurança, que nos permitisse, ao menos, ter, nesta campanha eleitoral, matéria-prima substancial para reflexão e discussão séria.

Assim, estamos todos um pouco ao engano. Por um lado, com carga maior e esperança menor do que deveria ser. Por outro, sem grandes parâmetros de escolha, para além dos medos fundamentais. Nem a célebre questão dos famosos 600 milhões de euros de “poupanças” foi esclarecida; e, entre os principais actores, os debates cruciais parecem uma brincadeira de crianças: “Diz lá: o que propões? Não digo, diz tu primeiro.”

O crescente amontoado sonoro das presidenciais é reflexo do mesmo quadro, tendo-se chegado ao enorme paradoxo de a maioria não ter um único candidato, real ou putativo. O arrastamento da incerteza e da falta de rumo e de propósito ajudou a que não se gerasse uma maré presidencial coerente: mesmo entre os alegados candidatos da área governamental nenhum se compromete com a coligação, nem diz se acredita nela ou nela vota – ou seja, não são bem candidatos da “maioria”, mas da minoria.

Isto é diferente do que deveria ter sido. Bem diferente do movimento de Mudança de que Portugal precisa para vencer duradouramente os seus problemas.