A primeira volta da eleição presidencial francesa agendada para amanhã, dia 10 de abril, ocorre numa conjuntura particularmente incerta provocada pela invasão russa da Ucrânia. Uma inquietação que, do ponto de vista da União Europeia, se agudizou devido ao resultado da recente eleição na Hungria onde o populismo de Orban esmagou eleitoralmente o conglomerado da oposição. Uma vitória apreciada por Putin tal a rapidez com que deu os parabéns a Orban. Um dado passível de, a curto prazo, colocar em causa a unidade que tem marcado a posição da União Europeia face ao novo impulso expansionista do plutopopulista russo. Algo que reforça a importância da eleição presidencial em França, um país onde o populismo representa uma ameaça real.

Ora, a campanha para a primeira volta da eleição mostrou que, ao contrário daquela que constitui a regra em Portugal, a reeleição do Presidente Emmanuel Macron está longe de ser um mero passeio e pode mesmo não se materializar. Uma realidade documentada pelas sondagens e atestada pelas entrevistas e comentários de rua e da qual não é possível dissociar a forma como Macron lidou com a pandemia e os reflexos na vida francesa da mencionada invasão russa da Ucrânia.

De facto, o alheamento, propositado segundo uns e exagerado para outros, das questões internas, devido à aposta na estratégia de dialogar com Putin no intuito de pôr fim à invasão russa da Ucrânia, levou a uma descida no nível de popularidade do ainda Presidente francês. Mais uma vez o oligarca russo apostado em dificultar a vida a Macron, depois de, na campanha para a eleição de 2017, o então candidato se ter queixado de centenas ou mesmo milhares de ataques informáticos  russos às suas bases de dados e ao sítio oficial da campanha e de as edições francesas de  dois meios de (des)informação russos, RT e Sputnik,  o terem apresentando como dependente da família Rothschild, um agente dos grandes interesses por detrás do sistema bancário norte-americano ou apoiado por um poderoso lobby gay.

Ainda sobre a influência, direta e indireta, de Putin na eleição que amanhã decorrerá em França, diga-se que a sua velha aliada, Marine Le Pen, foi mais arguta e teve em boa conta que nem os aliados são eternos nem os inimigos perpétuos. Daí ter ordenado a destruição do cartaz em que aparecia a dar um aperto de mão a Putin. Um passo necessário para fazer esquecer, tanto quanto possível, o apoio de Marine ao referendo na Crimeia ou a sua ida a Moscovo e o empréstimo de nove milhões de dólares que lhe foi concedido com o apoio implícito do Kremlin. Aliás, o tacitismo Le Peniano contou com a colaboração, obviamente involuntária, de outro candidato populista conotado com a extrema-direita. Na verdade, a simpatia que Eric Zemmour  manifestou relativamente a Putin levou a um clamor de protestos que enfraqueceu a sua posição e reforçou a de Marine Le Pen. Daí que, de acordo com a última sondagem da Ipsos-Sopra Steria para o Le Monde, Zemmour tenha descido para cerca de 9% das intenções de voto enquanto Marine Le Pen subiu para 22,5% e se aproximou de Macron que contabiliza 26,5%.

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Como o terceiro lugar parece reservado ao populista insubmisso Jean-Luc Mélenchon, que, malgrado ter logrado uma espécie de união populista de esquerda, apenas atinge uma percentagem de 17,5%, o cenário de uma segunda volta entre Macron e Marine apresenta-se como altamente provável.  Uma revisitação, mais do que uma repetição, da eleição presidencial de 2017, pois existe a possibilidade de não se tratar de um déjá vu.

Assim, a existência de doze candidatos com posições ideológicas tão díspares que vão desde os republicanas aos trotskistas, passando pelos ecologistas, e o peso elevado de candidatos populistas, ainda que de modalidades diferentes, torna difícil prever a indicação de voto por parte dos dez candidatos que vão ficar pelo caminho na primeira volta. Tal como não é garantido que essa indicação venha a ser seguida pelos eleitores.

Contas para reflexão posterior. Por agora, apenas tempo para dizer que aquilo que se vai passar em França não ficará dentro das paredes do hexágono.