Parte Um: uma Escócia Independente

A Escócia tornou-se independente. O Reino Unido continua, integrado por uma Grã-Bretanha agora resumida a Inglaterra e ao País de Gales e pela Irlanda do Norte.

Isabel II, que poderá continuar a ser monarca escocesa (a ver vamos), interveio na campanhapara dizer apenas que “os escoceses devem pensar muito bem no seu futuro”. Os escoceses pensaram e votaram pela independência. Alex Salmond, não mais “first minister” mas “prime minister”(desculpem, não consigo traduzir…), é o vencedor. E os escoceses. E Sean Connery.

A independência escocesa fez-se em grande parte contra Westminster e os governos britânicos que, repetiram amiúde os partidários do Sim, ignoraram as verdadeiras preocupações dos escoceses e adoptaram políticas perversas, aumentando a desigualdade entre os cidadãos dos (agora) 2 países. E fez-se contra instituições britânicas tão respeitáveis como a BBC: Salmond resumiu a questão dizendo que os jornalistas da BBC Londres foram incapazes de separar os seus preconceitos (contra a independência) do trabalho. Os símbolos ingleses empalideceram nas Terras Altas.

A campanha do Não – “Better Together” – colocou 5 questões-chave aos escoceses para o caso de escolherem o Sim:

  1. Estão os seus empregos seguros, quando tantas empresas afirmam que sairão em caso de independência? Pois bem, os escoceses acharam que sim, ou então que isso não interessa face ao bem maior em jogo.
  2. Sabem eles qual será a sua moeda em caso de independência? Manterão a libra, terão uma moeda própria, haverá um sistema monetário especial? Até Paul Krugman lembrou a dificuldade de gerir uma moeda única entre países sem união política, como acontece com o euro. Mas os escoceses preferiram assegurar o que primeiro valorizam, a independência e a liberdade política. E Joseph Stiglitz, para permanecermos nos argumentos de autoridade, veio contrariar Krugman lembrando que há muitos acordos ou sistemas monetários que podem funcionar; os escoceses podem até manter a libra, mesmo contra a vontade de Londres.
  3. Pensões: têm os escoceses a certeza de que as suas pensões estão seguras numa Escócia independente? Curiosamente, eles parecem pensar que sim.
  4. …e acreditam que os preços não vão subir nas lojas? Pois, parece que acreditam (ou que isso não importa, ver questão 1).
  5. Um dos temas fundamentais da campanha foi o Serviço Nacional de Saúde (NHS), com os defensores do Não a defender que a independência tornará o NHS impossível de financiar. Ver-se-á, decidiram os escoceses, cujos argumentos são o oposto: era dentro do Reino Unido que o NHS estava próximo do colapso.

Crucial na campanha foi a questão de saber se a economia do novo país piora ou melhora com a independência. Resumindo, com recurso aos dois Nobéis já citados, Krugman aposta no pior, Stiglitz no contrário. Ver-se-á; os escoceses acham que melhora (ou… ver questão 1 acima).

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A Escócia sai da União Europeia, consequência inevitável da independência à luz dos Tratados. O dilema europeu é agora simples: ou procede a um rápido processo de integração do novo país europeu na União, o que os escoceses tanto parecem desejar, lançando um substancial conjunto de medidas de pré-adesão (incluindo fundos e programas de apoio à economia escocesa), “oferecendo-lhe” até a sua moeda única, o euro, e correndo o risco de hostilizar o “velho” país europeu dilacerado, o menos unido Reino Unido; isso tornaria a força do Sim britânico ao Eurexit mais do que avassaladora, levando inevitavelmente à saída dos ingleses da União. Ou, ao invés, coloca a Escócia na fila de espera da adesão, atrás do conjunto considerável de candidatos em distintas fases de negociação, correndo o risco de hostilizar a “nova” Escócia para agradar ao “velho” Reino Unido, sem sequer ter garantias de que este se mantenha na União? Não sei, mas se me pedissem para adivinhar, conhecendo relativamente bem Bruxelas e a forma de funcionar da Europa, arriscar-me-ia a votar na primeira hipótese.

O “Team Escocia” derrotou o “Team Westminster”. Não voltará a haver referendos na Escócia. Há no Mundo um novo país independente. As bandeiras azuis flutuam a Norte, triunfantes.

 

Parte Dois: o Reino continua Unido

O Reino Unido continua unido, integrado por uma Grã-Bretanha com Inglaterra, Escócia e País de Gales e pela Irlanda do Norte.

Isabel II, que permanece a monarca escocesa, interveio na campanha para dizer apenas que “os escoceses devem pensar muito bem no seu futuro”. Os escoceses pensaram e votaram pela permanência na União. Alex Salmond deixará provavelmente de ser “first minister” e nunca será “prime minister” (desculpem, não consigo traduzir…). Sean Connery foi derrotado.

Os escoceses rejeitaram assim os argumentos dos partidários do Sim segundo os quais Westminster e os governos britânicos não querem saber das suas preocupações e adoptam políticas perversas conducentes ao aumento das desigualdades entre os cidadãos do Reino (ainda) Unido. E parecem acreditar na isenção de instituições britânicas tão respeitáveis como a BBC. Os símbolos britânicos têm cotação nas Terras Altas.

Os partidários do Não – “Better Together” – colocaram 5 questões-chave aos escoceses durante a campanha:

  1. Estariam os seus empregos seguros, caso tantas empresas saíssem em caso de independência? Os escoceses acharam o risco demasiado grande.
  2. Sabiam eles qual seria a sua moeda em caso de independência, tema com especial relevo durante a campanha? Até Krugman e Stiglitz entraram no debate: os escoceses, pelos vistos, não quiseram perder a libra e o peso das instituições financeiras britânicas; à cautela, fica tudo na mesma.
  3. Pensões: teriam os escoceses a certeza de que as suas pensões estariam seguras numa Escócia independente? Não tinham, e por isso… Não.
  4. …e acreditavam que os preços não subiriam nas lojas? Pois, parece que Não.
  5. Um dos temas fundamentais da campanha foi o Serviço Nacional de Saúde (NHS). Os defensores do Não diziam que a independência tornaria o NHS impossível de financiar. A Escócia rendeu-se ao argumento; afinal, cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Mais vale não arriscar.

Crucial na campanha foi saber se a economia do novo país pioraria com a independência. Resumindo, com recurso aos Nobéis já citados, Krugman apostava que sim, Stiglitz no contrário. Os escoceses creram em Krugman e valorizaram as promessas de Westminster de que o voto Não trará uma profunda reforma, maior autonomia política e económica e poder de decisão. A independência, afinal, não é o maior bem, implica grandes riscos; ver-se-á.

A Escócia já não sai da União Europeia. Isto representa também para o Reino Unido uma nova responsabilidade a ter em conta aquando do prometido referendo sobre a permanência na União. É sabido que os escoceses querem integrar a Europa, mas podem ser contrariados pela maioria dos restantes britânicos (e norte irlandeses). O dilema é interessante. Caso o Reino Unido decida sair da União, poderá isso acelerar um novo referendo na Escócia, muito antes dos 20 anos previstos por Salmond? Não sei, mas se me pedissem para adivinhar, diria que sim. Chamem-lhe chantagem, o que quiserem… é o mais natural.

O “Team Westminster” derrotou o “Team Escócia”. Só volta a haver referendos sobre este tema na Escócia dentro de pelo menos 20 anos (em princípio). O país continua a ser parte integrante da União Europeia. Do Norte britânico, o Reino Unido ainda contempla o Mundo.

Boa sorte aos dois lados e que ganhe o melhor para a Escócia, o Reino Unido e a União Europeia.

 

Professor da Universidade Católica — Estudos Políticos