A Jornada Mundial da Juventude que teve lugar em Portugal ficou inequivocamente marcada pela visão do Papa Francisco de que é necessário construir uma Igreja mais aberta e inclusiva. Uma visão materializada desde logo na expressão “todos, todos, todos” mas também em vários apelos específicos que deixou nas suas várias intervenções em Portugal. Apelos que surgiram frequentemente ligados a pedidos para que os medos sejam ultrapassados. Num estilo de comunicação que em alguns momentos fez recordar São João Paulo II (o Papa que em 1984 criou as JMJ), o Papa Francisco exortou os jovens a ultrapassarem os medos e a arriscarem.

A intervenção mais interessante na combinação destas duas dimensões foi provavelmente o discurso do Papa Francisco no Encontro com Jovens Universitários na Universidade Católica Portuguesa. Aí, o Papa começou por estabelecer um paralelo entre o peregrino que se confronta com grandes questões que não têm uma resposta fácil nem imediata e o processo científico, sendo que em ambos os casos a procura de uma resposta exige empreender uma jornada de busca e superação. Alertou depois para o perigo das respostas facilitistas, realçando a necessidade de procurar e arriscar:

Peregrinar é caminhar em direção a uma meta ou em busca de uma meta. Há sempre o perigo de caminhar num labirinto, onde não há meta. Também não há saída. Desconfiemos das fórmulas pré-fabricadas – são labirínticas – desconfiemos das respostas que parecem estar ao alcance da mão, daquelas respostas tiradas da manga como cartas de baralho; desconfiemos das propostas que parecem dar tudo sem pedir nada. Desconfiemos. A desconfiança é uma arma para poder avançar e não andar sempre em círculos. Uma das parábolas de Jesus diz que quem encontra a pérola de grande valor é aquele que a procura com inteligência e espírito de iniciativa, e dá tudo, arrisca tudo o que tem para a obter (cf. Mt 13, 45-46). Procurar e arriscar: estes são os dois verbos do peregrino. Procurar e arriscar.

Nessa jornada de procura e superação, a incompletude é, necessariamente, uma constante. E o caminho que devemos percorrer não pode ser substituído por oásis de conforto ilusório. Daí que o Papa Francisco tenha alertado também para o perigo de ceder à tentação de substituirmos o real pelo virtual e de preferirmos “respostas fáceis que anestesiam”. Uma verdadeira cultura do encontro exige coragem para sair da zona de conforto e ir além do – imprescindível mas simultaneamente limitador se excessivo – instinto de auto-preservação.

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Ideias que o Papa Francisco aplicou à missão da universidade, apoiando-se numa passagem do discurso da Reitora da UCP, Isabel Capeloa Gil, que comentou e desenvolveu da seguinte forma, culminado naquele que foi porventura o apelo mais marcante do seu discurso na Universidade Católica:

Achei inspiradoras as palavras da Reitora, sobretudo quando disse que “a universidade não existe para se preservar como instituição, mas para responder com coragem aos desafios do presente e do futuro”. A auto-preservação é uma tentação, é um reflexo condicionado do medo, que nos faz olhar para a existência de uma forma distorcida. Se as sementes se preservassem, desperdiçariam completamente o seu poder gerador e condenar-nos-iam à fome; se os invernos se preservassem, não haveria a maravilha da primavera. Tenham, portanto, a coragem de substituir os medos pelos sonhos; substituam os medos pelos sonhos; não sejam administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!

Esta mensagem de inclusão, risco e esperança não estaria completa sem um apelo também à responsabilidade. De todos e de cada um, mas com especial ênfase naqueles que ocupam – mesmo que por vezes disso não se apercebam – posições privilegiadas na sociedade. É o caso de quem, como frisou o Papa Francisco, recebe o ensino superior, mas mais ainda, acrescentaria eu, de quem está na posição privilegiada de o fornecer (sendo que numa genuína universidade os professores não devem nunca deixar de ser, eles também, alunos):

Se o conhecimento não for aceite como uma responsabilidade, torna-se estéril. Se aqueles que receberam o ensino superior – que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio – não se esforçarem por devolver parte daquilo de que beneficiaram, não compreenderam verdadeiramente o que lhes foi oferecido.

Cabe-nos assim a todos e a cada um de nós saber estar à altura do chamamento universal. Uma responsabilidade que será tanto maior na medida do nosso privilégio e que exige uma combinação difícil: sair da zona de conforto, ultrapassar medos e arriscar sem nunca desistir da esperança. Porque, afinal, muitos são os chamados e poucos os escolhidos.

P.S.: O Povo de Deus em Lisboa rezou pelo envio de um pastor e, quatro dias após o final da JMJ, o Papa Francisco nomeou o até agora bispo das Forças Armadas e de Segurança D. Rui Valério como sucessor de D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa desde 2013. D. Rui Valério, com um perfil de sobriedade institucional e independência, será também por inerência o Magno Chanceler da Universidade Católica Portuguesa e publicou no dia 10 de Agosto a sua primeira Mensagem à amada Igreja de Lisboa.

P.P.S.: O inequívoco sucesso da JMJ teve dois grandes arquitectos, cujo mérito é justo realçar: D. Américo Aguiar, recentemente elevado a cardeal e que se confirmou como um “fazedor” de excepcional talento e eficácia, e o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, que soube ultrapassar inúmeras dificuldades e demonstrou uma vez mais as suas notáveis capacidades executivas e de liderança. D. Américo Aguiar deverá agora rumar merecidamente para novas altas responsabilidades no Vaticano, onde D. José Tolentino Mendonça vai ganhando cada vez mais destaque num momento em que Portugal acumula um número sem precedentes de cardeais.