A filantropia tem má reputação, mas isso deve-se à propaganda que é feita por aqueles que estão no primeiro estádio da filantropia. São em Portugal a maior maioria. No primeiro estádio da filantropia, quando confrontados com um pedido para ajudar terceiros, ou uma causa, normalmente com dinheiro ou tempo, a resposta é: ‘já dei,’ ou ‘os nossos impostos já pagaram isso,’ ou mesmo, astuciosamente, ‘se eu der, os nossos impostos nunca irão pagar isso’ (as pessoas que não pagam impostos têm tendência para usar a expressão ‘os nossos impostos.’). O primeiro estado da filantropia explica a qualidade das nossas universidades, e a mobilidade social exuberante.

O segundo estádio da filantropia consiste em responder aos pedidos, e consoante os pedidos, ‘não posso’, ‘não tenho tempo,’ ou ‘não tenho troco.’ Estas respostas incluem normalmente considerações sobre os outros. Se com os impostos de todos se fizesse o que se devia, eu naturalmente já poderia, e mesmo com gosto, ajudar quem me pedisse. A causa de eu não poder ajudar alguém deve-se ao facto de mais niguém ter antes ajudado essa pessoa. Se todos ajudassem os outros, concluo, eu também poderia fazer o mesmo, e sem dificuldade.

O terceiro estádio da filantropia é vastamente diferente dos dois anteriores. Caracteriza-se desde logo por responder aos pedidos com a minha ajuda. Muitas vezes com dificuldade, e algumas vezes com desagrado, dou o que posso a romenos, hospitais, universidades, teatros de ópera e cães abandonados. Em consequência daquilo que faço pessoas arranjam emprego, constrói-se laboratórios, e a situação dos animais muda e melhora. Graças à minha ajuda muitas pessoas morrem em circunstâncias menos difíceis do que aquelas em que nasceram, e morrem mais tarde e mais confortavelmente. Ajudo com satisfação e em nome próprio. Ao olhar para o meu nome nas listas de dadores tenho a satisfação de ter feito a coisa certa; e saber que os outros também o viram dá-me também, porque não dizê-lo, algum contentamento.

O quarto estádio da filantropia é no essencial parecido com o terceiro, menos numa coisa. A diferença é a de que o meu nome nunca aparece nas listas de dadores; as minhas acções são realizadas sem testemunhas;  o meu orgulho é limitado quando muito a pequenas cerimónias onde apenas eu participo; e até, porque não dizê-lo, ninguém suspeita daquilo que fora das horas de expediente faço pelos outros. Nas listas de pessoas que com o seu tempo e o seu dinheiro ajudaram gatos, museus e doentes, fizeram construir centros de dia e financiaram cátedras, ocorre de vez em quando, em Portugal quase nunca, a expressão ‘dador anónimo.’ Os outros perguntam-se quem será, e indignam-se com o facto não ser tornado público, suspeitando de motivos ominosos. E no entanto a expressão ‘dador anónimo’ é sinal de decência; corresponde à ideia de que o melhor de nós, e aquilo que fazemos de melhor, não tem de ser comunicado a mais ninguém.

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