(Carta da Oposição ao Pai Natal)

Exmo. Senhor,

Dar presentes não consta nos seus averbamentos de actividades nas Finanças. Sendo assim, como não foi registado o seu início de actividade como agente de distribuição de brinquedos, agradecíamos que nos enviasse a cópia da respectiva declaração, devidamente autenticada, acrescido das deduções à colecta a que tenha procedido, ultimamente. Lembramos, ainda, que não registámos em seu nome quaisquer pagamentos por conta relativos ao Natal em curso, nem dispomos de dados que nos indiquem que o IVA, à taxa em vigor, se encontre regularizado. Como não consta que um cidadão reformado, sem prova de vida actualizada e sem rendimentos declarados, como será o seu caso, reúna meios para adquirir tantos presentes para todas as crianças do mundo, solicitámos à Autoridade para a Concorrência que faça prova da forma como são introduzidos no País do Natal tantos brinquedos, e qual a embaixada que representa os respectivos interesses em Portugal. Recordamos, ainda, que o Serviço de Estrangeiros e de Fronteiras não regista, na sua base de dados, nenhum “País do Natal” e que, por isso mesmo, a sua presença em território português carece de visto, de passaporte e duma autorização especial de residência sem a qual não lhe será concedido o direito de aqui exercer quaisquer funções no mês de Dezembro.

Informamos, também, que solicitámos à ASAE que proceda à apreensão de todos os brinquedos que não cumpram os procedimentos indispensáveis previstos na Lei. E requeremos, junto do Tribunal do Trabalho, que proíba a distribuição de brinquedos na noite de Natal já que, até para as grandes superfícies comerciais, esse período do dia 24 consta como uma regalia prevista no contrato colectivo dos trabalhadores como direito ao descanso.

Lembramos-lhe, ainda, que o céu passou a ser uma SCUT e que, por isso, antes de circular livremente pelo espaço aéreo português, vai ter de adquirir um identificador do tipo Via Verde. Deve, ainda, proceder à afixação do selo relativo ao imposto de circulação, em local visível de cada rena, com o valor relativo à potência do respectivo trenó. Recordamos que, segundo o Código da Estrada, os veículos de tracção animal só estão autorizados a circular por estradas secundárias e que, atendendo às recentes limitações impostas pela aviação comercial, pode incorrer em várias infracções, pelo que lhe comunicamos que  será recomendável que não circule pelo ar no próximo dia 24 de Dezembro. Para além disso, as renas são animais protegidos e — embora não tenham a dignidade dum leão, dum urso ou duma foca – não podem trabalhar sem direito ao descanso. E sem uma alimentação adequada e instalações condignas. Agradecemos, também, que nos indique, para efeito das taxas exigíveis por Lei, a natureza do espectáculo de Natal que protagoniza e a respectiva classificação, porque, sendo “para todos”, não pode realizar-se depois da hora da consoada, como vem sendo hábito.

(Carta de resposta do Pai Natal)

Caros amigos,

Eu sei que irão estranhar a minha resposta. Na verdade, não só não existo em termos fiscais, não disponho de cartão de utente do serviço nacional de saúde nem, sequer, dum documento de identificação. Não sei, ao certo, a minha idade e sou, tecnicamente, um sem-abrigo. Reconheço que, à luz de tudo o que define a existência humana, eu, simplesmente… não existo.

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É estranho que alguém que não exista, realmente, ocupe um espaço tão generoso na imaginação de tanta gente. Não é? Às vezes, acredito que, mesmo sem me conseguir recordar do nome de muitas delas, faça parte da família de quase todas as pessoas. Das que me escrevem com carinho. E até daquelas que, sem me levarem muito a sério, trocam mensagens de Natal, em cartões com a minha fotografia.

Sempre que me recordam acho-me uma Lembrança — estão a ver? – e isso será, à minha maneira, uma prova de vida. Mas logo que me abrigam acho-me Presente, como se nada mais que não seja a minha existência colocasse luzes coloridas dentro de alguém. Não sei se serão tantos assim os cidadãos que, verificando todos os registos, fujam a um privilégio como aquele que eu promovo! Isto é: não sei se se sentem com forças para não ser nem Lembranças nem Presentes. E, sendo assim, reconheço que não me sinto, ainda, devidamente esclarecido sobre o significado que estará associado à noção de eu existir.

Perguntarão, V. Exas. se, ainda assim, no meu país, haverá, por exemplo, advertências ou sanções. E eu respondo-vos que sim. De todas, a maior será: é proibido não se ser uma estrela — das de Natal! — para ninguém. No País do Natal tudo é mais simples: sempre que duas pessoas se abrigam uma na outra dá-se um milagre; quando peregrinam de coração para coração isso é Natal.

Feliz Natal!