Gostava que as coisas não fossem assim. Mas são.

Gostava que a estratégia para esta pandemia tivesse sido somente a aplicação de medidas q.b. para aplanar a curva e impedir o colapso dos serviços de saúde, deixando de resto o vírus ir contactando progressivamente com a população, até se atingir a imunidade de grupo. Gostava que não tivesse ocorrido uma mudança da estratégia, a meio do jogo, sem anúncio formal, sendo agora o nosso objectivo esmagar a curva, tentar ter um número o mais próximo possível do zero de casos positivos, internados, ventilados, mortos, impedindo o contacto progressivo do vírus com a população, atrasando indefinidamente a imunidade de grupo, amarrando-nos assim à obrigatoriedade de manter estas medidas, tão prejudiciais para tantos, até chegarmos a um horizonte longínquo e duvidoso de uma vacina eficaz e sem efeitos adversos, que pode nunca chegar ou pode chegar tarde demais, quando o prolongar por anos deste estado de coisas já tiver tornado a sociedade irreversivelmente disfuncional e destruída.

Gostava que, perante o facto de o contacto com o coronavírus muito raramente provocar doença grave em crianças, jovens e adultos não idosos (como acontece aliás com muitas outras infecções), conseguíssemos de forma descomplexada não impedir activamente a infecção nesta população, de maneira a torná-los um tampão anti-vírus da sociedade. Não seria até um dever cívico?

Gostava que se aceitasse o uso de máscara para protecção do próprio (N95 ou PFF2) por quem assim o quisesse, e se permitisse não usar máscara a quem o não quisesse fazer.

Gostava que a liberdade individual de escolher fosse mais importante do que (aquilo que uns poucos iluminados se permitem decidir que é) o “bem comum”, perante o qual todas as liberdades, direitos e garantias cessam. Gostava que não houvesse sempre uns que ditam as regras a que outros devem obedecer e sofrer os seus efeitos, sendo que esses efeitos não se fazem sentir de igual forma sobre aqueles que ditam as regras e os que as têm que cumprir.

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Gostava que, quando as autoridades de saúde determinam que uma empresa deve fechar portas e testar todos os seus funcionários, não tivesse de ser a empresa a custear os milhares de euros desses testes, para além de sofrer o prejuízo do encerramento.

Gostava que não se aceitasse ser obrigatório ter um teste negativo para se poder regressar ao trabalho em algumas empresas, à revelia do direito de cada um aceitar ou recusar os exames médicos que muito bem entender.

Gostava que todos percebessem que o teste para o SARS-CoV-2 não é útil em pessoas assintomáticas, pois não detecta dois em cada três casos de pessoas assintomáticas que estejam infectadas.

Gostava que não fosse normal e aceitável que idosos, ainda autónomos e com capacidade de decisão, sejam impedidos de saírem e regressarem às instituições e residências em que se encontram, e fiquem efectivamente sequestrados, sem que ninguém considere isso um escândalo.

Gostava que todos achassem uma aberração inaceitável forçar a realização de testes a pessoas que se deslocam dentro do território nacional, para a Madeira ou Açores (mas não no sentido inverso). Gostava que obrigar aqueles que tenham um teste positivo ao chegar aos arquipélagos a ficarem fechados num quarto de hotel, e ainda terem que pagar por esse quarto, fosse apenas um pesadelo imaginário e não uma triste realidade.

Gostava que não se permitisse, e muito menos se incentivasse, o comportamento de alguns (típico de uma ditadura comunista ou fascista), que exultam em andar a espreitar e a inspecionar o comportamento alheio, chamando agressivamente à atenção os prevaricadores das regras insanas com que somos brindados.

Gostava que, mais uma vez, não fossemos o país das oportunidades perdidas. Do que podia ter sido e não foi. E que esta crise e o dinheiro que aí vem conduzissem a um processo inexorável de incentivo à iniciativa privada, à liberdade de escolha, e à redução do peso e da intervenção do Estado na economia e na sociedade. Gostava que os milhares de milhões de euros que vão ser postos à nossa disposição fossem utilizados em estruturas, dispositivos, bens de longa duração e para usufruto das gerações vindouras, que fossem úteis no desenvolvimento e na criação de riqueza. Que não desaparecessem em instituições e organizações, sem retorno nem benefício futuro. E que não houvesse dúvidas e suspeitas sobre favorecimentos, corrupção, nepotismo, desvios, que um dia se transformam em certezas e em processos arrastados em tribunais inconclusivos.

Gostava que fosse assim. Mas não vai ser.

Gostava que surgisse uma massa crítica de portugueses que mudasse a forma eterna portuguesa de ser complacente. Que avançassem para uma desobediência pura e simples. Que se recusassem a fazer o teste para o coronavírus, seja em que circunstância for. Que se recusassem a ficar fechados em casa, estando assintomáticos. Que não obedecessem, de forma acrítica, a tudo aquilo que os mandam fazer. E que tentassem pensar pelas suas próprias cabeças.

Gostava que ninguém visse nenhuma notícia de televisão sobre os números da pandemia em Portugal. Gostava que ninguém ligasse a um número, sem o comparar com outros, ou o dividir por outro. E que os casos e mortes diárias fossem sempre comparados com as dos dias e semanas anteriores e com as mortes diárias por outras causas. E divididos pela população portuguesa.

Gostava que fosse proibido anunciarem o número diário de mortos por Covid, sem apresentarem obrigatoriamente o número diário de mortos não-Covid. Para que ninguém depois se admirasse com o aumento dos mortos não-Covid, como tinha sido previamente previsto por vários críticos desta estratégia.

dr

Gostava que toda a gente observasse com atenção a figura com os internados e ventilados por Covid-19 e reparasse em como não houve qualquer aumento significativo após o fim do confinamento. Acabar com o confinamento não aumentou os casos graves de Covid-19. Será sequer que o confinamento serviu para alguma coisa?

dr

Gostava que os resultados do inquérito sero-epidemiológico do INSA-Ricardo Jorge, que encontrou seis vezes mais pessoas que contactaram com o coronavírus do que aquelas que as autoridades identificaram, fosse apresentado como uma boa notícia, porque quer dizer que a mortalidade actualmente afirmada (3,4%) é na realidade pelo menos seis vezes inferior (0,6%). Gostava que o facto de quase metade das pessoas com anticorpos contra o coronavírus nunca ter tido qualquer sintoma (evidência de que o número de assintomáticos é maior do que pensávamos) fosse também anunciado como a boa notícia que é, porque implica que a Covid-19 é ainda menos grave do que se julgava. E gostava que o facto de as crianças e jovens terem taxas de infecção semelhantes aos adultos e maior percentagem de assintomáticos fosse também motivo para encararmos de forma tranquila o regresso às aulas presenciais, sem drama no próximo ano.

E gostava que o coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos não olhasse para estes mesmos números e não os interpretasse de forma preversa, completamente ao contrário, manifestando preocupação por haver tantos assintomáticos e por as crianças se infectarem sem sintomas. Gostava. Mas não foi assim.

Gostava que houvesse jornalistas e comunicação social capazes de fazerem artigos e reportagens com uma visão crítica da actuação do Governo, em vez de deixarem comprar o seu profissionalismo pelos 15 milhões de euros com que este os presenteou e eu não conseguir encontrar nos jornais ou televisão nenhuma peça jornalística de crítica às medidas do executivo.

Gostava que o primeiro-ministro não se escapasse sempre entre as gotas da chuva e nunca tivesse a culpa (ou a responsabilidade) de nada. Gostava que houvesse oposição digna desse nome, quer à esquerda, quer à direita do Governo. Gostava que houvesse algum partido político em que eu me pudesse rever, que representasse a minha forma de estar e de pensar sobre as coisas. Gostava que o partido mais representativo de Portugal não fosse o triste partido da abstenção.

Gostava que nada disto fosse assim. Mas é.

Gostava que as coisas não fossem assim. Que fossem diferentes. Mas não são. São como são. E não há nada que eu possa fazer.

A não ser aquilo que faço.