A súbita remodelação do ministro da Saúde não é garantia de solução de nenhum problema. É um truísmo da política. Não resolverá nada para o País mas poderá ajudar o Dr. António Costa a suster uma possível quebra de popularidade que se adivinhava para o próximo ano. Costa quer ganhar, com maioria absoluta, as próximas eleições. Nada de mais legítimo. Estranho seria estar a concorrer para ficar em segundo. Da última vez que tentou ganhar, perdeu, o que não teve nada de desonroso e foi apenas desastroso. Foi desastroso para os Portugueses, considerado o desempenho da coligação mas, para o próprio Costa que é homem de muitas manhas e ardis, o segundo lugar transformou a humilhação em vitória. Ganhou ele, perdeu Portugal.

Demitir o Prof. Adalberto Campos Fernandes, da forma como foi e no momento em que foi, é politicamente astuto mas altamente injusto. Não existiam, já o escrevi antes, razões técnicas suficientes para afastar este ministro da Saúde. Foi, como é quase sempre, uma jogada política que não deve ferir o que vier a ser o julgamento, daqui por meses ou anos, do trabalho de Campos Fernandes e da sua equipa. Nunca me coibi de criticar o que entendi que devia ser criticado. É o meu dever de cidadania como médico e ex-político. Mas nunca deixei de realçar o que de bom foi feito, tal como agora sublinho o que nunca é dito ou conhecido por quem avalia o trabalho de um governante. Acreditem que na saúde, em especial nessa pasta, o sacrifício pessoal e familiar, a sujeição à má-língua, a incompreensão de muitos e os enganos em que se cai, ultrapassam o imaginável. Resta, a um ex-governante, a sensação de que tudo fez para levar a missão a bom porto e de nem por isso esperar reconhecimento. Na hora da sua saída, ao Prof. Adalberto Campos Fernandes, devemos agradecer o que fez bem, reflectir sobre o que fez mal e apreciar os entraves que não o deixaram fazer mais. Desejo-lhe as maiores felicidades pessoais e profissionais.

O ministro da Saúde que agora cessou o seu mandato foi vítima de si, nunca deixei de o referir, e das circunstâncias que lhe criaram. O maior erro do anterior ministro da Saúde, pese embora as suas obrigações como militante do PS e membro do governo, foi ter querido ser mais costista do que Costa, mais centenista do que Centeno. Vestiu a camisola de político partidário e escondeu o perfil de técnico. Só quando já era demasiado tarde percebeu que a política se faz com discrição, falando pouco, deixando as graçolas para os outros e sem se comprometer em nome de quem não merecia esse compromisso. Não conhecia suficientemente bem o sector que teve de administrar e faltou-lhe o engenho para cativar aqueles de quem precisava. Na administração pública, é útil reconhecê-lo, um auxiliar técnico pode mais do que o chefe de divisão. O director de serviços, se quiser, controla o director-geral e sem directores-gerais não há administração. Como me ensinou o Prof. Correia de Campos, cuja influência está sempre presente, eles ficam e os governos passam. Quanto ao resto, descontadas as arrogâncias, as boutades sobre a “pesada herança”, o passa culpas, as desavenças com hospitais, as horas perdidas em reuniões inúteis, a impossibilidade de negociar com sindicatos, as zangas com quase todos, os anúncios sem substrato, as deslocalizações inconsequentes, para o Prof. Adalberto Campos Fernandes o maior problema foi o que lhe prometeram e nunca deram. A saúde nunca foi uma prioridade política deste governo. Para António Costa, popularidade é só matéria para reeleição. Os médicos e enfermeiros valem menos do que os professores? É uma questão de importância no comité central. Coligação é coligação.

É tudo táticas. Ele disse mas o que queria dizer não era o que foi dito. O jogo das meias palavras. O cavalo à chuva. Os maquiavelismos rocambolescos, as intrigas. Não há paciência. Precisamos de quem queira resolver os problemas reais de gente que existe. O paradoxo da democracia é a dependência da ignorância dos eleitores e António Costa é mestre em criar ilusões.

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A nomeação da Dra. Marta Temido é o corolário lógico da limpeza de imagem que era necessária. A nova ministra é sabedora, conhece a máquina administrativa, tem competência como administradora. Tem a vantagem de ser uma senhora, o que inibe a violência nos ataques, é jovem e parece “doce”. Mas não se deixem enganar pelo aspeto, porque à Dra. Marta Temido não falta determinação. É preciso, reconheço, alguma frescura, espírito de liderança, entusiasmo e um novo ciclo de relações com os stakeholders. Pode ser que traga tudo isso. Mas não já chega unir “contra” os inimigos, a direita nefasta e destruidora das “conquistas de abril”.  É preciso mais. Tem de convencer e nos convencer, aos trabalhadores da saúde, que vem mesmo para valorizar e remunerar, dar condições de trabalho e deixar de nos ameaçar. Vem tarde, com um orçamento que não é o “seu” e vai de ter de inverter o princípio de que o ministro da Saúde é um minimizador de custos e não um maximizador de efeitos. Na hora em que chega ao penúltimo andar da João Crisóstomo, tem a desvantagem de já não poder mudar muito. A agenda ministerial terá de ser a Saúde e não um programa de gestão financeira. Quando for à janela, naquelas horas de solidão em que se interrogará, “afinal estou aqui a fazer o quê?”, terá de olhar para o mundo que está para lá da vista sobre a Casa da Moeda. Terá de ver e sentir, nunca esquecer, os doentes que sofrem e esperam por respostas.

Confesso o meu temor de que esta manobra de mudar o ministro por uma ministra seja só para ganhar tempo até às eleições. Poderá alegar, durante uns meses, que vai estar a “estudar” os dossiers. Há sempre a possibilidade de prosseguir com umas visitas de charme. Retoma negociações para tudo e todos e só terá que fazer umas rondas de café e bolinhos até junho. Depois é Verão e chegam as eleições…

Esperamos que a próxima ministra da Saúde seja uma profissional e não uma política profissional. Todavia, infelizmente, não é para isso que o PS e António Costa contam com a Dra. Marta Temido. O propósito do nosso primeiro-ministro, claro desde que se dispôs a governar, é a perpetuação do poder e não o bom uso da governação. Na saúde, mais do que em qualquer outra área, os Portugueses têm sentido os efeitos de um governo que é o resultado de ambições políticas pessoais e não do voto expresso nas urnas.

Só é possível exercer o mandato de ministro da Saúde com uma agenda clara, objectivos definidos e um prazo para os atingir, acompanhada dos meios financeiros para lá chegar. Nada disto está garantido para este último ano de legislatura. Não queremos navegação à vista, nem um exercício arriscado e potencialmente contraproducente do magistério ministerial. Nem podemos tolerar a aparência de que tudo passou a estar bem, “descrispado”, como agora se diz na novilíngua, só porque se mudou de ministro. A nossa saúde não pode esperar mais. À Dra. Marta Temido desejo os maiores sucessos e que da sua felicidade resulte a nossa alegria. Mas, para isso, terá de fazer diferente.

Médico, antigo ministro da Saúde