Às vezes, não há nada como ir ao cinema para perceber a realidade. Em 1997, o filme “Wag the Dog”, com Dustin Hoffman e Robert de Niro, contava a forma como um Presidente americano criou uma guerra fictícia na Albânia para, com espetacular sucesso, desviar as atenções de um escândalo doméstico. A história podia ter sido esquecida e remetida para os arquivos da cinemateca, mas, em vez disso, transformou-se num símbolo de como o poder político tem a vontade e a capacidade de inventar cortinas de fumo e inimigos externos para distrair os eleitores. O filme começa com uma explicação do título, que se traduziria literalmente para português por “abana o cão”. Logo a abrir, temos esta frase: “Porque é que o cão abana a cauda? Porque o cão é mais esperto do que a cauda. Se a cauda fosse mais esperta, seria ela a abanar o cão”.

Na política portuguesa, nós somos o cão, os inimigos ocasionais do governo são a cauda e a superioridade da esperteza pertence inteira ao primeiro-ministro — que, alternadamente, consoante os seus interesses do momento, ordena ao cão que abane a cauda ou à cauda que abane o cão. O importante é que algo abane sempre, para que os eleitores não foquem a sua atenção nos falhanços do governo ou nas incompetências dos ministros, a começar pelo primeiro.

É um truque antigo, mas que resulta sempre. Em setembro de 2021, quando os portugueses se preparavam para votar nas eleições autárquicas, António Costa foi a Matosinhos apoiar a presidente de câmara Luísa Salgueiro e tirou da cartola a promoção da Galp a empresa inimiga da pátria. Levantando a voz, afirmou que “era difícil imaginar tanto disparate, tanta asneira, tanta insensibilidade, tanta irresponsabilidade, tanta falta de solidariedade como aquela de que a Galp deu provas” ao encerrar a refinaria de Matosinhos. E avisou, de forma ominosa: “Quem se porta assim tem de levar uma lição. Tem de levar uma lição para que esta lição seja exemplar”.

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