O legado. Não sei quando esse egrégio termo entrou nas nossas vidas. Mas asseveravam e asseveram os socialistas em particular e a esquerda em geral que António Costa tem um legado. Mas porquê senhores, um legado? Porquê esse amor por essa palavra de antanho? Porque o legado é uma herança política e nessa matéria António Costa deixa um legado.  A própria avaliação que ao longo destes anos fizemos sobre António Costa foi sobre o líder do PS, o homem que criou a geringonça, o homem dos equilíbrios, o hábil negociador…  Já sobre Costa primeiro-ministro pouco se falou e menos ainda se avaliou. Enquanto primeiro-ministro António Costa esteve sempre mais focado em usar o Governo para resolver o PS do que em resolver o país.

Sim, o PS recebe um importante legado de António Costa. Oito anos no poder, uma maioria absoluta e  PS como grande partido da esquerda.

Já os portugueses dificilmente conseguirão identificar algo que possam dizer “Foi o Costa que fez”.

É essa substancial diferença entre Costa enquanto líder do PS e Costa enquanto primeiro-ministro que leva a que nos centremos no seu legado pela prosaica razão de que não podemos falar da sua obra.

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Há uma pessoa a quem o peso do legado de Costa enquanto líder do PS versus a ausência de obra como primeiro-ministro se tornou um embaraço nestas semanas. Essa pessoa é obviamente Pedro Nuno Santos.

Em Janeiro, uma adolescente morreu depois de embater numa porta de vidro da escola de Seia. O vidro partiu-se em pedaços  com arestas cortantes e pontiagudas  que perfuraram o tórax da jovem de 17 anos. O ministro da tutela achou que era uma questão de “mau gosto” relacionar a morte da jovem com o facto de a escola em causa não ter sofrido obras e considerou que aquele acidente podia acontecer em qualquer local onde existisse vidro.

Não era verdade. Como bem determinam os vários regulamentos sobre construções escolares  o vidro que devia estar naquela porta era vidro de segurança, aquele que ao partir-se se desfaz em pedacinhos mínimos e sem bordos afiados, ou vidro que quando quebra  fica com os fragmentos retidos numa espécie de película interna.

Mas não era isso que acontecia naquela escola de Seia: o vidro era um vidro comum que se parte em lâminas grandes e pontiagudas.

Surpreendentemente isso não acontecia e volta a não acontecer. Segundo uma reportagem publicada na passada semana no ExpressoO vidro que se partiu foi substituído por um igual”  Sim, naquela porta voltou a ser colocado  um vidro que se alguém embater nele se fragmenta em pedaços susceptíveis de provocar cortes e perfurações como aconteceu em Janeiro. Porquê? Porque, explicam as autoridades escolares, o vidro seguro não encaixa no caixilho. E mudar os caixilhos implica uma obra de fundo. E a obra de fundo, depois de atrasos, candidaturas chumbadas  e adiamentos, está agora pendente de um projecto de requalificação financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)…

Resumindo: em Janeiro uma jovem morreu porque a escola tinha um vidro cortante nas portas, mas em Fevereiro soube-se que a escola substituiu o vidro por outro igualmente perigoso. Como foi possível? Como se aceita tudo isto com beatitude? Foi possível porque aquilo que em Janeiro era mau gosto, em Fevereiro passou a facto consumado. Ou seja, em Janeiro  era uma questão de “mau gosto” relacionar a morte da jovem com o facto de a escola não ter sofrido obras, mas em Fevereiro trata-se o assunto como uma “infelicidade” e protela-se a colocação de vidros seguros para o momento em que a escola for objecto das tais obras que anteriormente era de mau gosto invocar. E, como não podia deixar de ser,  espera-se que o PRR financie a requalificação da escola que deixaremos degradar até que daqui a 30 anos outro qualquer PRR a requalifique. E assim sucessivamente enquanto existirem fundos.