Que dizer, quando se aproxima o cinquentenário de Maio de 68? Basicamente, creio que deve ser repetido o que Raymond Aron terá dito a Pierre Mendès France no calor dos acontecimentos:

Só existem dois campos, de um lado a República, o governo, as assembleias, as eleições; do outro lado, o partido comunista — que os intelectuais, os revolucionários da caneta, criticam por não ser mais revolucionário. Se a legalidade republicana sucumbir sob a pressão dos tijolos e das multidões na rua, só o partido comunista preencherá o vazio” (Raymond Aron, Mémoires, Paris: Julliard, 1983, p. 475).
Raymond Aron tinha razão, a mais do que um título. Em primeiro lugar, porque as eleições legislativas de 23-30 de Junho deram uma vitória esmagadora à UDR do centro-direita. Em segundo lugar, porque a vitória democrática das instituições da República permitiu a pacífica adaptação da sociedade francesa a muitas ideias de Maio de 68 — que teriam sido esmagadas pelo partido comunista.

Aqui reside, creio eu, a maior derrota do espírito revolucionário de Maio de 68: a legalidade da “República burguesa” saiu vitoriosa; e isso permitiu a vitória pacífica de muitas das ideias de Maio de 68.

Este aparente paradoxo é relevante. Maio de 68 fez confluir muitas tendências e muitas paixões contraditórias. Havia, por um lado, um fortíssima componente libertária e utópica, que prometia a libertação de todos os constrangimentos sociais e comportamentais — “É proibido proibir” era uma das máximas famosas. Por outro lado, havia uma fortíssima componente marxista e neo-marxista que pregava contra as “estruturas invisíveis da opressão da oligarquia burguesa” e apelava à revolução violenta.

A verdade é que Maio de 68 fracassou porque as eleições livres deram a vitória aos defensores das “estruturas invisíveis da opressão da oligarquia burguesa.” E a verdade é que, devido a essa vitória da “oligarquia burguesa”, as ideias libertárias de Maio de 68 puderam continuar a ser livremente defendidas — o que evidentemente não teria acontecido se tivesse ocorrido a revolução comunista redentora. Basta olhar para a repressão intransigente que se abatia sobre a mais leve dissidência nos regimes comunistas do Leste europeu — e que se abateu brutalmente sobre a Primavera de Praga nesse mesmo ano de 1968.

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Muitos comentadores discutem hoje que avaliação devemos fazer das ideias libertárias de Maio de 68. É certamente um tema importante. Mas não creio que seja o essencial. O essencial é que, contra os anseios revolucionários de Maio de 68, a França permaneceu “burguesa” — isto é, livre e democrática. Por essa razão, pôde absorver muitas ideias de Maio de 68. Pela mesma razão, pôde e continua a poder também contrariá-las.

Seria útil que não invertêssemos hoje o discurso revolucionário de Maio de 68 contra a “oligarquia burguesa”. Isso parece estar a acontecer com algum discurso contra-revolucionário em nome do “povo” — contra “invisíveis estruturas de opressão das oligarquias elitistas”. Em contrapartida, cresce um discurso vanguardista que recusa legitimidade democrática a todas as ideias diferentes das suas — designadamente a defesa do sentimento nacional, do controlo dos Parlamentos nacionais sobre a imigração, e a expressão pública da fé cristã.

Esta dicotomia infeliz entre populismo e vanguardismo ameaça fazer esquecer as sábias palavras de Raymond Aron: só existem dois campos realmente antagónicos, a democracia ou a ditadura.

A democracia, sustentada na soberania dos Parlamentos nacionais limitada pela lei, tem certamente a desvantagem de permitir muita concorrência. Isto significa que uma vezes ganhamos e outras vezes perdemos. A ditadura tem certamente a vantagem de garantir a vitória aos detentores da verdade. O único problema é que, em ditadura, os detentores da verdade são definidos pelos detentores da força. Em democracia, os detentores da verdade concorrem entre si sob o primado da lei.

Esta é a principal lição de Maio de 68.