O risco da escolha do candidato da AD é iníquo. Luís Montenegro tem muito mais a perder. E, de forma quase proporcional, Bugalho tem muito mais a ganhar. Se o candidato da AD não vencer as eleições, o primeiro-ministro fica com a legitimidade política enfraquecida e com menos margem para forçar a aprovação do Orçamento do Estado para 2025. Nessa circunstância, o pior que pode acontecer a um Sebastião Bugalho derrotado é ser eurodeputado e voltar a assumir o papel de comentador blockbuster de quinta a segunda-feira.

Se Sebastião Bugalho vencer as eleições, Luís Montenegro tem uma inegável vitória política, atinge o penta de vitórias em nove meses (Madeira, Açores, Legislativas, Madeira novamente) e tem a primeira avaliação, a sério, positiva ao seu trabalho. Mas Sebastião Bugalho terá muito mais. Se vencer uma eleição nacional, mesmo sem ser militante (isso resolve-se rápido), entra automaticamente no rol de protocandidatos à sucessão de Luís Montenegro.

A verdadeira ambição de Sebastião Bugalho é ser primeiro-ministro. É algo que não assume, nem pode assumir, neste momento. Mas também não nega. Logo no seu primeiro discurso como candidato, dias depois do anúncio, disse ao que vinha: “Parece que dizem que sou muito novo. E é verdade. Como diz o senhor primeiro-ministro, é um problema que passa com o tempo. Mas o primeiro-ministro francês neste momento tem 34 anos, eu sou só candidato Parlamento Europeu”. Após comparar-se ao francês Gabriel Attal, Bugalho avançava para uma justificação que era ao mesmo tempo uma velada declaração de intenções: “E que eu tenha dado conta, o dr. Luís Montenegro não pensa meter os papéis para a reforma.” Usou, assim, a frase a que Costa recorreu para acalmar Pedro Nuno na sua ambição de liderar o PS há uns anos na Batalha. Era Bugalho a colocar-se no mesmo patamar, o da sucessão.

Já nesta segunda-feira, no Debate da Rádio, Sebastião Bugalho foi desafiado a dizer a frase: “Nunca serei candidato a primeiro-ministro”. E, claro, não a conseguiu, nem quis, dizer. Sabe que podia ser utilizada contra si daqui a cinco ou dez anos (quando, imagine-se, ainda só terá 38). Respondeu então o seguinte: “As pessoas dizem que eu sou muito ambicioso. Eu tenho ambição de aprender e de dar o meu melhor”. E acrescentou: “Neste momento, o Governo está muito bem entregue.”

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O “neste momento” não é dito ao acaso. São duas palavras que lhe dão liberdade para, mais tarde, poder criticar e entrar em rutura com Montenegro sem ser acusado de ser incoerente. Mas isso são cuidados de comentador. As ambições de Bugalho dificilmente vão chocar ou são ameaça para Luís Montenegro. Mais que não seja pela imagem pública de não matar o pai político (mesmo que também aqui se possa juntar a mãe-política Cristas ou conferir a coparentalidade de Hugo Soares), Sebastião Bugalho não se atreverá, mesmo se o contexto a isso for propício, a desafiar o atual primeiro-ministro.

O mais irónico é que, a ter lugar num próximo ciclo de liderança do PSD — seja ele daqui a um, 5 ou 10 anos –, os principais adversários de Sebastião Bugalho seriam Carlos Moedas (dotado de idêntica e camuflada ambição) e, se ainda tiver paciência para isso, Pedro Passos Coelho. São, certamente, duas figuras que Sebastião Bugalho admira e, exemplo disso, é o momento quem-diz-é-quem-é que ambos protagonizaram no evento de campanha da AD em Vagos no domingo. “Um exemplo e uma inspiração”, disse Bugalho. “Tu é que és uma inspiração”, devolveu Moedas, num momento de derretimento mútuo.

Mas não é primeiro-ministro quem quer. O primeiro passo para isso é a perceção de que é possível. E essa já está criada ao ser candidato de um dos dois maiores partidos a uma eleição nacional. É preciso ter imagem. Check. É preciso ter discurso. Check. É preciso ter verve. Check. É preciso ter habilidade política. Check. É preciso ter partido — o que começa agora a ter. É preciso conviver bem com as suas falhas ou cicatrizes (como diria Pedro Nuno) e isso Bugalho ainda não conseguiu. Fala sempre confiante e aparentemente otimista, mas com a fatalidade de quem tem uma nuvem-negra a pairar sobre ele, como se estivesse amarrado a um mau-presságio. Precisa também de uma vitória e isso só dia 9 saberá. É caso para dizer que Sebastião pode vir a comer tudo e — por falar em presságios sobre avidez do candidato — esta terça-feira vai almoçar em Coimbra na República dos Galifões.

PS – A vitória de Marta Temido também será uma faca de dois gumes para o atual secretário-geral do PS: se, por um lado, enfraquece o Governo e dá esperança a Pedro Nuno  Santos para se aguentar até umas novas legislativas; por outro, daria gravitas e dimensão nacional a uma popular Temido, que há precisamente um ano surgia numa sondagem à frente de Pedro Nuno Santos como mais bem colocada para combater Luís Montenegro. E, aí, a alegada ironia de Costa em 2021 em entrevista ao Observador, podia virar realidade.