A imagem publicada pelo porta-voz das Relações Exteriores chinês, Lijian Zhao, reflete o estado atual da relação bilateral sino-australiana. Para além de “pouco” diplomática, demonstra as intenções que o Partido Comunista Chinês tem com países vulneráveis e especialmente fragilizados pelas ações tomadas pelo Ocidente.

No entanto, este incidente não é o primeiro, e provavelmente não será o último, no cadinho das tensões existentes entre ambos os países. Logo no início da pandemia do novo coronavírus, Camberra questionou a forma como Pequim geriu internamente o controlo da não propagação do vírus e, por conseguinte, o respetivo inquérito realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Estas declarações valeram uma forte contestação por parte da China, que considerou o posicionamento australiano como um confronto político. Assim, acabou por cortar as suas importações de cevada e carne australiana e o próprio embaixador da República Popular da China (RPC) na Austrália, Cheng Jingye, afirmou que, caso o governo australiano continuasse com estas atitudes, a China deixaria de comprar produtos australianos e os jovens chineses deixariam de estudar em universidades australianas. Em poucas palavras, de acordo com Shaun Rein, fundador do China Market Research Group: “(…) se não fizerem o que os líderes políticos de Pequim querem que vocês façam, estes castigar-vos-ão economicamente (…).”

Seguindo o raciocínio de Clive Hamilton (coautor do livro Hidden hand: Exposing How the Chinese Communist Party is Reshaping the World, 2020), o investimento chinês no estrangeiro tem como propósito manipular o país em questão, de forma a “controlá-lo” através do seu poder e influência. Os objetivos acabam por ser dúbios, visto que não são apenas comerciais, mas também estratégicos. Isto é, do ponto de vista da RPC, o investimento chinês é considerado como uma ferramenta taticamente engenhosa. Através da sua capacidade financeira, é capaz de pressionar e reprimir qualquer país para que este se adapte às suas medidas políticas e possa servir os interesses estratégicos de Pequim.

Ou seja, o Partido Comunista Chinês (PCC) tem um profundo conhecimento do que a China representa para a economia australiana, logo, acaba por ter um poder decisivo em sectores essenciais para a prosperidade da Austrália. Desta forma, Camberra foi alvo da estratégia implementada pelo PCC através de empresas e bancos estatais chineses. Do ponto de vista do governo chinês, era necessário criar fortes ligações com Camberra e com influentes empreendedores australianos através das suas empresas e bancos. Assim, a China “ganhou terreno”, concedendo empréstimos; fazendo investimentos; aquisições e doações; tornando-se acionista, sócia e até proprietária de empresas e instituições australianas. Neste seguimento, focaram-se sobretudo em partidos políticos, infraestruturas, universidades e na indústria mineira.

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Apesar dos fatores referidos e de estarem a passar por um período diplomaticamente conturbado, nem Camberra nem Pequim consideram que o fim da relação comercial seja uma realidade. Mas a nova ascensão da RPC, que tem vindo a promover medidas assertivas através do seu regime autoritário por todo o globo, levará a Austrália a redefinir os seus planos geopolíticos e geoestratégicos.

A situação existente no Mar do Sul da China, a construção de inúmeras ilhas artificiais para fins militares, a violação dos direitos humanos com as perseguições feitas em Xianjing aos Uighurs, a questão de Taiwan, a situação desastrosa em Hong Kong e o roubo de propriedade intelectual em muitas empresas, instituições e universidades ocidentais (nomeadamente, australianas) constituem uma grave e poderosa ameaça ao mundo como nós o conhecemos. Muitos destes indicadores sugerem que a Austrália possa começar a conter e a restringir a sua relação comercial com a China e aposte no desenvolvimento e modernização da manufaturação nacional. Fortalecendo e reformando as suas relações comerciais com o Japão, Índia, EUA e UE, continuará a contribuir para a cooperação internacional e para a sua prosperidade e segurança.

Desta forma, o exemplo da relação entre a China e a Austrália poderá ser um claro aviso à comunidade internacional relativamente ao comportamento do Partido Comunista Chinês.