O grupo terrorista Hamas assumiu total controlo de Gaza, em 2007, eliminando toda a oposição. Esse território não está sob ocupação militar de Israel, não tem colonatos desde 2005. Israel é suposto controlar as fronteiras, para garantir que não são usadas para infiltrar armas ou levar a cabo ataques, mas o governo extremista e extremamente incompetente de Netanyahu tinha outras prioridades. O Hamas levou a cabo um ataque fatalmente eficaz, torturou e matou cerca de 1400 pessoas, a maioria civis. É o terceiro maior ataque terrorista da história. Desde o genocídio dos judeus pela Alemanha nazi, nunca tantos judeus tinham sido mortos com tanta crueldade, num só dia, como a 7 de outubro. Eu previ, em julho, o risco de uma nova explosão de violência, mas não nesta escala. Qual foi o objetivo da matança, filmada e divulgada pelas redes sociais? Forçar Israel a regressar em força a Gaza. O “nunca mais” que se grita na Europa em relação ao Holocausto como mero slogan, em Israel é levado mais sério. O país foi criado, em 1948, como garantia de que a vida dos judeus nunca mais dependeria da bondade de estranhos.

O que irá Israel fazer?

Israel tentará recuperar os mais de 200 reféns, bebés, crianças, idosos, mulheres. Pode recorrer a operações especiais que precisarão de excelente informação para ter a mínima possibilidade de algum sucesso. Ou pode apostar na via negocial com intermediários como o Qatar, mas creio que não por muito mais tempo. Também precisa de restabelecer a credibilidade da sua resposta militar. Esta é uma região de guerras frequentes, onde a fraqueza é muito perigosa. Irá portanto tentar eliminar, ou pelo menos reduzir significativamente, a capacidade militar do Hamas para conduzir novos ataques, como o faz todos os dias, com roquetes visando cidades israelitas.

Há muito que trabalho na história dos conflitos assimétricos e irregulares. O que nos diz a história? Que não há vitórias fáceis e rápidas. Israel pode fazer raides pontuais ainda que mais robustos e prolongados num modelo de contra-terrorismo militar. Ou pode decidir que isso é demasiado arriscado contra um inimigo bem preparado e entrincheirado. Pode avançar para uma campanha de contraguerrilha mais clássica, no modelo da chamada mancha de óleo. Ou seja, uma ocupação militar gradual e sistemática casa a casa, bairro a bairro, túnel e túnel, provavelmente começando no norte de Gaza. Mesmo nesse caso, tentar eliminar completamente um grupo como o Hamas, que se esconde no meio da população e recorre a ataques surpresa, implicaria tentar cortar o grupo dos seus apoios exteriores, da população civil, e demoraria anos.

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Entretanto a Força Aérea de Israel, a mais poderosa do Médio Oriente, está, segundo fontes do próprio governo do Hamas em Gaza, a causar uma média de 275 mortos por dia, com os seus ataques (se excluirmos os do hospital que os dados disponíveis apontam para ser resultado de “fogo amigo” de um foguete da Jihad Islâmica). Mesmo que estes números de c.3800 mortos desde 7 de outubro sejam rigorosos, não é crível que sejam todos civis, o que implicaria que Israel não teria conseguido atingir um único terrorista, quando na verdade afirma que já eliminou vários dos comandantes do Hamas. Em comparação, os terroristas do Hamas mataram 1400 pessoas num dia. A morte de um civil, sobretudo de uma criança – sendo deliberada ou não – é sempre uma tragédia. Mas é evidente que o Hamas quer uma intervenção militar massiva, causando o máximo de mortos civis, para virar a opinião pública local e global, e oferecendo muitos alvos para emboscadas. Convém evitar dar ao inimigo exatamente aquilo que ele quer. Por isso, Israel deveria mostrar respeito pela lei humanitária, por exemplo criando zonas de efetiva segurança para civis. Até militarmente será mais eficaz do que procurar combater no meio de populações civis. E Israel não pode contar, nem exigir, uma carta branca dos seus aliados faça o que fizer.

O que fará o resto do Mundo?

É notável que o Egito recuse receber refugiados palestinianos, em quaisquer circunstâncias, violando o seu dever de acolhimento. A solidariedade árabe pela Palestina sempre foi mais retórica do que realidade. E o receio do jihadismo violento do Hamas não é menor no Egito do general Sisi do que em Israel. Os Estados da região deveriam ser os primeiros interessados e os mais capazes de conter o conflito, mas não é de todo claro que seja assim.

O papel da Europa é limitado num conflito armado deste tipo. A UE não tem uma voz única, nem um exército. Mesmo a China, com a sua influência económica crescente, provavelmente não quererá ou poderá ir além de um papel limitado junto, por exemplo, do Irão. A Rússia tem a tarefa mais fácil de lançar gasolina para a fogueira. Procurará alargar o conflito, por exemplo, ao Sul do Líbano e até ao Golfo Pérsico com ajuda da crescente parceria estratégica com o Irão. O caos convém-lhes. É uma distração das suas malfeitorias. E até pode ser muito lucrativo, levando ao disparar do preço do petróleo.

Os EUA cometeram erros custosos, como a invasão do Iraque em 2003, e depois deram sinais de desinteresse pela região. Tudo isto enfraqueceu a sua posição regional, abrindo um vazio de poder perigoso. Vêm-se agora obrigados a regressar em força nas piores circunstâncias. Mas para isso, os EUA contam com meios militares únicos: dois porta-aviões e a respetivas forças navais auxiliares que são mais poderosas do que a maioria das marinhas do Mundo. O objetivo é claro e acertado: dissuadir a escalada e o alargamento do conflito, nomeadamente ao Sul do Líbano. Biden também parece estar a aconselhar Israel a operações militares mais limitadas, e na procura paralela de uma resposta política. Isso é fundamental. A ausência de credibilidade a esse nível é a maior fragilidade do governo de Israel no contexto atual. Diga-se que uma Autoridade Palestiniana onde não há eleições desde 2006, também não tem muita credibilidade. Tudo isto torna uma vitória do Hamas nesta guerra um enorme risco para os líderes moderados palestinianos e para as possibilidade de paz negociada na região e não apenas para Israel.

Em suma, uma estratégia de sucesso numa guerra tem de visar mais do que destruir o inimigo. Ela deve apontar para uma saída política, para uma boa paz, pelo menos para uma situação estável e preferível à que existia anteriormente. Israel não tem tido uma estratégia credível e precisa urgente de uma. Podemos estar à beira de um novo período de enorme violência no Médio Oriente com grande impacto regional e global. Podemos assistir a um novo pico da ameaça do terrorismo jihadista na Europa, quando o Hamas apela a apoio no exterior, não está propriamente a pensar em manifestações pacíficas. O objetivo prioritário, para os EUA e a Europa, deve ser mitigar o sofrimento dos civis, limitar os riscos de escalada e de alargamento do conflito. Mas o Médio Oriente é a região onde um pessimista acha que as coisas não podem piorar, e um otimista acha que podem sim senhor.