Um ponto crítico em qualquer carreira política é prestar contas pelo que se fez. Basicamente, ir a votos com o risco de perder. Por mais inaudito que possa parecer, em 2019, o risco do PS é ir a votos e ganhar. Um risco real, porque as sondagens indicam que os socialistas vencerão as legislativas do próximo ano; um risco, porque vencendo as legislativas, o PS acabará por pagar o preço do que fez nos últimos anos. Terá de prestar contas pela forma como governou entre 2015 e 2019. Como? Sendo forçado a governar entre 2019 e 2023. Forçado a assumir o custo das opções que tomou na legislatura que termina no próximo ano. O ideal seria até que, além de vencer as eleições, o PS as ganhasse sem maioria absoluta e que PSD e CDS recusassem apoiar um governo seu, forçando a repitação de geringonça. Vai ser muito difícil, bem sei: PCP e BE sabem melhor que ninguém que os próximos anos serão complicados, pelo que não se vão querer envolver. É muito interessante como, se até agora a estratégia de sobrevivência de toda a esquerda implicou governar, a partir de 2019 já pressupõe afastar-se da governação. Aliás, isso já está acontecer com as greves que têm sido marcadas.

A explicação é simples: a conjuntura vai deixar de ser favorável. As contas de Centeno vão deixar de bater certo. E o milagre que tantos acreditavam estar a acontecer vai afinal reduzir-se a um mero acaso. Não há aqui novidade nenhuma: Portugal já viveu situações idênticas (a história está pejada delas) em que o país, com as elites à cabeça, quiseram acreditar, não porque acreditassem verdadeiramente, mas porque só dessa maneira se manteriam à tona. Não nos podemos esquecer que a ilusão é de tal forma absurda que despertar teria implicações absurdas (o que também já sucedeu no passado, com a fatalidade de, sendo absurdas as soluções apresentadas, nada ser ter resolvido).

A situação é também complicada (a absurda) para a direita. Na verdade, PSD e CDS não têm qualquer interesse em ganhar as legislativas do próximo ano. Talvez seja por isso que Rui Rio se mantenha como líder dos sociais-democratas (outra absurdidade). Talvez seja por isso que o CDS não se mostre muito aguerrido e até seja pouco consistente na sua actuação. No fundo a motivação é pouca, ou nenhuma, e isso reflecte-se. Quem é que entre os partidos de direita quer passar pelo mesmo?

Vivemos num verdadeiro contra-senso: o país precisa que a pior solução, que é manter a ilusão, vença em 2019. E o mais incrível é que não vai ser fácil, visto que o castelo de cartas socialista se está a desmoronar. PSD e CDS parecem preferir ficar à margem. PCP e BE, esses, estão à vontade: com a direita em cacos é pouco provável que Costa não acabe por ganhar finalmente umas legislativas. E uma eventual renovação da geringonça, com o custo da responsabilidade política associada, pode ser facilmente descartada em troca de uma contestação que se aguarda aguerrida. 2019 vai ser um ano politicamente engraçado, não fôssemos todos nós a pagar as consequências. Mas num país de absurdos, isso acaba por não contar muito.

Advogado

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