A obra Repensar o Estado – Para uma Social-Democracia da Inovação, de Philippe Aghion, professor de economia de Harvard, e de Alexandra Roulet, que prepara doutoramento na mesma universidade americana, merece leitura atenta por parte de todos os que se interessam por políticas públicas e pela reforma das sociedades e economias para as preparar para as novas realidades da disrupção tecnológica, da crise do Estado Social, das alterações demográficas e do desafio climático que impende sobre as próximas gerações.

Eis algumas das propostas desta obra nos campos do mundo do trabalho, economia, alterações climáticas e fiscalidade.

1 Acabou o mundo do “emprego para a vida”. Gostemos ou não, o mundo em que cada cidadão podia escolher e seguir a mesma carreira e emprego durante toda a sua vida profissional acabou. A economia da inovação e a sua imposição crescente vai determinar o estabelecimento de uma elevada volatilidade laboral e o Estado, as empresas e os trabalhadores terão que se adaptar a elevados níveis de mobilidade laboral. O Estado deve assim criar mecanismos que sejam capazes de lidar com o desemprego de longa duração, que enfrentam a precariedade laboral, a conversão e qualificação profissional e, a prazo, ponderar sistemas de Rendimento Universal.

2 Desprecarizar o trabalho e flexisegurança. A precariedade laboral é endémica entre os mais jovens. Segundo a CGTP, “1,127 mil trabalhadores tinham vínculos precários em Portugal (2016), ou seja, cerca de 30% dos trabalhadores por conta de outrem” sabendo-se que, e de forma correlacionada, a taxa de desemprego era de 22.6% entre os jovens com menos de 25 anos (mais 5.8% que a média da UE a 27), segundo o Observatório das Desigualdades.

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Os autores referem que apenas 54% dos franceses consideram o seu emprego “seguro”, contra 73% dos dinamarqueses. As sondagens de opinião pan-europeias sobre segurança e saúde no trabalho aplicáveis à realidade portuguesa indicam que as “reorganizações” e o sentimento de insegurança criam elevados níveis de stress no trabalho, sendo este sentimento particularmente intenso nos trabalhadores com mais de 55 anos (57% versus 37% entre os trabalhadores com entre 18 e 34 anos).

Philippe Aghion e Alexandra Roulet localizam esta diferença de realidades no abuso dos contratos temporários no sul da Europa, sobretudo entre os jovens, e referem que existem muitos estudos que ligam essa insegurança com a generosidade do subsídio de desemprego. Referem que os países do Sul apresentam uma protecção do emprego muito acima da média, a par de baixas prestações de subsídio de desemprego e que, por contraste, no norte da Europa a situação é exactamente oposta à dos países escandinavos, com a sua “flexisegurança”.

Os autores propõem assim uma resposta tripartida a estes desafios laborais da precariedade e da insegurança laboral:

  1. Uma grande flexibilidade nas regras de contratação e despedimento o que leva a altas taxas de rotação da mão-de-obra.
  2. Grande generosidade em cobertura e duração do subsídio de desemprego (90% do rendimento anterior nos salários inferiores a 2/3 dos rendimentos médios e de 60% no segmento superior).
  3. Políticas activas de desenvolvimento de competências dedicadas aos desempregados de longa duração em que, a partir do segundo ano, o beneficiário está obrigado a seguir uma formação remunerada pelo Estado durante um máximo de 3 anos.

Os autores constatam que, quanto mais um país segue as políticas da flexisegurança mais a taxa de desemprego tende a manter-se reduzida e que este contraste é particularmente gritante quando se comparam os países do Sul e, em particular, França com Dinamarca, Suécia (menos) e Noruega. E que os níveis de segurança no emprego e satisfação no trabalho também estão relacionados com a flexisegurança.

3 Estímulos à sindicalização e à democracia nas empresas. O sucesso do modelo nórdico assenta na flexisegurança mas também na existência de um diálogo social construtivo com altas taxas de sindicalização. Com efeito, na Dinamarca é da ordem dos 70%, o que contrasta com os 8% franceses e com os 15% portugueses, uma taxa que, de acordo com a OCDE, representa a segunda maior queda da taxa de sindicalização, nos últimos 40 anos.

Para responder a este problema Philippe Aghion e Alexandra Roulet propõem a promoção da presença dos sindicatos em todas as empresas e, sobretudo, nas PME e nas micro-empresas, através da luta do Estado contra as discriminações das empresas em relação aos trabalhadores sindicalizados e na associação da sindicalização à prestação de certos serviços ou prestações sociais. A este respeito os autores citam o exemplo belga onde a sindicalização, superior a 50%, se pode explicar pela gestão por parte dos sindicatos da cobertura dos riscos de desemprego.

Outra forma de atrair os trabalhadores à sindicalização poderia passar pela emulação do modelo alemão em que a lei determina a participação de representantes dos trabalhadores na gestão das empresas com mais de 500 empregados através da sua presença no conselho fiscal. Na Suécia ainda se vai mais longe, determinando o quadro legal que todas as empresas com mais de 25 trabalhadores tenham representantes eleitos dos trabalhadores nos conselhos de administração. Na Dinamarca optou-se por uma solução semelhante através da eleição de representantes para os conselhos de administração das empresas com mais de 35 trabalhadores.

Em Portugal estes modelos de “codeterminação” poderiam ser adoptados (começando, como exemplo, pela administração central e autarquias locais) e, nas empresas de menor dimensão (por exemplo, naquelas com menos de 25 trabalhadores), poder-se-ía proceder à escolha aleatória de um trabalhador para representar os demais em decisões que tivessem impacto geral. Os autores do “Repensar o Estado – Para uma Social-Democracia da Inovação” propõem ainda a constituição de “conselhos de empresa”, compostos por vários trabalhadores, e que os representaria junto da administração.

4 Indemnizações por despedimento. No cálculo das indemnizações por despedimento ou por aposentação, o modelo nórdico deve ser melhorado, tendo-se em conta não a quantidade de anos no último emprego mas na profissão.

Paralelamente, os autores propõem a criação de uma “conta-poupança” bonificada e comparticipada pelo Estado que permita aos trabalhadores desenvolverem as suas competências em cursos e nas áreas profissionais que escolherem e que pode ser usada não apenas na condição de desemprego mas a qualquer momento durante a sua vida profissional.

5 Disciplina orçamental contraciclando. Os autores referem que os governos que observam uma disciplina orçamental no conjunto de um ciclo económico de expansão ou contracção têm mais facilidade no recurso ao crédito e que, assim, estão em melhores condições para ajudarem as empresas e os trabalhadores em momentos de crise.

Philippe Aghion e Alexandra Roulet propõe o reforço dos ditos “estabilizadores automáticos” aplicáveis aos investimentos na formação e na inovação por forma a criar condições para que as empresas possam ultrapassar as dificuldades das crises.

6 Políticas contracíclicas de capitalização das empresas. Os bancos devem estar regulados por regras de capitalização contracíclicas, que exijam menos fundos próprios em situações de crise ou recessão e permitam às empresas a saída destas situações que ameaçam a sua sobrevivência.

Infelizmente tal tipo de medidas não pode ser decidida ao nível nacional e exige coordenação ao nível do Banco Central Europeu.

7 Estimular a Inovação Verde. Os autores propõem que o Estado crie formas de as empresas promoverem inovações relacionadas com as alterações climáticas.

Diversos estudos demonstram que – até um certo nível – isto é possível sem afectar o crescimento económico e que estas inovações verdes se devem concentrar em novas tecnologias relacionadas com formas de energia alternativas e renováveis, redução dos consumos energéticos e tecnologias de emissões zero.

8 Taxa sobre o carbono. Como forma de estimular as empresas e os cidadãos a optarem por formas de consumos energéticos que sejam mais amigáveis do meio ambiente, o Estado deve reforçar (em Portugal já temos esta fiscalidade verde, sendo o nosso país, no que respeita aos impostos explícitos sobre o dióxido de carbono, o sétimo da UE que mais cobra, a 23,8 euros por tonelada de CO2). Mas é possível ir ainda mais longe e levar a que as empresas poluentes migrem as suas actividades para energias renováveis e que reduzam a sua pegada de carbono.

Esta migração pode ser promovida através de um regime de subvenções que apoie a inovação verde e cofinanciasse – a juros bonificados – estas migrações.

Contudo, é preciso ter em conta que as taxas de carbono aplicáveis no mundo e, em particular em Portugal, nem sempre contemplam a possibilidade de criar alternativas, designadamente através dos transportes públicos e no alargamento da sua oferta. Isto significa que falta aqui (como em tantos outros campos) coordenação europeia, desde logo pelo estabelecimento de valores mínimos e máximos para esta taxação que impeçam dumpings fiscais entre países da União e financiamentos comunitários robustos que facilitem o desenvolvimento das redes de transportes públicos.

9 Redução da Carga Fiscal. A Suécia é usada frequentemente pelos autores de Repensar o Estado como benchmark para as suas análises. O campo da reforma fiscal não é excepção e os autores referem o exemplo deste país escandinavo para nos recordar a redução – relativamente pequena – da taxa global de impostos e que conduziu a um aumento global do PIB e, consequentemente, a um aumento das cobranças fiscais a médio prazo.

Esta redução iria – num país onde a sobrecarga fiscal é sensível já anteriormente à intervenção da troika e que em 2020 estava 1.3% acima da média (33.5%) do conjunto dos países da – aumentar o consentimento geral em matéria de impostos e abrir espaço para o tempo em que vier a ser necessária a imposição de um Rendimento Universal para compensar as disrupções criadas pelo progresso na automação e na inteligência artificial.

10 Fiscalidade amiga da Inovação e os sistemas duais dos escandinavos. Um bom sistema fiscal deve ser um sistema promotor da inovação e do empreendimento, sugerindo os autores a adopção do modelo que os escandinavos começaram a desenvolver na década de 1990 e que é caracterizado pela dualidade entre a submissão dos rendimentos do trabalho a taxas progressivas de impostos, e aos de capital é aplicável uma taxa fixa. Estas reformas levaram os países escandinavos a aumentarem de forma muito significativa a quantidade de patentes e parecem indicar que a redução da tributação dos lucros e dos dividendos levou a um incentivo à inovação algo que, a partir de 2008, também se registou na Alemanha conforme constatam os autores de Repensar o Estado.

11 A corrupção está contra a inovação. Philippe Aghion e Alexandra Roulet referem-se a uma investigação recente que estabelece uma relação entre crescimento/inovação e corrupção/nepotismo para constatar que nos países mais corruptos existe uma ligação negativa entre carga fiscal e crescimento e que nos outros países a mesma ligação é positiva.

12 Repensar o Direito Sucessório. A abolição em Portugal do “imposto sucessório” em 2004 criou mais desigualdades entre aqueles que herdaram grandes fortunas ou património imobiliário e o resto da população e criou um estímulo à explosão dos preços da habitação nas grandes cidades portuguesas, contribuindo também para a aparição de uma camada de pessoas que vive unicamente destes rendimentos sem darem um contributo significativo nem em trabalho, nem em valor social ou utilidade comunitária para o país.

A implementação de um modelo nórdico da tributação com uma tributação fortemente progressiva dos rendimentos do trabalho e uma taxa fixa sobre os rendimentos do capital e a aplicação destes sobre as sucessões poderia funcionar como um sistema de promoção ao mérito e à inovação fazendo com que fosse mais rentável investir em inovação e menos em investimentos em imobiliário ou na especulação ligada a este sector.

Estas propostas não são, certamente, de soluções milagrosas ou panacéias universais, capazes de, num par de anos, resolver os atrasos e bloqueios crónicos da nossa sociedade mas podem, certamente, dar um contributo decisivo para o nosso efectivo desenvolvimento enquanto país e comunidade nacional e por essa razão merecem ampla reflexão e avaliação da sua praticabilidade.