A falta de habitação tornou-se num dos mais graves problemas da sociedade portuguesa. Os nossos jovens estão entre os europeus que mais tarde saem da casa dos pais. Embora existam razões culturais para a permanência prolongada dos filhos em casa dos pais, as principais razões são os baixos salários e a dificuldade no acesso à habitação. A escassez de habitação limita as possibilidades de realização profissional e pessoal dos jovens, nomeadamente a constituição de família, uma decisão que vai sendo adiada até cada vez mais tarde. Aos pais, a permanência dos filhos em casa muito para além da conclusão dos estudos, impõe-lhes uma despesa que não tinham previsto e que reduz a sua capacidade de poupança para a reforma. Finalmente, a ‘subsidiação’ da habitação dos jovens por muitos pais permite às empresas pagarem salários mais baixos. Por todas estas razões, é urgente romper este círculo vicioso que as dificuldades no acesso à habitação têm vindo a aprofundar.

Entre 1974 e 2010, a população residente aumentou de 8,7 para 10,6 milhões e houve uma enorme deslocação da população para os principais centros urbanos. Neste período, o número de alojamentos familiares mais do que duplicou, passando de 2,7 para 5,8 milhões (Pordata). O sector da construção mostrou uma grande dinâmica e capacidade de resposta à crescente procura. Em 2002, foram colocadas no mercado 125 mil novas casas e o investimento em habitação representava cerca de 10% do PIB. A resposta ao problema da habitação foi a aquisição de habitação pelas famílias, financiada com crédito bancário. A diminuição acentuada das taxas de juro, a partir do início dos anos 90, permitiu a generalização do acesso ao crédito para a aquisição de habitação. Em muitos casos, os bancos disponibilizavam crédito superior a 100% do valor da habitação. É ainda importante destacar o papel do programa de apoio às famílias ‘Crédito Bonificado’, que reduzia significativamente o valor da prestação bancária. Para termos uma ideia do alcance deste programa, em 1998, dois em cada três euros do crédito à habitação eram subsidiados. Até 1999, este programa de juros bonificados permitia a aquisição de habitação até 600 mil euros e muitas casas foram compradas por jovens estudantes sem rendimento, mas com pais abonados… Os abusos permitidos resultaram numa fatura de milhares de milhões de euros anuais para o Estado e na extinção do programa pela ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, que em 2002 teve de enfrentar a primeira grave crise orçamental do século XXI.

A partir dessa altura, o investimento em habitação entrou em queda e o número de novas casas colocadas no mercado caiu continuamente até atingir cerca de 7 mil, em 2015. A crise financeira e bancária de 2008-2013 resultou numa onda de falências no sector da construção, conduzindo a uma redução do emprego do sector em mais de 40%. Naqueles anos, os preços da habitação caíram cerca de 10%.

No entanto, a forte expansão turismo entre 2010 e 2019 alimentou uma vaga de reabilitação urbana, que resultou na triplicação do número de alojamentos turísticos nesse período, incluindo a conversão de muitas habitações devolutas no centro das cidades em alojamento local.  A enorme expansão dos serviços ligados ao turismo foi acompanhada pelo aumento da imigração, que tornou o saldo migratório novamente positivo a partir de 2017, e contribuiu para o aumento da procura de habitação. Esta foi ainda reforçada pelo aumento do investimento por fundos imobiliários internacionais e pela vinda de um grande número de estrangeiros para Portugal, quer para gozar a reforma quer para trabalharem remotamente. Esta procura, associada a uma lenta reação da oferta, resultou num aumento de mais de 70% do índice de preços da habitação entre 2013 e 2022 (INE). Em 2021, apesar do aumento registado desde 2013, o número de novas casas no mercado foi de apenas cerca de 19 mil.

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Num país com um elevado endividamento interno e externo e em que a principal componente da riqueza das famílias é a habitação, a atração de investimento e de pessoas do estrangeiro, o aumento das exportações de serviços de turismo e a valorização do imobiliário são boas notícias. O aumento dos preços da habitação é um problema, mas é um problema bom. Podemos ter alguma habitação pública para algumas franjas da população, mas a solução passará necessariamente pelo mercado.

O Governo, com as medidas que anunciou, propõe-se atuar sobre a oferta e sobre a procura. As medidas do lado da simplificação dos licenciamentos só pecam por tardias. A lentidão e opacidade dos processos de licenciamento prejudicam o desenvolvimento da oferta e favorecem práticas ilícitas. Mais terrenos e imóveis para habitação também eram urgentes. Depois dos desvarios do ‘Crédito Bonificado’ que descrevi acima, ninguém se atreve a defender a reposição dum programa desse tipo, mas penso que seria interessante avaliar essa medida exclusivamente para jovens. Esse programa poderia favorecer também a oferta ao criar incentivos para as empresas de construção que hoje veem como pouco interessante a construção de casas para a classe média, que está exposta aos choques das taxas de juro.

As propostas de intervenção direta do Estado para trazer para o mercado habitações devolutas são risíveis: um Estado que não sabe cuidar do seu património, propõe-se cuidar do património dos privados. O governo refere a necessidade de mais confiança no mercado de arrendamento. Mas será que ainda não percebeu que a grande fonte de desconfiança dos agentes do mercado imobiliário é o próprio governo com a constante mudança de regras?