Portugal tem condições de se tornar um país agradável  para se viver em 2050, mas para isso é necessário que as elites políticas, tenham noção dos principais desafios que temos pela frente e que, independentemente da cor política dominante do governo da altura, lhes vão dando resposta. Como as elites não são insensíveis ao que o eleitorado pensa, é fundamental que os cidadãos não estejam embalados por cânticos (políticos) de sereia, nem sejam míopes nas votações, o que nem sempre acontece.

1O primeiro desafio para o qual a maioria política parlamentar (PS e PSD) e os cidadãos (ver sondagem do Expresso de 06/10) parecem ter já consciência é que não é normal nem é desejável um país ter permanentes défices orçamentais e ser dos mais endividados do mundo. Descer impostos sim, mas sem pôr em causa nem o equilíbrio orçamental nem a qualidade dos serviços públicos. Só um orçamento tendencialmente equilibrado, permite dar autonomia à política orçamental, nomeadamente ter défices em período de recessão, sem tornar explosivo o peso da dívida. Estamos no caminho certo (no OE há previsão de excedente orçamental e redução do rácio da dívida para baixo dos 100% do PIB), embora valha a pena discutir o ritmo a que essa redução deve ser feita.

2 Demografia. Temos aqui um problema sério. As mulheres portuguesas em idade fértil têm menos filhos do que desejariam. A manter-se esta tendência de baixa fecundidade, a população portuguesa irá diminuir substancialmente ao mesmo tempo que envelhece o que irá criar problemas graves para as coortes hoje novas e gerações futuras quando se reformarem. A imigração atenua, numericamente falando, mas não resolve o problema, e se em excesso, cria novos problemas nomeadamente de reforço da polarização e extremismo político. Necessitamos assim políticas orçamentais permanentes para a natalidade desejada. Este orçamento tem algumas medidas (ao nível das creches gratuitas e do reforço do abono de família), mas não chega. O abono de família, tem sentido que seja progressivo, mas deve ser para todas as famílias com filhos (e não apenas até 4º escalão) e são precisas mais medidas. As crianças não são trazidas por cegonhas: Num estudo recente Vanhuysse et al. (2023) mostra que se monetizarmos o tempo e dinheiro dispendido dentro de cada família, chegamos à conclusão que os recursos que os pais dão à sociedade são duas vezes e meia mais do que os adultos não pais. Isto não faz sentido e nunca resolverá o problema!

3Crescimento económico. O Ministério das Finanças prevê o mesmo crescimento económico de 1,5% que o Banco de Portugal (BP) que para 2025 prevê que a economia portuguesa cresça um pouco mais (2,1%) devido a um melhor desempenho das exportações. Temos aqui outro grande desafio da sociedade portuguesa que necessita medidas mais ousadas. Precisamos rapidamente de convergir com a média europeia sem a qual a sangria de quadros continuará e não será possível sustentadamente aliviar impostos também para a as empresas. Há várias medidas adequadas no OE para promover a capitalização das empresas, a competitividade, o investimento e a internacionalização. Há, porém dois obstáculos ao crescimento que não são respondidos neste OE. O primeiro, deriva da própria orgânica inadequada do governo. O Ministério da “Economia e do Mar” não tem as pescas que estão na agricultura e com uma despesa residual. É um absurdo que Portugal seja dos países do mundo com maior consumo de pescado per capita, que não consegue aproveitar as suas quotas de pesca, e que não tem uma estratégia industrial para a pesca. Esta deveria ser promovida, neste governo, pelo Ministério da Economia e do Mar (MEM) e não pela Agricultura. Tanto mais que o MEM  tem o mérito de ser o que leva mais a sério a gestão orçamental por programas pois estabelece objetivos, indicadores e metas para alcançar em 2024. Dado os apoios significativos ao turismo, teria todo o sentido subir a taxa do IVA da hotelaria, para a taxa intermédia, ao mesmo tempo que se iniciava uma descida de 1 p.p. por ano da taxa de IRC durante quatro anos, um objetivo que me parece essencial para atrair investimento estrangeiro dada a pouca competitividade fiscal de um país periférico como Portugal. São as empresas que criam emprego e riqueza, não esquecer.

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4Sustentabilidade da segurança social. Uma análise superficial da segurança social (SS) dá uma ideia enganosa de folga orçamental pois o subsector apresenta um excedente orçamental significativo em 2024 (5,1m.M€). Primeiro, porque este excedente resulta de impostos arrecadados pela administração central e transferidos para a SS desde logo para colmatar o défice da CGA (cerca de 5m.M.€). Segundo, porque havendo mais contribuintes isso significa que o passivo implícito no pagamento de pensões (a nossa responsabilidade futura) está a aumentar e isso não se vê no orçamento de Estado. Mas já se poderá ver, em parte, na análise de longo prazo do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) e que deveria cobrir o pagamento de dois anos de pensões. Não o faz ainda e em 2024 houve um reforço dos fundos do FEFSS o que é positivo. Porém, a análise de sustentabilidade do FEFSS, só inclui o sistema previdencial da segurança social e exclui, por exemplo, a CGA, que ainda apresentará défices significativos nos próximos anos. Não, não há folga na segurança social, e temos um problema de sustentabilidade que se agravará na próxima década. É preciso muito mais transparência na análise de longo prazo da segurança social em OEs

5Sustentabilidade ambiental. Portugal tem metas intermédias (2030) e “finais” para a descarbonização da economia (neutralidade carbónica em 2050) e para a promoção da economia circular na dupla vertente de aumento de reciclagem e redução na produção de resíduos. Tem feito um caminho na descarbonização, mas não na economia circular. Sobre eficiência energética e descarbonização há várias medidas positivas no OE. Porém, em relação à produção e reciclagem de resíduos onde Portugal está muito mal e onde não cumpre os compromissos europeus — pelo que vai pedir uma prorrogação à União Europeia pelas metas não cumpridas (ver PERSU2030) — o OE é extremamente pobre. Aprova-se uma estratégia muito tarde (PERSU 2030), e o  que diz o Relatório do OE, nesta parte da economia circular, é apenas remeter para as medidas desse documento. Vamos ao articulado da proposta de lei do OE e só encontramos uma medida que é a taxação dos sacos de plástico ultra-leves. Assim, não iremos lá, nem daqui a 20 anos.

Falei apenas de 5 desafios que temos pela frente. Poderia ter acrescentado outros — o problema da habitação, o combate à corrupção, as dificuldades do SNS  – que necessitamos responder para termos um país decente. O OE2024 é genericamente bom, e concordo com muitas das propostas, mas não devemos discutir o OE olhando para as pequenas medidas sem pensar nos desafios de longo prazo do país e na estratégia orçamental para lhes responder.