Entendi que me devo pronunciar sobre a deslocalização do INFARMED porque é uma instituição que conheço bem, onde trabalho há cerca de 25 anos, e porque este episódio, que provavelmente não passará disso, demonstra o que há de pior na circunstância de termos um primeiro-ministro incompetente, mentiroso, inseguro e inconsequente. São adjetivos fortes, reconheço, que me custa escrever, mas são muito aparentes. O tempo está a encarregar-se de mostrar o que cada um é. O problema nem está na coligação social-comunista, está mesmo em que o dr. António Costa nem para capataz das esquerdas unidas serve. A trapalhada sobre o INFARMED revela o que há de pior na forma que este primeiro-ministro usa para encontrar desculpas, fabricar ilusões e desviar atenções. O estilo pegou e o Governo, quase todo, vai atrás do chefe. Desta vez, outra vez, calhou ao ministro da Saúde ver-se embrulhado num assunto que de nada lhe serve, nem para escamotear os apertos em que tem estado, e apenas o diminuiu intelectualmente e na credibilidade. O dr. Campos Fernandes não precisava de mais esta e deveria ter-se colocado de lado e nunca ao lado de tão tamanho embuste como o da mudança do INFARMED.

Em agosto de 2016, numa outra revista para onde vou escrevendo, já eu tinha alertado para que a luta com o intuito de conquistar a sede da EMA deveria ter começado nesse verão. Não foi assim. Posteriormente, há a decisão do Governo, ratificada no Parlamento, de iniciar um processo de candidatura com a intenção de trazer a EMA para Lisboa. Não se conhecem os pressupostos que levaram o ministro da Saúde a propor essa localização. Talvez nem existissem. Sendo assim, começou o disparate. Logo de seguida, aproveitando a impreparação do Governo, com o habitual toque de provincianismo que move a política autárquica, surgiram uns indignados a sugerirem o Porto. Poderia ter sido Braga, Coimbra ou Santarém. Porque não? Não têm aeroporto? Estão longe da administração central? Mas a verdade é que não foram equacionadas, nacionalmente, alternativas.

O Governo, para dar uma mão ao candidato do PS no Porto que tinha sido expulso da coligação com Rui Moreira, decide, sem nenhuma racionalidade prévia que se conheça, que o Porto é que será. Nomeia, muito bem, um distinto portuense, de quem tenho o gosto de ser amigo, para liderar o processo de candidatura do Porto à sede da EMA. Estou certo de que o dr. Eurico Castro Alves fez o seu melhor. A diplomacia esforçou-se, esforça-se sempre muito, mas com tempo limitado e meios desiguais. O Porto não era, de facto, uma boa alternativa e, devemos aceitá-lo, Lisboa talvez não tivesse melhores hipóteses de lutar contra Amesterdão, Milão ou Copenhaga, locais desde logo apontados, até na literatura médica, como os mais indicados para albergar a sede da EMA. O Porto não foi escolhido. Não perdeu coisa nenhuma, porque não se tratava de um campeonato e é absurdo vir alguém dizer que foi excelente porque ficou em 7.º ou seja lá que lugar tenha tido nas votações. Deve até dizer-se que o processo final de escolha para a cidade da sede, entre Milão e Amesterdão, não abona nada sobre as instituições europeias. Uma agência da importância da EMA não poderia ter a decisão sobre a sua futura localização em resultado de um sorteio. E, sejamos sinceros, ambas as cidades têm os seus aeroportos principais, embora bem servidos de ligações, bem longe dos centros urbanos. Aí, pese embora a hora ser a de Londres e isso ser crítico para quem está longe da Europa central, Lisboa bate todos. Aeroporto mais central, é difícil.

Assunto encerrado. Há mais coisas importantes para tratar. O Porto tem o que tem e pode ter orgulho nisso. O Porto não precisa da EMA para ser o Porto, a cidade portuguesa de que todos gostamos e a quem o País tanto deve. Não saiu diminuído, nem engrandecido, com o processo da EMA que correu mal e nunca poderia ter decorrido de outra forma. O Governo nem estava muito preocupado com isso. Se ganhasse, perfeito, o Costa é um iluminado, perdendo, não faz mal, já que “a Europa nem sempre faz boas escolhas”. Não é?

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Não. Não é. Logo no dia seguinte, cedo pela manhã, o nosso ministro da Saúde, sem antes nada ter dito a mais ninguém, provavelmente de conluio com o chefe, liga ao dr. Rui Moreira e comunica-lhe que a sede do INFARMED vai para o Porto. “Não tens EMA mas tens INFARMED”, em jeito de prémio de consolação que, na lotaria, se diria ser a terminação.

O facto de nunca se ter escrito que o INFARMED iria para o Porto em nenhum documento, já haver um plano estratégico do INFARMED que pressupõe a manutenção da sede onde ela está, não existir nenhum estudo conhecido que demonstre vantagens em mudar a localização do Instituto, ignorar a opinião da senhora presidente do INFARMED, não ter procurado antecipar a reação dos trabalhadores, não mencionar custos, nada disto teve qualquer importância.

Mas o desnorte, na busca do Norte, não ficou por aqui.

A decisão que estava tomada, acompanhada da arrogância ministerial que afirmou não precisar dos técnicos que estão em Lisboa porque encontrará outros no Norte, face à repulsa manifestada pela esmagadora maioria dos trabalhadores e agentes políticos, transformou-se numa intenção “política”, redundou numa comissão que ainda vai estudar o assunto, numa mudança de parte da estrutura, numa medida que ainda pode ser totalmente revertida e, mais recentemente, numa decisão tomada há muito tempo.

Se a localização da EMA no Porto dependia da mudança do INFARMED, nunca ninguém o disse. Se a proximidade das duas agências, EMA e INFARMED, era fator determinante, a localização ideal, em Portugal, seria Lisboa. Parece cristalino. E argumentar com a ERS não tem sentido. A Entidade Reguladora da Saúde está no Porto porque o primeiro presidente que foi escolhido era do Porto. Foi essa a razão técnica. Se houvesse vantagem em ter as reguladoras a 300 Km do Governo, como se isso fosse a garantia de maior independência de reguladores escolhidos pelos ministros que vão ser regulados, todas elas, não só a ERS, estariam já entre a Cedofeita e a Boavista. Vá lá, uma em Gaia para que ninguém fique triste.

Entre a trapalhada e a mentira, não sei o que é melhor. Afinal, não tendo nada contra a verdadeira descentralização, para Portugal qual é a vantagem em ter a sede do INFARMED no Porto? Quanto vai custar a mudança? Que acréscimo, depois da mudança, haverá nos custos operacionais? Quantos trabalhadores terão de ser contratados? Quais os custos da formação de novos técnicos? Como vão recolocar os que se recusarem a ir? Haverá lugar a indemnizações? Temo que o anúncio extemporâneo e extravagante da mudança da sede não teve em conta estas perguntas.

É certo que o INFARMED é autossustentável e não depende do OE. Não me revejo nas críticas aos gastos com manutenção, que apenas duplicarão com a multiplicação de estruturas em dois ou mais polos, nem com o acinte manifestado contra gastos em viagens. O INFARMED é uma grande agência internacional, não somente nacional, pelo que é comum haver muitas deslocações de pessoal técnico, o que nada tem a ver com a deslocalização de famílias inteiras em moldes permanentes. Mais interessante seria a construção de raiz de uma agência de avaliação de tecnologias da saúde, em Coimbra ou no Porto, elemento fundamental e ainda ausente do panorama da administração da saúde em Portugal.

A política não é estados de espírito, nem é um jogo de distribuição de sedes. Logo, dizer que a decisão de deslocalizar a sede “é política”, é apoucar a política e gera-me muita desconfiança sobre outras decisões já tomadas ou por tomar. Pobre País, o nosso, onde se decide politicamente, argumento final e irrefutável, e se manda estudar depois.

A descentralização não é deslocalização de sedes. Mudar de sítio é só uma excentricidade. O Porto não merecia a desconsideração de se ver arrastado para uma polémica que só serviu para demonstrar a superficialidade dos nossos líderes. Muda-se uma agência central de primordial importância entre as torradas e o café da manhã?

Talvez seja o tempo, virada a página da austeridade, apesar de o primeiro-ministro ter agora dito que afinal as ilusões que pregou eram mentira, para se pensar em fazer uma nova capital. Uma Astana, Brasília ou Naypidaw? Uma Costopolis em Vila de Rei, bem no centro geodésico? Talvez mesmo com uma estátua do grande líder, o AC, em dourado amaurotizante, sobre pedestal móvel que lhe permita acompanhar o Sol no seu deambular diário. Não seria original. Há uma em Ashgabat que foi descentralizada, mudada para a periferia, pelo líder que sucedeu ao estatuado. O mais recente presidente, depois de remover a estatuária incómoda, aproveitou, sendo dentista, para mandar fazer um hospital, em forma de dente. Imaginem, se a moda pegasse, a retoma continuasse e o nosso ministro da Saúde tivesse uma especialidade mais ligada à reprodução. A extravagância não tem limites. O INFARMED que o diga. E o Governo não se esqueça de que o ridículo mata.