A liberdade não é apenas uma palavra ou um belo slogan para gritar em «manif’s» e cantigas de ocasião. A liberdade é o bem mais precioso das nossas vidas e deve ser tratada com todo o cuidado, por quem governa ou legisla, e defendida sempre e em todas as condições por todos nós.

Vivemos tempos difíceis, em que a liberdade nos foi tirada em nome do bem comum e da prudência, perante uma doença desconhecida e, em muitos casos, demasiados até, letal. Nestes tristes dias, ultrapassámos os mil mortos em Portugal, cerca de 10 por 100.000 habitantes.

Podemos dizer que os portugueses aceitaram as brutais medidas impostas pelo estado de emergência, que obrigaram os profissionais da saúde a um esforço heroico e ao grande sacrifício de não puderem conviver com as suas famílias, por medo do contágio.  Muitos cidadãos puseram em risco o seu trabalho, a sua sobrevivência e quase tudo o que a vida tem de melhor. Confinaram a sua liberdade e os seus direitos fundamentais, ficando em casa, usando máscara, gel e tudo o mais que lhes foi pedido.

Os portugueses foram exemplares na prudência para garantir a sua saúde e a dos outros. Viveram como puderam um mês e meio, em casa, fechados.

Nesta situação, os órgãos de poder político, mesmo nos países democráticos, assumem um poder desmesurado, fora do quadro constitucional e legal normal. Assumem essas prerrogativas especiais, previstas na Constituição e na lei, e os cidadãos aceitam, porque sabem que é, em princípio, para o seu bem e para o bem comum. É, porém, sabido que nestas difíceis e perigosas situações – é exatamente por serem excecionais que são aceites pelos cidadãos -, que a tentação do abuso de poder é maior e uma realidade inquestionável o perigo para a liberdade.

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Assim foi agora e assim será sempre. Não é, pois, demais alertar para o abuso do poder e o desrespeito pelos direitos dos cidadãos. Estar atentos a essa tentação é uma obrigação de cidadania.

A decisão do governo de António Costa de apenas permitir Missas a partir de dia 31 de maio é, em si mesmo, um atentado à liberdade religiosa. Atentado gravíssimo, porque arbitrário e desrespeitoso. Senão vejamos: que lógica tem abrir lojas de rua, cabeleireiros, cafés e restaurantes, poder regressar ao trabalho de transportes públicos, permitir manifestações e festejos, e tudo o mais que se lê na calendarização e só permitir a celebração de Missas públicas [privadas podem-se celebrar, e têm-se celebrado, sem povo], juntamente com o futebol, a 31 de Maio?! Que chamar a tais decisões senão atentado à liberdade?! Que lógica tem permitir que venham camionetas e se juntem na Alameda 600 manifestantes, num cenário pré-definido, e não permitir 600 crentes no Santuário de Fátima, no dia 13 de maio, nas mesmíssimas condições?

Face a uma decisão análoga de Emanuel Macron, sobre as Missas em França, os bispos, através de um comunicado da Conferência Episcopal, reagiram chamando-lhe «histórica humilhação da Igreja francesa». Em Itália, o primeiro-ministro Giuseppe Conte já tinha feito o mesmo.

Agora, junta-se-lhes António Costa.

Humilhação é uma palavra forte, sem dúvida. Mas que dizer de um governo que permite que se vá a lojas com 400 metros quadrados, a restaurantes, cafés e pastelarias, palácios e galerias de arte e, pasme-se, repartições de finanças, mas impeça-se a ida às igrejas, mesquitas e sinagogas?

Humilhação é uma palavra dura e revela firmeza. Mas, que outra usar, para classificar uma decisão que impede a liberdade de culto e trata os crentes como perigosos desrespeitadores do bem comum, tão irresponsáveis que não se lhes permite ir às igrejas, com regras e condições idênticas às dos frequentadores das lojas ou dos transportes públicos (distância social, máscaras, gel, etc)? A decisão do Governo pressupõe que os crentes não vão respeitar as normas cívicas e vão pôr em perigo a sociedade, contaminando-se a eles e aos outros. Que estranho preconceito contra os crentes…

Essa é, em minha opinião, tão-só uma razão aparente para este estranho calendário: resulta da tentação de abusar do poder e é uma demonstração de força desnecessária, que é sempre exercida pelos fracos. Mas é uma decisão que faz perigar a liberdade. A liberdade, sublinho. O abuso de poder foi sempre uma tentação dos governantes e marcou, com tristes páginas, a história da Europa no século passado. Da Europa continental. É sabido que todos os regimes totalitários começam por pôr em causa a liberdade religiosa (esse ópio do povo), porque é a mais frágil, muitas vezes levada em vasos de barro, que facilmente se partem. Ainda é assim, infelizmente nos nossos dias, em regimes como o chinês, onde o exercício do direito ao culto e a definição das suas condições é competência do Partido Comunista chinês.

Acho que ninguém contesta que em Portugal, nestes dias, a liberdade religiosa tenha sido limitada dentro dos parâmetros do estado de emergência e não cabe de imediato discutir se houve abusos desnecessários ou se se restringiu a liberdade dentro de condições aceitáveis. Não o discuto agora, até porque é certamente cedo para conclusões definitivas. Mas é incontestável que os crentes portugueses respeitaram as regras definidas, incluindo as mais dolorosas de cumprir, como as reguladoras da assistência de familiares aos funerais, proibição de visitas a lares e hospitais, etc. Adiaram-se casamentos, batizados e fecharam-se as igrejas e os templos. Os crentes respeitaram, mesmo exemplarmente, as decisões do poder político e, por isso, nem a Páscoa, a mais importante festividade cristã, celebraram.

É necessário, porém, e perante as recentes decisões discriminatórias, lembrar ao poder político que a liberdade religiosa, como escreveu George Weigel, «não é algo “conferido” pelo governo (…) A liberdade religiosa é um direito humano fundamental reconhecido como um direito civil (…). Os governos não “são proprietários” da liberdade religiosa, nem a regulam por prazer ou capricho».

Os governos têm a obrigação de proteger a liberdade religiosa, como um direito inalienável das pessoas e de regular o seu exercício, em prol do bem comum. Eles farão esse regulamento adequadamente, se mantiverem em mente os limites do seu poder e resistirem à tentação de imaginar que «conferem» a liberdade religiosa às pessoas.  Não devem, nem podem.

Em momentos particularmente difíceis, como os que vivemos, o governo tem de ter muito cuidado com o respeito pelos direitos dos cidadãos. Respeito pela ordem constitucional e pela liberdade, para garantir que saímos dos confinamentos livres e num país livre que queremos continuar a ser.

Estas decisões, se em vez de estarem baseadas no respeito pela liberdade e pelo quadro constitucional existente, decorrem de decisões numa base ideológica e não no bom senso, corre-se o risco de abrir feridas desnecessárias, numa sociedade já de si magoada pelo vírus, pela doença e pela morte de perto de mil cidadãos.

Permitir que as igrejas abram as portas aos fiéis e só se possam celebrar missas comunitárias apenas a 31 de maio é um atentado inequívoco a um direito da pessoa, e à sua dignidade, e um atropelo arbitrário da liberdade.

Lamento que o governo, sem razão ou justificação de ordem sanitária ou de saúde pública, tenha aproveitado esta pandemia para colocar a liberdade religiosa em causa e fazer uma abusiva demonstração do seu poder.

Convém lembrar que, sempre que em Portugal os governantes o fizeram, a «coisa» não correu muito bem.

Bom Dia da Mãe.