Sem surpresa, o Governo português anunciou o seu apoio à recandidatura de António Guterres a Secretário-Geral da ONU. É uma opção natural e dispensa explicações. Todavia, o apoio não pode impedir uma análise crítica. Guterres terá com certeza muitos méritos, mas também mostrou fraquezas onde deveria ter sido forte.

A resposta à pandemia foi tímida, envergonhada, quase inexistente. A ONU fez-se ouvir para anunciar, muitas vezes amplificar, as consequências trágicas da situação pandémica, mas isso já todos sabíamos, não precisávamos de mais queixume. Esperávamos uma estratégia global, um plano, um esforço comum e universal de mitigação dos efeitos pandémicos, mas nesta questão a ONU falou muito baixinho ou nada disse.

A OMS seguiu um trajecto profundamente errático, chegando tarde à realidade, mostrou lentidão nas decisões, ligeireza na avaliação do problema e inabilidade para coordenar uma resposta global. Sobre a acção desastrosa da OMS, a ONU respondeu com um silêncio cúmplice.

Agora ouvimos o Secretário-Geral, António Guterres, reclamar por uma distribuição de vacinas que contemple os países ditos mais pobres. O argumento até parece válido, só ganharemos a guerra contra o SARS-CoV-2 quando todo o mundo estiver imunizado. Zonas desprotegidas são janelas de oportunidade para novas variantes que poderão prejudicar a eficácia das vacinas.

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É uma perspectiva suportada pela ciência, mas a solução está em produzir mais e não em destapar os pés para tapar o peito. Não sei se é tique socialista, mas esta coisa de querer distribuir o que não se tem parece tolher o raciocínio. O Primeiro-Ministro de Portugal também veio dizer que Portugal irá ceder 5% das vacinas aos PALOP, contribuindo deste modo para a imunização global. Não sei se eles repetem o disparate para se convencerem do que dizem ou se esperam que, pela repetição, se esconda o absurdo da ideia. Se os 5% que cedermos ficam a faltar por cá – estamos muito longe dos 70% para a imunidade de grupo – qual é a real contribuição para o combate mundial à pandemia?

Poderá uma leitura mais distraída concluir que escrevo contra a atribuição de vacinas aos países mais pobres. Pelo contrário, eles não precisam de esmolas ou das poucas sobras de quem pouco tem, precisam, como nós, de vacinar 70% da população e isso só se consegue quando o mundo decidir colocar toda a capacidade de produção a produzir vacinas.

Quanto a esta questão, a questão prévia a todas as outras, ouvimos zero da ONU e do seu Secretário-Geral. Como pode a principal organização mundial queixar-se de que ninguém faz nada quando a iniciativa deveria ser sua?

A ciência mobilizou-se em tempo recorde, contra os profetas da desgraça deu ao mundo uma solução, mas a sua implementação depende das decisões políticas e é nessas decisões que estamos a falhar. Não faz sentido que, descobertas várias vacinas, não se mobilizem todos os esforços para que, num curto espaço de tempo, a sua produção seja massificada, pagando o justo valor a quem tem os direitos, mas não dispensando uma só fábrica que tenha capacidade para as produzir.

É uma responsabilidade global e só há uma organização que a pode assumir, a ONU. Gostaria de ver o seu Secretário-Geral a ser parte desta solução ao invés de se comportar como um Calimero que se acha vítima de tudo e de todos, mas em boa verdade só é vítima de si próprio.

Não foi só no combate à pandemia que a ONU se mostrou pequenina, também na questão de Moçambique ficou muito aquém das suas obrigações.

No final de 2020, depois de mais um ataque assassino em Cabo Delgado perpetrado por grupos armados com pretensas ligações ao Daesh, do qual resultaram mais de 40 decapitações – noticiando a France Press “vários corpos desmembrados, incluindo pelo menos os de 5 adultos e 15 menores na cidade de Muidumbe” -, o Secretário-Geral só condena o ataque?

A ONU não tem mais a nada a dizer do que condenar e “instar as autoridades do país a conduzir uma investigação aos incidentes”? Quantos mortos serão necessários para mobilizar uma força internacional que imponha a paz e a segurança em Moçambique?

Todos nos sentimos honrados pelo lugar que ocupa, mas, ao contrário do que os revisionistas da história querem fazer crer, a marca portuguesa sempre foi de coragem, de determinação e de apego à justiça. E é essa marca que se pede a um Secretário-Geral português.