Obrigado Senhor General Ramalho Eanes por vir com a sua inteligência e palavra limpas e claras, jovens, desassombradas, nesta nossa cultura de egoístas conveniências, a este combate, que temos sido tão poucos e silenciados a travar. Combate perdido, mas devemos morrer a combater. Tal como o grande Churchill na hora mais negra do confronto com uma besta idêntica deixou dito para os seus, o mundo e a posterioridade. Esta besta que hoje ameaça e está a conquistar o mundo ocidental (a minha esperança de um último reduto é a civilização chinesa milenar a quem isto repugna e assusta) não é, de facto, menos bestial. É mesmo mais terrível e temível. Conquista por dentro, não tem exército, comando, chefe e geografia, polo irradiador onde possa ser enfrentada. Não escraviza sem disfarce, infecta uma servidão voluntária. Observe-se e veja-se se não é isso que está a acontecer: universidades (que deviam ser o bastião da resistência), comunicação social (há excepções resilientes, “punidas” por isso pelo Governo), Governos e Partidos e idiotas úteis, claro.

“Esquerda nova”, chamou-lhe o Senhor General, eu chamo-lhe a velha extrema-esquerda, os jovens de hoje como os de ontem dependentes de todas as tiranias, da ideologia totalitária vencida em 45 e com a queda do muro de Berlim, a que se juntou agora entre nós (como se juntara na França) a esquerda que era a do PS liberal, crucial para democracia, PS agora na versão degenerescente, que se acentuará, a trair os seus ideais e valores fundadores, a sua História, os seus combates e vitórias, as suas grandes figuras fundadoras, no mundo e as nossas.

São, como referi no meu artigo no Nascer do Sol, “As últimas grandes narrativas dos orfãos do totalitarismo” (13/2).

O que é relevante nesta peripécia intelectualmente indigente de espírito da eliminação dos brasões (recuperáveis ou não, mas haveria sempre soluções para preservar o essencial que é o seu significado e é esse que os afronta), é serem manifestação dessa mesma ameaça, uma frente a que chamam “descolonialismo”. Frente em que se rende, por cumplicidade ou cobardia ou confortável servilismo súbdito, a idiotice ou displicência, de quem lhe devia resistir.

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Mas o que está em curso, Senhor General – e compreendo que não venha acompanhando o fenómeno no mundo e em França como eu tenho vindo a procurar acompanhar (não há tempo para as tantas solicitações intelectuais que este fértil mundo nos coloca, e por isso tão curta a nossa vida) – não se reduz a esta sanha em ultima instância estúpida contra a História e a memória. É muito mais.

Para esse novo nazismo, também o universalismo republicano não passa de um ardil da razão machista para tornar as mulheres invisíveis, tal como é um ardil da razão ocidental para exterminar as identidades particulares. Ao espírito universalista opõem a diversidade das comunidades, «a insularidade e a guetificação dos grupos”, um novo tribalismo; à participação no universal, a chantagem intimidatória étnica, racial e sexual.

Anti-racismo, neo-feminismo, execração da sexualidade heterossexual, identidades, islamismo, descolonialismo está tudo ligado. É esse o sentido do que chamam «interseccionalidade», um conceito que une todas essas narrativas. O seu dogma é o seguinte: «No cruzamento da luta contra o sexismo, o racismo e a homofobia encontra-se um mesmo inimigo, o homem branco ocidental heterossexual». Como se a nossa civilização urbi et orbi fosse uma civilização, uma humanidade de homens.

Na verdade é de ódio que se trata, a si próprios, ao que nos fez humanos, desejo de morte, diria Freud, que o anunciou. Afinal, no fundo, igual ao dos daechs.

O delírio e a opressão e a tragédia vieram para ficar, Senhor General, meu Amigo. Temos ambos, pois, mais um combate para travar, outra razão para viver.