Um alfinete de peito utilizado pela Princesa Michael de Kent no jantar anual de Natal da Rainha Isabel II está a causar polémica. O acessório, com o busto de uma mulher negra, que enfatiza a escravatura, foi considerado de índole racista.” Porque enfatiza o alfinete em causa a escravatura é um mistério que os jornais não esclarecem mas isso também não interessa nada. O que interessa é que a onda de indignação do dia hoje caiu sobre a princesa de Kent. E todos os dias, mas mesmo todos, esta coisa viscosa cai sobre alguém. É da sua natureza. Estão a ver aquelas coisas nojentas que as crianças atiram às paredes? Sim, os pega-monstros. Vivemos rodeados deles. Dessas massas informes que todos os dias renascem sob a forma de miasma que invariavelmente cai sobre alguém.

Tudo parte de uma premissa que não paramos para avaliar – “o alfinete racista” – para daí concluir um aleijão moral de alguém, no caso da mulher que o usa. Hoje é um alfinete com a cabeça de uma mulher negra que vale a quem o usa uma acusação de racismo. Mas porquê? Se a princesa levasse um alfinete com a cabeça de uma mulher branca seria uma supremacista branca? E se a princesa levasse um alfinete com um leopardo seria uma apoiante da vida selvagem ou pelo contrário uma defensora dos circos e dos zoos?

E se a princesa levasse um alfinete em forma de sol, que é uma estrela masculina, estaria ela a excluir a lua que é feminina (aqui fica feita a correcção: o sol é um estrela como bem assinalou um leitor. Por conta dos leitores fica também a questão do género do sol e da lua e das respectivas energias, assunto cuja transcendência me ultrapassa por completo para mais num dia em que o meu problema é o custo da energia para manter uma casa aquecida em Portugal). E se a princesa se virasse para os mares e escolhesse uma jóia a lembrar um búzio será que estava a praticar um gesto de apropriação cultural em relação aos povos que usam as conchas como jóias? E se pelo contrário a princesa tivesse usado um escaravelho será que os egípcios veriam nessa eleição uma referência à sua antiga civilização e portanto uma defesa dos arqueólogos que levaram imensos artefactos e jóias do Egipto para os museus da Europa? E se a princesa levasse uma flor será que isso simbolizaria que os seus gostos são tão artificiais que à beleza de uma flor natural prefere outra nascida das mãos dos ourives?

E se a princesa levasse um alfinete em forma de cobra será que pretendia assustar alguém, pois como se sabe há pessoas que ficam paralisadas ao ver répteis mesmo que figurados? E se a princesa optasse por um alfinete com um sapo será que pretendia com tal escolha mandar uma mensagem subliminar aos homens da sua família – príncipes, portanto sapos – ou afugentar da festa os povos que não gostam de sapos? E se a princesa escolhesse uma filigrana portuguesa será que esse seu gesto não procurava reforçar a condescendência com que os ingleses nos trataram ao longo dos séculos?

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E se fosse um dragão que diria a China? E já agora o Futebol Clube do Porto? E se fosse um trevo de quatro folhas será que a princesa de Kent teria algo a ver com a Raríssimas?…

Dir-se-á que perante a polémica o melhor será a princesa deixar de usar alfinetes. Mas quem pensar tal coisa não conhece a natureza da coisa. Ela vai sempre abater-se sobre alguém. Por causa da forma das jóias ou pelo facto de se usarem jóias. Pelo pechisbeque ou pelo não pechisbeque. Pela roupa. Pelo cabelo. Por… não interessa.

O alfinete “racista” da princesa de Kent é o reverso do quotidiano de inferno que construímos em nome da tolerância. Tal como as sociedades que diziam querer atingir a igualdade só geraram pobreza e desigualdade também esta agenda do politicamente correcto está a destruir o bom senso e a roubar-nos a liberdade.

Não há dia em que alguém não seja acusado de racismo. O assédio ou o não partilhar dos valores da cartilha também são factores para que “a coisa” se abata sobre nós.

Como sempre acontece nos tempos de intolerância, a ficção torna-se o refúgio possível, o campo do autorizado. Não por acaso muitos dos heróis das séries de hoje vivem no tempo dos vikings ou no não lugar das guerras pelos tronos de reinos que não sabemos localizar. Pois só assim os guiões são livres. Nesse reinos cheios de seres semi-reais as personagens podem amar, decidir, guerrear, escolher e fazer sem atender aos problemas do género, da raça, do meio social, do que quer dizer o quê…

Claro que os comuns mortais não têm jóias. Mas a “coisa” calha a todos. Não adianta acreditar que sobre nós ela não cairá. Vai cair. Está a cair. Agora. Ali à frente. Se me perguntarem o que quero no Natal respondo já: um mundo em que esta gente do lobby da culpa vá de férias. Ou que pelo menos aplique a si mesma o horário de trabalho da AutoEuropa.

Já agora, se vir um pega-monstro no monte das prendas não o deite fora. Ponha-o ao lado em local visível e pense que essa massa viscosa é o melhor símbolo do mundo que nos rodeia.