1. Não há dúvida que o grande beneficiado com os acordos entre o PS e o PSD sobre a descentralização e fundos europeus chama-se António Costa.

Tudo porque Rui Rio, no seu afã de afastar-se de Pedro Passos Coelho e de querer parecer um líder político com sentido de Estado (o contrário do autarca quezilento e cinzento que governou o Porto), possibilitou a Costa a oportunidade perfeita para levar a cabo um processo de recentramento que só beneficia os socialistas — e prejudica a posição pré-eleitoral do PSD.

É verdade que os acordos entre o PS e o PSD não são propriamente uma grande novidade na política nacional. Desde o grande acordo governamental de Bloco Central entre Mário Soares e Mota Pinto para evitar a bancarrota em 1983, António Guterres (1995/2001) consensualizou a política europeia com Durão Barroso, José Sócrates (2005/2011) assinou um pacto da Justiça com Luís Marques Mendes e Pedro Passos Coelho fechou com António José Seguro um acordo plurianual para a descida gradual do IRC.

Portanto, o acordo pelo acordo entre os dois maiores partidos portugueses não é propriamente a matéria controversa. E muito menos os temas do acordo: descentralização e fundos europeus. Sobretudo, quando a “declaração conjunta” é feita de posições genéricas.

2. O que está em causa é o contexto e o timing político em que o mesmo é feito. A pouco mais de um ano das eleições e meses depois de Rui Rio ter sido eleito líder do PSD. Neste momento, o principal partido da oposição (e com a maior bancada parlamentar) deveria estar a viver um verdadeiro estado de graça do seu novo líder, a tentar marcar a agenda com uma verdadeira oposição ao Governo e à maioria parlamentar que sustenta o primeiro-ministro António Costa e a preparar as propostas para o seu programa eleitoral. Numa frase: o PSD deveria diferenciar-se do PS, em vez de ser cada vez mais semelhante.

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Por isso mesmo, é extraordinário (e fascinante) como Rui Rio tem sido o maior aliado político de António Costa no processo de recentramento em curso do primeiro-ministro.

Extraordinário porque o líder social-democrata oferece de bandeja a António Costa a possibilidade de promover a ilusão de que está a afastar-se da extrema-esquerda e que deixou de precisar do PCP e do Bloco de Esquerda para poder governar.

Pior: Rio acaba por fazer do primeiro-ministro o centro do sistema político, visto que Costa consegue mostrar ao eleitorado que consegue dialogar com a extrema-esquerda e com o PSD. O primeiro-ministro aproxima-se assim do centro político — aquele que é essencial para ganhar uma maioria absoluta.

Mas não contente com a ajuda que dá ao primeiro-ministro, Rui Rio ainda consegue um autêntico bingo político ao fazer o especial favor de ‘oferecer’ argumentos políticos ao PCP e ao Bloco de Esquerda para atacarem o Governo do PS, acusando António Costa de governar com a direita. Isto tudo, ao mesmo tempo que acusam o ministro das Finanças de representar uma continuidade da mentalidade austeritária do Governo de Passos Coelho.

A estratégia política de Rui Rio pode ser suicidaria para o PSD mas é um verdadeiro ‘ouro sobre azul’ para a extrema-esquerda, já que permite uma descolagem do Governo mesmo a tempo de entrarem em regime de pré-campanha eleitoral após a aprovação do Orçamento de Estado para 2019. Assim, o Bloco e o PCP poderão dizer ao seu eleitorado fiel que sempre lutaram contra a “política de direita” do PS e que as únicas coisas boas da Geringonça foram por si promovidas.

3. O líder do PSD é mesmo o vice-presidente ideal para este Governo pelas seguintes razões:

  • É útil — porque faz acordos que interessam ao primeiro-ministro e que permitem a Costa voltar a brilhar como o grande estratega político que dialoga com todos;
  • É diligente — diz logo à cabeça que concorda com os aumentos dos funcionários públicos em 2019 (ano de eleições) porque, num assomo de verdadeira demagogia, assegura que, se o Governo tem 8 mil milhões de euros para os bancos, também tem de ter 300 milhões para “aumentar os rendimentos da função pública”.  Mais: também concorda com o “fim de todos os cortes” que ainda existiam para os gabinetes ministeriais. Isto tudo antes do ministro das Finanças Mário Centeno afirmar de forma clara de que vai autorizar tal despesa pública;
  • É prático — não faz finca-pé com cerimónias de assinaturas de acordos com o Governo, como um dos seu antecessores (Marques Mendes) fez com José Sócrates. É verdade que Rio não assinou os papéis mas apareceu lado-a-lado em São Bento com António Costa, sendo que a essa imagem será repetida muitas vezes pelas televisões e jornais sempre que se falar de acordos ou desacordos entre PS e o PSD;
  • E é discreto — nunca se põe em ‘bicos de pé’ para ofuscar o verdadeiro líder. Nada disso. O sr. primeiro-ministro é quem verdadeiramente manda;

Em suma, Rui Rio tem um valor político incomensurável para António Costa. E objetivamente superior ao seu próprio número 2 no Governo: Augusto Santos Silva.

Ironia e sarcasmo à parte, uma estratégia de oposição que aposta na semelhança em vez da diferenciação e na proximidade com o Governo em vez de um forte espírito crítico construtivo só pode ter duas consequências nas legislativas de 2019:

  • uma transferência de voto muito significativa a partir do PSD para o PS que promoverá uma difícil mas possível maioria absoluta dos socialistas;
  • e o melhor resultado de sempre de um CDS que recolherá uma boa parte dos votos que não são socialistas.

E o objetivo de Rui Rio de ser o vice-primeiro-ministro de António Costa cairá por terra, como era suposto.